Bom dia, leitores! Bonjour, lecteurs! Salut, tout le monde! Olá, pessoal! Hoje a postagem foi escrita pelo colunista e escritor colaborador Mateus Bülow. Ele reuniu dez curiosas lendas da França, tendo em vista que ele aborda curiosidades históricas em sua coluna dentro do meu blogue. Como a França é um país frequentemente citado em textos e poemas do blogue, vamos mostrar para os leitores algumas curiosidades desse país. Boa leitura, senhoras e senhoras! Bonne lecture, mesdames et messieurs!
10 Lendas da França.
Olá mais uma vez, amigos, eu não vi vocês se aproximando. A fogueira ainda está acesa, quem tiver carne ou pão de alho está liberado para assar.
Em uma postagem antiga do blog, eu falei das minhas 10 Lendas favoritas do Folclore Brasileiro (o texto sobre as 10 Lendas do Brasil está disponível em um Link no final dessa postagem), indo das criaturas até os heróis e lugares imaginários que se ocultavam no imenso território do nosso país. Hoje falaremos das lendas de um país europeu frequentemente citado neste blog: a França.
Assim como no Brasil, que teve influências de diversas culturas em seu folclore, os franceses também contam com um “caldeirão” de diferentes influências. A França moderna teve sua origem com os gauleses e os francos, povos de linguagem celta e germânica, respectivamente. A primeira linguagem francesa latina surgiu na Idade Média, e teve influência do gaulês e do franco; o mesmo pode ser dito de seu folclore.
As lendas não surgem de forma espontânea, e sua existência demanda séculos de histórias que se misturam e se confundem, até surgirem narrativas variadas com elementos comuns. A França é um país mais antigo em comparação com o Brasil, e a maior parte das lendas se estabeleceu durante a Idade Média, mas algumas delas surgiram durante o Antigo Regime, o período absolutista encerrado com a Revolução Francesa (1789-1799).
Nesta lista nós veremos dez lendas francesas, indo de monstros a heróis, passando por frases célebres, e ainda visitando lugares fantasiosos. Feitas as apresentações, eu convido os amigos a se sentarem ao redor da fogueira, para viajarmos longe na imaginação...
1-Besta de Gévaudan.
Essa fera lendária já foi citada no artigo “10 Criaturas Mitológicas que Existem ou Existiram” do mesmo autor, e decidi trazer mais detalhes acerca do mito, um dos maiores mistérios da França. Até hoje não se sabe a origem da criatura, ou mesmo quantas pessoas foram mortas por ela entre os anos de 1764 e 1767; as estimativas mais altas apontam para 210 ataques, sendo que 113 deles resultaram em mortes.
A região responsável por denominar a fera fica no centro-sul do país europeu, e os relatos sobre a aparência do monstro variavam muito, embora todos apresentassem a Besta de Gévaudan como um grande lobo negro, de corpo esguio e pesado como um boi. Os ataques se tornaram frequentes ao ponto da coroa francesa oferecer recompensas a quem eliminasse a fera; o mérito coube ao caçador Jean Chastel, que utilizou uma bala de prata para matar o monstrengo, após rezar à beira de um riacho.
O mistério da identidade da Besta dura até hoje. Alguns franceses afirmam que tudo não passou de ataques isolados cometidos por inúmeros lobos ou ursos, enquanto outros culpavam Jean Chastel, afirmando que o caçador usou um cão grande ou um lobo treinado para obter a gorda recompensa do rei Luis XV. Na época, houve até quem acusasse Jean Chastel de ser o próprio monstro, identificado como um lobisomem.
A lenda da Besta de Gévaudan foi utilizada no filme francês O Pacto dos Lobos (“Le Pacts des Loups”, no original). Na história, um caçador francês e um guerreiro iroquês (nome de um grupo indígena da América do Norte) unem forças para investigar uma série de assassinatos violentos no sul da França, enredando-se em uma conspiração contra o rei e a Igreja Católica.
2-Graoully.
O folclore europeu é conhecido por muitos dragões e matadores de feras, e na França não seria diferente. O conto do Graoully é uma dessas histórias, possivelmente influenciada pelo mito de São Jorge, com direito a outro santo guerreiro responsável por derrotar a terrível criatura, bem como as serpentes que a acompanhavam.
