10 Lendas da Rússia.
Mateus Bülow, o nosso colunista de literatura e curiosidades históricas, vai demonstrar 10 lendas da Rússia para os leitores em seu texto hoje. Venha conferir, querido leitor! Os mitos históricos da Rússia são bem interessantes, especialmente a crença da sobrevivência de algumas pessoas da família imperial Romanov. Boa leitura!
Muito boa noite a todos, mais uma vez. O churrasco está adiantado, e dessa vez temos um aperitivo para acompanhar a carne, em homenagem ao país do qual falaremos nesta noite fria. A garrafa de vodca passará de uma mão a outra para cada um servir sua dose, mas não exagerem na bebedeira!
Longe do Brasil existe uma terra gelada, coberta de florestas quase intermináveis, montanhas imensas, geleiras colossais e planícies onde o vento nunca perde a força. Parece um lugar imaginário inventado por um escritor criativo, mas se trata de uma nação bem real: A Rússia. O clima severo e a natureza implacável moldou o povo russo, conhecido pela firmeza, e também influiu na imaginação popular local.
O surgimento da Rússia deve-se aos guerreiros e mercadores nórdicos que passaram pela região durante a Alta Idade Média. Os exploradores encontraram um lugar cheio de grandes rios, estabeleceram-se em locais estratégicos e fizeram alianças com as tribos eslavas mais amistosas a eles. Os entrepostos comerciais se converteriam em grandes cidades, como Moscou, Novgorod e Kiev; mais tarde, a conversão desses povos ao cristianismo ortodoxo fez o resto do serviço.
Sob o domínio inflexível dos czares, a Rússia converteu-se em um império gigantesco e poderoso, derrubado na revolução de 1917. Apesar do autoritarismo e do relativo atraso em relação aos outros países europeus (ou talvez justamente por isso), a cultura russa sempre foi valorizada, tanto pelos nobres como os plebeus. Os primeiros estudos sérios a respeito dos costumes e lendas do país ocorreram no Século XIX, com ajuda de escritores como Leon Tolstoi e Nikolai Gogol.
Durante quase todo o Século XX, os segredos da Rússia e de outros países do Leste Europeu ficaram ocultos sob o manto vermelho da União Soviética, e boa parte da cultura local apenas se tornou visível aos ocidentais após o fim do comunismo. O estereótipo da Europa Oriental atrasada e rural continua bem forte no Ocidente, a despeito de muitos países se mostrarem cosmopolitas e hospitaleiros.
Pensando nisso, decidi fazer essa lista sobre dez lendas da Rússia, tratando de diversas histórias locais. Aqui veremos heróis, monstros, lugares imaginários e lendas urbanas sobre o destino de personagens históricos. Agasalhe-se bem, e boa leitura!
1-Dobrynya Nikitich.
Um dos gêneros mais populares no período medieval envolvia os feitos dos Bogatyrs, como os eslavos chamavam seus cavaleiros errantes. Um dos mais conhecidos heróis lendários foi Dobrynya Nikitich, aparentemente inspirado em um general a serviço do Knyaz (“príncipe”) Vladimir de Kiev. A aventura mais famosa do Bogatyr foi o resgate da princesa Zabava, sobrinha de Vladimir; ela foi capturada pelo dragão de três cabeças Zmey Gorinich.
Zmey Gorinich já havia lutado contra Dobrynya em ocasiões anteriores, mas nenhum dos rivais conseguiu derrotar o outro. Um dia o dragão propôs uma trégua com o guerreiro e cada um deles seguiu seu próprio caminho, até o dia em que o monstro sequestrou Zabava. Vendo-se sem escolha, Dobrynya partiu ao resgate, em direção às lendárias Montanhas dos Sarracenos (possivelmente as montanhas do Cáucaso).
A luta contra o dragão levou três dias, e Dobrynya quase se afogou no sangue do monstro, depois de cortar suas três cabeças. Após ouvir uma voz vinda dos céus, o Bogatyr cravou sua lança no chão, fazendo um buraco; o sangue de Zmey Gorinich escorreu pelo furo, indo até as profundezas da terra.
Dobrynya trouxe Zabava de volta a Kiev, e Vladimir sugeriu um casamento entre eles, ao que foi recusado pelo herói, pois ele reconhecia não ter sangue nobre. Zabava se casaria com Alyosha Popovich, outro famoso Bogatyr lendário, enquanto Dobrynya voltou à sua terra natal para reencontrar Nastasia, uma guerreira pela qual havia se apaixonado.
Boa parte das lendas de Bogatyrs são alegorias dos conflitos entre os eslavos cristãos e os povos nômades vindos do leste, como os tártaros, os mongóis, os cazaques e os usbeques. Na história de Alyosha Popovich, por exemplo, o principal inimigo é Tugarin Zmey, descrito às vezes como um imenso dragão, ou então um líder tártaro-mongol.
2-Rusalka.
Nossa próxima lenda fala de um espírito das águas temido em diversos países do leste europeu e bem parecido com a Iara brasileira. As rusalkas são descritas como ninfas ou sereias dos rios, com algumas diferenças interessantes: essas criaturas possuem pernas e são capazes de escalar árvores próximas ao leito dos rios.
Assim como a Iara, as rusalkas cantam para atrair homens à morte por afogamento, e também podem mudar de aparência para enganá-los. Considera-se que a “real” aparência de uma rusalka é a de uma mulher pálida com cabelos verdes e compridos, refletindo o estado do corpo de uma vítima de afogamento. Em algumas versões russas da lenda, a criatura possui cabelo castanho comprido e membranas finas entre os dedos das mãos e dos pés, assim como os sapos e rãs.
Segundo o folclore tradicional, uma rusalka surge quando uma garota jovem comete suicídio por afogamento após ser estuprada. A única forma de acalmar uma rusalka é vingando a causa de sua morte, ou seja, matando o criminoso responsável pelo ato derradeiro da moça. Outras formas de apaziguar as criaturas envolvem oferendas realizadas à beira do rio, ou então rezar pela alma de uma garota que se suicidou.
Além das rusalkas, existe outro monstro aterrorizante nos rios do leste europeu, chamado Vodyanoy. Esses bichos são descritos como homens misturados com sapos e detentores de longas barbas, além de seduzirem mulheres por meio de disfarces, algo parecido com a lenda do Boto no Brasil. Diferentemente das rusalkas, os Vodyanoys possuem um líder chamado Czar Vodyanoy.
3-Leshy.
Saindo dos rios para a as florestas, encontramos agora outro monstro conhecido em diversos países do Leste Europeu. O Leshy, também conhecido em outros países como Leznik ou Lesovik, trata-se de um gigante solitário de pele verde, quase sempre coberto de musgo e plantas. O bichão se camufla tão bem entre as folhagens e as árvores que poucos caçadores conseguem apanhá-lo desprevenido.
Cada floresta possui o seu respectivo Leshy (às vezes um casal da espécie com seus filhotes), e as atitudes do monstro em relação aos humanos variam desde a indiferença até a violência, pois um Leshy pode ficar agressivo ao se sentir ameaçado. Um dos truques preferidos do monstro é virar os pés e deixar pegadas invertidas entre as árvores para fazer os caçadores se perderem na floresta; esse comportamento é bem parecido com o Curupira do folclore brasileiro.
Outro hábito questionável do Leshy diz respeito ao sequestro de crianças. Quando uma criança desparece na mata, considera-se que o Leshy a capturou para transformá-la em outro monstro igual a ele. Caso a criança retornar à sua casa, deve ser feito um ritual ou benzedura para afastar toda e qualquer influência do Leshy sobre o pequenino.
4-Alkonost.
Já passamos pela água e pela terra, agora veremos uma criatura do ar. Assim como as harpias da mitologia grega, a Alkonost é descrita como um pássaro enorme com cabeça de mulher, capaz de cantar como nenhuma outra criatura. As lendas russas falam ainda de outra entidade parecida com a Alkonost, chamada Sirin.
Diferentemente das harpias, uma Alkonost não usa seu canto para hipnotizar ninguém, pois essa criatura se alimenta de vegetais, e não de pessoas. A Alkonost aparece em alguns ditados envolvendo pessoas que ficam felizes sem motivo algum, parecidos com a expressão brasileira “ver o passarinho verde”.