O Graoully vivia em um antigo anfiteatro romano na cidade de Metz, rodeado de inúmeras serpentes. O veneno acumulado pelas criaturas tornava impossível a qualquer valente se aproximar do esconderijo, até o dia em que São Clemente chegou à cidade. O santo guerreiro domesticou as cobras e o dragão com o sinal da Cruz, ordenando os répteis a saírem da cidade, para nunca mais voltarem.
A cidade de Metz possui um festival em honra ao Graoully e a são Clemente, realizado em 25 de março. Uma grande efígie do Graoully é levada pelas ruas, algo parecido com o festival brasileiro do Bumba meu Boi. Durante a procissão, a “criatura” e os fiéis passam por todas as padarias de Metz, onde os padeiros colocam um pedaço de pão na boca da efígie, e crianças chicoteiam as laterais do monstro, simbolizando a vitória da fé cristã.
3-Jean, o Homem-Urso.
Se existe um lugar no mundo onde o gênero do “belo-horrível” é popular, sem dúvida é a França. A pátria de personagens como a Bela e a Fera, o Corcunda de Notre Dame e o Fantasma da Ópera trouxe ao mundo muitas figuras de aparência intimidadora que revelavam um lado gentil. A mais antiga dessas histórias parece ser um conto medieval conhecido como Jean de l’Ours, ou Jean, o Homem-Urso.
Existem tantas variações da história que nem mesmo a aparência do protagonista possui forma fixa. Jean às vezes é representado como um híbrido de homem e urso; outras versões afirmam que seu apelido deve-se ao excesso de pelos no corpo, ou então à pele de urso utilizada como capa, algo como o Hércules e a pele do Leão de Nemeia. O elemento mais recorrente nas inúmeras versões da história de Jean é a sua arma preferida, um pesado bastão de ferro.
A história mais famosa de Jean não era contada às crianças, e sim entre soldados em campanha, e continuou popular mesmo após o fim da época medieval. Nesta versão, Jean nasceu de um improvável amor entre uma humana e um urso (!), e tornou-se aprendiz de ferreiro, o qual forjou seu bastão de combate.
Em suas andanças, Jean e seus companheiros encontram um castelo assombrado, dominado por um gigante que prendeu três princesas adormecidas vindas da Espanha, em diferentes lugares: Um castelo de aço vigiado por dois tigres; um castelo de prata vigiado por quatro leopardos; finalmente, a última delas repousava em um castelo de ouro, guardado por seis leões do tamanho de elefantes.
Jean consegue derrotar as feras e salvar as garotas adormecidas, mas é abandonado pelos companheiros, desejosos de se casarem eles mesmos com as princesas. Após se agarrar em uma águia gigante, o homem-urso consegue sair de um poço e viaja à Espanha para a desforra; com ajuda da princesa mais velha, Jean revela a tramoia e seus companheiros são enforcados, enquanto o herói se casa com uma das garotas.
Existem tantas histórias desse personagem que alguns historiadores desconfiam se tratar de várias lendas anexadas, pois Jean é um nome comum na França. Outra das histórias mais famosas de Jean Homem-Urso fala de uma viagem à Palestina, onde ele luta contra um demônio montado em um tubarão. Podemos comparar Jean Homem-Urso com as histórias do gênero Espada e Feitiçaria, com seus heróis viajantes enfrentando ameaças mundanas e sobrenaturais.
4-Lou Carcolh.
Ao sudoeste da França se localiza a região da Gasconha, lar de uma das criaturas mais bizarras do continente europeu. O Lou Carcolh é descrito como um híbrido de molusco e réptil, geralmente um caracol gigante misturado com serpente, com uma enorme concha espiralada. Diferentemente dos caracóis de verdade, o Lou Carcolh é carnívoro, e sua bocarra cheia de dentes afiados é circundada por inúmeros tentáculos; o monstro usa esses tentáculos para agarrar suas vítimas.
O Lou Carcolh parece ter surgido de uma amálgama de símbolos cristãos primitivos; os caracóis e as lesmas eram vistos como animais malignos por rastejarem sobre as barrigas, assim como as cobras. Uma visão comum nos pergaminhos medievais envolvia valentes cavaleiros enfrentando caracóis gigantes; até hoje os historiadores quebram a cabeça para desvendar o significado dessas imagens, possivelmente uma metáfora sobre a cansativa luta contra as tentações mundanas e a preguiça.
A palavra Carcolh é utilizada como um apelido para a cidade de Hastingues, localizada na Gasconha. O nome foi dado em referência ao formato arredondado da colina onde se encontra a cidade, parecido com a concha de um grande caracol. Os homens de Hastingues costumam falar “Le Carcolh t’attrapera!” (“O Carcolh vai pegar você!”), quando se interessam pelas moças vindas de outras regiões da França.