Os poderes da Alkonost não beneficiam apenas os humanos, pois vegetais também podem receber ajuda da criatura. Os russos também acreditam que a Alkonost fortalece qualquer árvore frutífera na qual tenha pousado, e que ela possui preferência pelas macieiras, deixando um orvalho místico sobre as maçãs.
Ao contrário de sua “irmã”, a Sirin possui um lado mais sombrio, pois seu canto é triste e pode afetar quem estiver por perto, deixando a pessoa melancólica. Um dos “tratamentos” utilizados pelos russos contra a melancolia no passado envolvia fazer barulho para espantar a Sirin; valia tocar sino, bater panela e até mesmo dar tiros de espingarda para o alto.
5-Perun.
Se nós estamos falando de mitologia eslava, nada mais adequado do que trazer o mais importante deus na Europa Oriental, antes do advento do cristianismo. Perun era muito popular na região, tendo como atributos o trovão, o raio e a chuva. Podemos compará-lo com outros deuses dos raios e trovões, como o Zeus dos gregos, o Thor dos nórdicos ou o Tupã dos povos indígenas brasileiros.
Mais atributos foram associados ao deus, conforme os antigos eslavos deixavam de lado a vida nômade. Perun também se tornou responsável pela guerra e as leis e costumes dos eslavos, e a árvore de carvalho virou seu símbolo. A popularidade de Perun alcançou os povos vizinhos aos eslavos, como as tribos bálticas; o mais importante deus da região era Perkunas (falamos dele na lista dos 10 Mitos da Era Medieval, do mesmo autor), outro deus do trovão e um resultado óbvio do sincretismo religioso e cultural.
Em diversas povoações eslavas havia um totem de madeira representando Perun, e diante dela se acendia um fogo ritual, onde diversos sacrifícios eram oferecidos. As oferendas costumavam se tratar de animais capturados vivos, como veados ou coelhos, ou então gado bovino e carneiros; nos tempos de dificuldade e fome, os eslavos não hesitavam em sacrificar humanos a Perun.
A dualidade entre vida e morte era simbolizada na mitologia eslava pela rivalidade entre Perun e Volos, o deus do submundo. Enquanto Perun reinava sobre os humanos, Volos controlava o mundo dos mortos, sempre buscando artimanhas para reinar sobre a Vida e a Morte ao mesmo tempo. É possível que Volos fosse o deus principal de um culto rival ao de Perun, transformado em deus maligno após seus cultistas serem sobrepujados.
O culto a Perun e outros deuses entrou em irrefreável declínio após a chegada do cristianismo à região, mas a transferência de uma fé à outra foi um processo lento e nem sempre tranquilo. Algumas cidades-estados eslavas persistiram no paganismo durante séculos, e a cristianização ocorreria graças a uma combinação de monarcas enérgicos e à necessidade de expulsar invasores nômades.
Em 988, Vladimir de Kiev (sim, é o mesmo Vladimir das histórias de Dobrynya Nikitich e Alyosha Popovich) promoveu um batismo coletivo às margens do rio Dnieper e jogou inúmeros ídolos de Perun e outros deuses às águas, simbolizando o fim do paganismo em suas terras. A conversão massiva de eslavos cimentou a aliança entre Kiev e o Império Bizantino, e Vladimir se casou com Ana, irmã do imperador bizantino Basílio II.
Os primeiros estudos sérios sobre o paganismo russo começaram no Século XIX, mas os neo-pagãos apenas sairiam das sombras após o colapso da União Soviética. Conhecidos na Rússia como Rodnovers, os adeptos de Perun e outros deuses eslavos costumam se reunir em florestas para realizarem seus rituais, quase todos voltados à fertilidade da terra. Os sacrifícios de pessoas e animais ficaram no passado, felizmente.
6-Vasilisa Prekrasnaya.
O nome Vasilisa é a forma feminina de Vasily, e sua tradução mais aproximada ao português seria algo como “mulher sábia” ou “soberana”. Diversas princesas no folclore russo são chamadas de Vasilisa, e a mais conhecida delas trata-se da história de Vasilisa Prekrasnaya, ou “A Bela”, responsável por enganar a terrível bruxa Baba Yaga.
Vasilisa era filha de um mercador viúvo, e a única lembrança que restava de sua mãe tratava-se de uma boneca de madeira, dotada de vida. Os problemas começam com o novo casamento: tanto a madrasta como as novas irmãs de Vasilisa são cruéis e maltratam a menina o tempo todo, mas ela consegue se virar como possível.
O mercador sai de viagem e a madrasta dá uma tarefa a Vasilisa, após suas irmãs desastradas apagarem as velas: conseguir o fogo de Baba Yaga, capaz de brilhar como nenhum outro. Com ajuda da boneca de madeira, a menina encontra a casa da bruxa, e se oferece para trabalhar com serviço doméstico em troca do fogo mágico.
Apesar das dificuldades, Vasilisa consegue cumprir com todas as tarefas de Baba Yaga, graças à ajuda da boneca, e a bruxa lhe permite levar uma caveira de olhos brilhantes para acender a lareira, acreditando que a menina fez tudo sozinha. Excitadas com a novidade, as irmãs adotivas tomam a caveira das mãos de Vasilisa, ateando fogo na casa e matando elas e a madrasta. Apenas Vasilisa sobreviveu ao incêndio.
Alguns anos mais tarde, Vasilisa arranja trabalho em uma alfaiataria, e sua grande habilidade com a agulha chama a atenção do Tsarevich (filho do Czar), ao lado de sua beleza. Apesar da resistência inicial do Czar diante da moça sem sangue nobre, Vasilisa e o Tsarevich conseguem se casar.
7-Koschei, o Imortal.
Falamos de heróis, de criaturas e até de um deus, e agora falaremos de um vilão. O terrível feiticeiro Koschei aparece como antagonista em diversos contos russos, e a característica mais conhecida do mito é a impossibilidade dele ser morto por meios normais, pois a alma não está junto ao corpo.
A aparência de Koschei costuma variar de uma história a outra. Dependendo da versão, o feiticeiro pode ser representado como um sujeito muito magro e de barba longa, ou então como um cadáver ou esqueleto ambulante. Tais características o tornam aparentado ao Lich, uma espécie de feiticeiro morto-vivo presente no folclore inglês.
Na maior parte das histórias, a alma de Koschei foi abrigada dentro de um ovo de pato, e este apenas pode ser rompido por meio de uma agulha de ouro. Outras variações indicam que o ovo se esconde dentro de um pato escondido dentro de uma lebre, e esta se esconde dentro de uma caixa de ferro.
A mais conhecida lenda a respeito de Koschei fala de sua morte, levada a cabo pelo Tsarevich Ivan, outro herói popular nos contos russos. Nessa história, Ivan encontra uma princesa transformada em sapo, e descobre que o único meio de romper a maldição é matando Koschei. Com ajuda de vários animais, Ivan encontra o esconderijo da alma do feiticeiro, usando a agulha de ouro como flecha. Koschei explode após o ovo ser destruído, e a jovem volta ao normal.
A hipótese mais plausível para a origem da lenda de Koschei aponta para as tribos nômades citadas anteriormente. É possível que algum líder dos povos bárbaros tenha servido de base para o surgimento da lenda, como é o caso de Konchek, líder da tribo dos Kipchaks durante o Século XII. Konchek atacou o Principado de Kiev em 1171, mas foi derrotado pelo Knyaz Sviatoslav III.
Koschei deixaria um legado curioso nas obras de fantasia, tanto na Rússia como fora dela. Em 1820, o escritor russo Alexander Pushkin publicou o poema Ruslan e Ludmila, sobre um Bogatyr que necessita resgatar a filha do Knyaz Vladimir de Kiev (esse homem está fazendo hora extra nesta lista, não é mesmo?) das garras de Koschei. Alexander Pushkin escreveu Ruslan e Ludmila em homenagem às antigas histórias dos Bogatyrs medievais, imitando a linguagem da época.