5-Matagot.
Ainda no sul da França, encontramos um espírito animal responsável por assombrar as casas e fazendas. O Matagot pode ter muitas formas, geralmente um gato ou um rato negro, às vezes possuem forma de cães e raposas, ou até animais grandes, como vacas e cavalos. Essas criaturas geralmente são malévolas, mas podem ser úteis aos donos de fazendas, se forem bem tratadas; os matagots apreciam galinhas bem gordinhas, e oferecem moedas de ouro em troca das aves.
A etimologia de “Matagot” parece ter vindo da língua espanhola, nesse caso do termo “mata godos”. Os godos compunham uma das inúmeras tribos germânicas a se espalharem pelo oeste, e ocuparam a Península Ibérica e o sul da França no início da Idade Média, antes da chegada dos islâmicos à região. O termo “godo” também foi usado como sinônimo de “cristão” no passado, dessa forma, o Matagot é um espírito maligno matador de cristãos.
Os Matagots apareceram em algumas obras de ficção, como é o caso da série literária Cainsville, da autora canadense Kelley Armstrong. Outro exemplo recente da aparição desses monstros ocorreu no filme “Os Crimes de Grindewald”, segunda parte da série “Animais Fantásticos e Onde Vivem” (nesse blog existe uma análise da primeira parte, escrita pelo mesmo autor). Os Matagots nesse filme são representados como gatos negros enormes.
6-Roland.
Um dos maiores conjuntos de literatura medieval foi a Matéria de França, também conhecida como Ciclo Carolíngio. Este conjunto conta as aventuras do rei dos Francos, Carlos Magno, e seus Doze Pares da França, os mais valorosos cavaleiros de seu exército. O mais famoso desses cavaleiros é Roland, comandante de uma guarnição ao noroeste do Império Carolíngio e protagonista de muitas obras escritas após sua morte, na Batalha de Roncevaux. Pouco se sabe sobre a vida do Roland real, e a falta de informações deu lugar às lendas.
A primeira obra sobre esse cavaleiro foi uma canção de gesta chamada “La Chanson de Roland”. Esse poema fala de uma guerra entre mouros e cristãos na fronteira atual entre a Espanha e a França; Roland aqui é retratado como sobrinho de Carlos Magno, e seu principal inimigo é o rei Marsílio dos Mouros. Apesar de Roland tombar em batalha no meio do poema, Carlos Magno segue com sua guerra contra os mouros, vingando seu valente sobrinho ao capturar a capital dos adversários.
Roland foi um personagem tão popular que outras obras surgiram sobre ele, escritas por diferentes autores. A primeira delas foi Orlando Innamorato, de Matteo Maria Boiardo, retratando as aventuras de Roland no resgate da princesa Angélica das mãos do rei Agrican, enquanto os muçulmanos se preparam para invadir o sul da França. Muitos heróis surgem de ambos os lados, como o islamita Ruggiero, a mulher-soldado Bradamante e o duque Naimon. O poema termina abruptamente com o autor afirmando que não pode seguir adiante, devido à invasão da Itália pelos franceses.
O poema de Matteo Maria Boiardo seria finalizado por Ludovico Ariosto, autor de Orlando Furioso. Em comparação com a obra que serviu de inspiração, o poema-continuação é bem humorado e fantasioso, apresentando criaturas bizarras, uma viagem à lua e inúmeras situações cômicas. É digno de nota que o poema Orlando Furioso foi a primeira obra de fantasia a utilizar a palavra Orc, embora esta denominasse um monstro marinho, e não os bichos feiosos que associamos ao Senhor dos Anéis.
A figura de Roland se tornaria popular em países vizinhos à França, como é o caso da Alemanha. Quase toda cidade alemã durante a época medieval possuía uma estátua do herói na praça onde ocorriam as feiras livres, como símbolo da autonomia regional no Sacro Império Romano-Germânico. Roland deixou sua marca até mesmo no Brasil, no município paranaense de Rolândia, fundado em 1934; boa parte dos fundadores de Rolândia fugiu do regime nazista, e nessa cidade também existe uma estátua do herói em uma de suas praças, simbolizando a liberdade.
7-Genevieve de Brabant.
Essa lenda medieval surgiu na França, apesar da região histórica descrita no título da protagonista se localizar entre a Bélgica e a Holanda. Genevieve era esposa de um palatinado (equivalente de um oficial de justiça nos tempos medievais) chamado Siegfried de Trieves; a donzela foi acusada de infidelidade às vésperas do nascimento do primeiro filho, o que na época se punia com a morte, porém o carrasco não tem coragem de usar seu machado contra Genevieve, e ela se esconde em uma caverna na floresta.
Após descobrir que a acusação de infidelidade foi uma armação, Siegfried parte em busca de sua mulher, desesperado e arrependido. Por seis anos o palatinado procurou por Genevieve, até o dia em que ele alcançou a floresta das Ardenas, na fronteira da França com a Bélgica; durante uma perseguição a um veado, Siegfried encontrou a caverna onde sua esposa se abrigou durante todo esse tempo, cuidando do filho de ambos.
É possível que essa história tenha origem em um caso real de acusação de adultério, porém com final trágico: em 1256, o duque da Bavária Luís II executou sua mulher, Maria de Brabant, sob uma acusação de adultério. Algumas histórias afirmam que o mal-entendido ocorreu porque Maria de Brabant escreveu duas cartas distintas durante a ausência do esposo, e o mensageiro se enganou ao fazer as entregas. Luís II buscou aliviar a culpa construindo a Abadia de Fürstenfeld.
8-Tarasque.
Voltando ao sul da França, visitamos a província de Provença, ao sudeste. Na cidade de Tarascon encontramos outra criatura horrorosa submetida por um santo católico, neste caso uma mulher. O Tarasque ou Tarasca foi um monstro terrível, que apenas foi domesticado quando Santa Marta passou pela região.
Em comparação com diversas criaturas mitológicas, a aparência do Tarasque é bem específica em sua descrição: O monstro possui corpo de boi, casco de tartaruga, seis pernas de urso, cabeça de leão e uma cauda de escorpião. O passatempo preferido da besta envolvia se esconder no rio para saltar sobre qualquer viajante incauto, soltando baforadas flamejantes em suas vítimas.
Muitos cavaleiros morreram lutando contra o Tarasque, e nada parecia capaz de vencer a fera. Isso até o dia em que Santa Marta apareceu na cidade, então chamada Nerluc; o Tarasque ficou manso diante do sinal da Cruz, e a jovem o trouxe à povoação, para mostrar que o perigo acabou. Ainda aterrorizados, os moradores mataram o monstro; sentindo-se arrependidos, os habitantes decidiram renomear sua cidade como Tarascon.
Assim como o Graoully, o Tarasque foi honrado com um festival, e este ocorre no último domingo do mês de junho. Uma efígie do monstro é transportada pela cidade, e as pessoas dançam ao redor dela, cantando para “acalmar” a criatura. O Tarasque também deixou seu legado na cultura popular, como ocorre no jogo de RPG de mesa Dungeons & Dragons; um dos monstros mais perigosos do jogo se chama Tarrasque.
9-“Depois de Nós, o Dilúvio”.
Essa história se encaixa mais no contexto das lendas urbanas, porém tornou-se tão popular que pode ser considerada parte da mitologia francesa. A frase original é “Aprés Nous, le Déluge” dita em 1757, pelo rei francês Luís XV, ou então por sua amante mais conhecida, Madame de Pompadour. Como veremos logo em seguida, essa não foi a única frase mitológica francesa, e nem seria a última lenda em torno de Luís XV.
Alguns historiadores associam o “Dilúvio” com a situação do Reino da França na época, assolado por uma grave crise econômica da qual o governo absolutista não sabia como lidar de forma adequada, e pela qual o rei se culpava. Considera-se que Luís XV teria previsto o furacão da Revolução Francesa, responsável pela queda da monarquia, bem como pela morte de seu herdeiro, Luis XVI.
O contexto da frase é bem diferente: na verdade, Luis XV falava a respeito à derrota das forças austríacas e francesas diante do exército da Prússia na decisiva Batalha de Rossbach, durante a Guerra dos Sete Anos. O combate durou menos de noventa minutos, e o resultado foi tão humilhante que um clima de pessimismo dominou a corte francesa. Pouco tempo após a Batalha de Rossbach, Luís XV sofreu uma tentativa de assassinato, o que contribuiu para seu humor se tornar mais seco do que o habitual.
Em comparação com seu pai, Luís XIV, apelidado como o “Rei Sol”, Luís XV não era afeito ao exibicionismo, e ressentia-se dos aduladores da corte, contornando frustrações com tiradas amargas e humor negro. Outras histórias afirmam que o rei soltou sua frase mais famosa ao saber que um cometa passaria perto da terra; o surgimento dos cometas era associado às piores catástrofes, como dilúvios e pragas.