Na literatura ocidental, podemos ver a influência de Koschei na série Harry Potter: o vilão Lord Voldemort escondeu sua alma em sete lugares diferentes para driblar a morte. Joanne Rowling, autora de Harry Potter, afirmou não ter se inspirado em nenhuma lenda ao conceber Voldemort, mas a semelhança entre “Aquele que Não Deve Ser Nomeado” com o mito russo é inegável.
Outra possível influência de Koschei está no desenho animado Hora de Aventura: o personagem Rei Gelado possui imortalidade decorrente de magia (nesse caso, devido à coroa), gosta de sequestrar princesas para se casar com elas e vive em um reino coberto de gelo. A única diferença é que o Rei Gelado não é malvado, apenas maluco.
8-Yermak Timofeyevich.
O próximo personagem da lista trata-se de um indivíduo que realmente existiu, mas sua vida é envolta em tantos mistérios que ele pode ser considerado uma figura mítica do folclore russo. Outrora um líder cossaco (equivalente russo dos gaúchos no Rio Grande do Sul), Yermak Timofeyevich tornou-se herói pouco tempo depois de sua morte, devido ao seu papel na conquista da Sibéria e na luta contra o Canato (nome dado aos “reinos” dos povos nômades) de Sibir, uma nação muçulmana inimiga da Rússia.
Antes de entrarmos no personagem, devemos fazer um histórico geral sobre a conquista da Sibéria pelos russos. A ocupação da área foi um processo demorado e violento, e os primeiros russos a ocuparem as bordas da Sibéria não foram soldados, e sim companhias de guerreiros independentes financiados por mercadores em nome do Czar. Podemos comparar essa aventura com a colonização das Américas pelos conquistadores espanhóis, ou a expansão dos territórios portugueses pelos bandeirantes.
Yermak Timofeyevich foi um desses aventureiros. Não se sabe a data de nascimento do líder cossaco ou sua real aparência, e todos os retratos possuem natureza duvidosa. Os relatos mais conhecidos afirmam que antes de se tornar líder cossaco, Yermak foi barqueiro, pirata de rio e comandante mercenário durante a Guerra da Livônia (falamos desse conflito e de Ivan o Terrível na lista dos 10 Governantes Tirânicos que dariam Bons Vilões da Literatura), ganhando experiência militar durante esse período.
O que realmente pode ser averiguado na história de Yermak é sua relação com a poderosa família mercante Stroganov, responsável pelo financiamento das companhias de exploradores independentes. Em 1570, os Stroganov deram o passo inicial na expansão sobre a Sibéria, a despeito da contrariedade do governo russo, temeroso de que as ações dos colonizadores poderiam atrair a fúria dos povos da região.
Yermak comandava uma unidade de 840 homens nesse período, sendo que 540 deles eram cossacos de sua companhia, enquanto o restante foi contratado pelos Stroganov; havia russos, alemães, lituanos e até mesmo tártaros no bando. As batalhas contra o Canato de Sibir foram duras; diferentemente das tribos indígenas nas Américas, os povos nômades conheciam cavalos e armas de fogo.
A liderança e coragem de Yermak se mostraram decisivas em diversas ocasiões, junto de sua capacidade diplomática, convencendo tribos locais a se juntarem aos cossacos. A maior vitória de Yermak ocorreu em 1582, nas proximidades da fortaleza tártara de Qashliq, onde 740 homens sob seu comando derrotaram uma força de 3.400 guerreiros de Sibir. Apesar da continuidade das guerras entre russos e tártaros, a derrota em Qashliq feriu de morte o Canato de Sibir, já enfraquecido por disputas internas.
As circunstâncias da morte de Yermak são desconhecidas, e a hipótese considerada mais realista envolve uma emboscada contra o líder cossaco, que tombou defendendo sua vida. Yermak continuou aterrorizando os tártaros mesmo após sua morte, pois seus líderes sofriam de pesadelos constantes, aplacados somente após eles oferecerem um funeral digno ao seu maior inimigo. Relatos espantosos dos tártaros afirmavam que os animais carniceiros não se aproximavam do cadáver, como se o respeitassem.