Outra lenda bizarra envolvendo Luís XV afirmava que ele ordenou Madame de Pompadour a sequestrar garotas para construir seu harém particular. Essa história circulava em panfletos pelas cidades da França, mas hoje se sabe que o rei não ordenou o sequestro de nenhuma garota; as moças que apareciam com regularidade em suas cabanas de caça foram “colegas de profissão” de Madame de Pompadour. Pode se afirmar que o monarca francês foi vítima de “Fake News”.
Existem outras frases famosas na história da França, ao lado de “Depois de Nós, o Dilúvio”. A mais conhecida delas talvez seja “Se não tem Pão, que comam Brioches”, atribuída à rainha Maria Antonieta, porém nunca comprovada. Outra frase erroneamente associada a um nativo da França coube ao general Charles de Gaulle, que teria dito “O Brasil não é um País Sério”, durante as disputas pelo mar territorial, ocorridas entre 1961 e 1963; assim como os casos anteriores, não existem provas de sua existência.
10-Ys.
A última lenda dessa lista fala de uma cidade naufragada na costa norte da França. A maior parte das histórias envolvendo a cidade perdida de Ys aponta sua localização na baía de Douarnenez, na península da Bretanha (não confundir com a ilha da Grã-Bretanha). Assim como outras histórias aqui apresentadas, a lenda de Ys possui muitas variações no enredo, mas também carrega elementos comuns nessas versões diferenciadas.
A cidade de Ys foi construída em um terreno outrora submerso com a ajuda de poderosos diques, sob o comando de Gradlon, o rei-fundador da localidade. Ys servia como a base de um grande império, dotado da maior força naval do mundo; Gradlon liderava a frota pessoalmente, arrematando inúmeras conquistas no mar.
Em uma de suas viagens, Gradlon se apaixonou por uma feiticeira de longos cabelos vermelhos, chamada Malgven. Não demorou até o casal ter uma filha, que receberia o nome de Dahut, dotada de longos cabelos loiros; em algumas versões da história, Malgven morreu após o parto, enquanto em outras versões da lenda ela voltou de onde surgiu, pois as feiticeiras e os humanos não poderiam ficar juntos.
Dahut governava Ys durante as campanhas militares de seu pai, para a tristeza da população. Enquanto seu pai era um homem sério, devoto e trabalhador, o mesmo não podia ser dito da princesa, conhecida por suas peripécias noturnas e comportamento inadequado, arrumando inúmeros amantes ao mesmo tempo e voltando bêbada ao palácio, após as noites de baixarias.
Indiferente ao comportamento da filha, e acreditando que um dia ela se tornaria uma boa moça, Gradlon deixou as chaves dos diques da cidade nas mãos de Dahut, e este singelo gesto de confiança entre pai e filha selou o destino da cidade. Após uma bebedeira pesada, a princesa levou um de seus amantes ao portão da cidade, sem perceber que havia destrancado um dos diques.
O mar inundou Ys, e apenas Gradlon e Dahut escaparam da destruição, montados em um cavalo capaz de cavalgar sobre as ondas. Entretanto, o animal começou a afundar devido ao peso dos pecados de Dahut, e uma voz misteriosa ordenou Gradlon a soltar sua filha, caso contrário afundaria junto dela; com pesar no coração, o rei cumpriu a ordem, e Dahut sumiu nas ondas, tornando-se uma sereia. Gradlon virou um eremita e morreu pouco tempo depois, instalando-se onde hoje fica a cidade de Quimper, também na Bretanha.
A lenda da cidade perdida de Ys é tão popular na região da Bretanha que muitos marinheiros e pescadores afirmam ter visto as ruínas das torres mais altas na maré baixa, entre os rochedos encravados no meio do mar. Algumas lendas profetizam que Ys retornaria à superfície, e quando isto ocorresse, o primeiro homem a ver a torre da igreja mais alta se tornaria o novo rei da cidade.
Um poema da Bretanha afirma que “quando Paris afundar na terra, Ys ressurgirá das águas”. É possível que esta lenda carregue influência do separatismo na Bretanha em relação à França, explicando a destruição da capital do país europeu; ou então se trata de uma referência ao lema de Paris: “Fluctuat nec mergitur”, que significa “Atingida pelas Ondas, porém nunca naufragada”.
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