A morte de Yermak em 1584 marcou o fim da “era dos aventureiros” na exploração da Sibéria, e o início da ocupação permanente da área. Mercadores e camponeses vieram com o objetivo de enriquecerem com o próspero comércio de peles, madeira e âmbar da região. Em 1632, o Império Russo finalmente alcançou o Oceano Pacífico, um feito que séculos atrás seria impensável aos Czares, mais preocupados com a defesa do país do que sua expansão.
Yermak deixou um legado mitológico entre os povos da região, na forma de uma curiosa “caça ao tesouro”: Durante muitos séculos, líderes mongóis e siberianos procuraram por relíquias associadas ao guerreiro cossaco, tais como sua espada, a armadura ou mesmo um estribo utilizado por ele. Acreditava-se que todo homem que possuísse algum objeto de Yermak se tornaria um guerreiro invencível.
9-Kitezh.
Nossa próxima lenda fala de uma cidade mítica, também conhecida como a “Atlântida da Rússia”. A cidade de Kitezh, também chamada Kitej, localizava-se perto do lago Svetloyar, até o dia em que desapareceu misteriosamente de sua margem. Muitos russos acreditam que Kitezh submergiu no lago, e que seus habitantes retornarão à superfície algum dia.
Assim como quase todas as lendas, Kitezh possui um fundo histórico, ou quase isso: Durante o Século XIII, o Knyaz Yuri II do Principado de Vladimir-Suzdal supostamente edificou uma cidade à beira do rio Volga, chamada Maly Kitezh (“Pequena Kitezh”), e mais tarde o monarca procurou um lugar adequado para construir outra cidade similar, a qual ele chamaria Bolshoy Kitezh (“Grande Kitezh”). O lugar escolhido foi a margem do lago Svetloyar.
As cidades irmãs prosperaram durante um longo período, até a chegada dos mongóis às terras da atual Rússia. Os invasores não tiveram dificuldade alguma em capturar Maly Kitezh, e logo partiram para Bolshoy Kitezh, onde os moradores se preparavam para resistir como pudessem, sem esperança de vitória.
Quando tudo parecia perdido, os moradores de Kitezh pediram a Deus para que os salvassem da fúria mongol. Inúmeras fontes d’água surgiram ao redor da localidade, afugentando os invasores, e a cidade lentamente afundou no lago. Em outras versões, Kitezh se desprendeu da borda do lago e transformou-se em uma “jangada” de pedra, com seus moradores se tornando “marinheiros”; nessa versão da lenda, os habitantes de Kitezh vão à margem apenas durante alguns dias do ano.
Muitos rumores sobre a cidade mítica do lago Svetloyar circulam até hoje. É dito que apenas as pessoas puras de coração são capazes de encontrar Kitezh, caso elas seguirem o mesmo trajeto utilizado pelos mongóis durante a invasão. Nos dias mais calmos, os crédulos conseguem ouvir os sinos da igreja de Kitezh, além de lindos cânticos religiosos. Alguns russos afirmam ter visto algumas edificações no fundo do lago, com os habitantes fazendo procissões na praça central.
10-Sobreviventes da Família Romanov.
E terminamos a lista com uma lenda urbana que se enraizou não apenas na psique russa, como também no imaginário mundial. Desde a execução da família real russa pelos revolucionários Bolcheviques, em 17 de Julho de 1918, inúmeras pessoas apresentaram-se como sobreviventes da chacina na Casa Ipatiev, ou como descendentes de quem conseguiu escapar do massacre.
Eu detesto ser o portador de más notícias, mas a verdade é que nenhum membro da Família Romanov executado naquele fatídico dia conseguiu escapar de seu triste destino, e todos os supostos sobreviventes são impostores. Na ocasião foram mortos a tiros o Czar Nicolau II, a Czarina Alexandra Feodorovna, e seus filhos Olga, Maria, Tatiana, Anastasia e Alexei. Outras vítimas foram os serventes da família real: Alexei Trupp (criado), Ivan Kharitonov (cozinheiro-chefe), Anna Demidova (criada) e Eugene Botkin (médico).
Mas e como surgiram as histórias dos supostos sobreviventes? Pode se afirmar que isto foi consequência de uma mistura improvável de desinformação e esperança. Eu não vou explicar toda a Revolução Russa para entendermos o ocorrido, mas farei um apanhado geral das consequências da execução, que resultaram na desinformação por parte dos Bolcheviques e na esperança alimentada pelos Russos Brancos, o lado contrarrevolucionário na contenda que destruiu o decadente império dos Czares.
Não se sabe quem foi o responsável pela ordem de matar os prisioneiros, levada a cabo por Yakov Yurovsky, líder da polícia secreta Bolchevique. Os revolucionários acreditavam que matar a realeza serviria para igualá-la ao povo comum, e esperavam serem vistos como heróis por seu “feito”. Não foi o que ocorreu: Boa parte da população se revoltou com o que consideravam um sacrilégio, e levantes ocorreram em cidades próximas a Ecaterimburgo, onde a Família Romanov foi aprisionada; muitos desses tumultos foram movidos por grupos de esquerda anti-Bolcheviques.
Percebendo a verdadeira besteira que fizeram, os Bolcheviques viram-se obrigados a correr atrás do prejuízo, colocando a culpa pelas mortes na esquerda anti-Bolchevique, nos anarquistas, ou mesmo nos republicanos favoráveis aos Russos Brancos. O desespero para se livrarem da culpa fez os Bolcheviques tolerarem boatos afirmando que os Romanov escaparam do país com ajuda de outros monarcas europeus. Muitos dos envolvidos na execução foram abatidos durante os expurgos movidos por Josef Stalin, eliminando boa parte das testemunhas das execuções na Casa Ipatiev.
Muitos contrarrevolucionários do Exército Branco alimentavam esperanças de que ao menos um dos Romanov desaparecidos se encontrava vivo. Esse otimismo foi alimentado por integrantes da família que não estavam na Rússia durante o aprisionamento, como Maria e Olga Feodorovna, mãe e irmã de Nicolau II, respectivamente. Resgatar o Czar e seus familiares seria um duro golpe moral nos revolucionários, e alguns líderes Brancos almejavam organizar uma monarquia constitucional e colocar um dos filhos de Nicolau II no trono. Essas esperanças solaparam após a derrota dos Brancos na Guerra Civil Russa.
Diversas pessoas se passaram por sobreviventes Romanov, e a mais famosa delas foi Anna Anderson, uma polonesa que afirmava ser Anastasia. O verdadeiro nome da impostora era Franziska Schanzkowska, e seu histórico mostrava diversos problemas mentais associados à identidade. Anna/Franziska morreu em 1984, poucos anos antes da descoberta oficial do lugar onde os restos mortais da família real russa foram ocultados.
O primeiro russo a reencontrar os cadáveres foi um arqueólogo amador chamado Alexander Avdonin, em 1979. Na época, Avdonin encontrou nove caveiras ao redor das ruínas da Casa Ipatiev, com ajuda do cinegrafista Geli Ryabov. Devido ao clima político tenso, os dois escavadores mantiveram silêncio sobre o ocorrido, limitando-se a rezarem pelos mortos e reenterrarem suas descobertas ao lado de ícones religiosos.
Investigações oficiais ocorreriam apenas em 1991, durante o colapso econômico e político da União Soviética, quando a ala comunista mais radical se encontrava fraca demais para resistir ao acerto de contas com o passado. Apenas em 2007 foram encontrados todos os restos mortais, devidamente enterrados na Catedral de São Pedro e São Paulo, onde os Czares são velados desde Pedro I, o Grande. No lugar da Casa Ipatiev, hoje existe uma igreja ortodoxa conhecida como Igreja do Sangue.
Em 1981, os Romanov foram canonizados como Neomártires pela Igreja Ortodoxa Russa, ao lado dos serventes mortos na mesma ocasião. Em 2000, após discussões acirradas no clero russo, os Romanov receberam outro título, o de Portadores da Paíxão; a justificativa foi que eles enfrentaram a morte da mesma forma que Cristo. Nem todos os membros da Igreja Ortodoxa Russa concordaram com a nomeação, pois boa parte do terror da Revolução Russa e do subsequente regime soviético deve-se muito à incompetência de Nicolau II.
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