Olá, pessoal! Tendo em vista o dia dos namorados, hoje a postagem será a respeito de dez casais lendários. Em cada canto do globo (tanto no oriente quando no ocidente), lendas românticas são firmadas e passadas de geração em geração. Muitas delas são bem mais do que histórias românticas e servem para explicar a origem da civilização, de costumes e até mesmo de certos pontos geográficos (como a lenda dos vulcões perto da Cidade do México -- adoro esta lenda e a forma como ela explica sobre o surgimento dos montes, pois é interessante perceber que certos montes realmente lembram as curvas do corpo feminino...).
Como uma pessoa apaixonada por lendas, mitos e arquétipos, fico encantada em adquirir cultura com tais histórias. Além do mais, tais mitos podem inspirar escritores para a criação de novas lendas, histórias e contos fantásticos.
Nesse contexto, apresento a lista de dez casais lendários escrita pelo meu amigo escritor Mateus Ernani Heinzmann Bulow, que tem vasto conhecimento histórico e literário acerca das lendas. Espero que gostem! Comentem abaixo sobre os casais lendários favoritos de vocês, leitores.
*Observação: Dentre os dez casais da lista, meus cinco casais lendários favoritos são: Tainacã e Deinaquê, Popocatépetl e Iztaccíhuatl, Enkidu e Shamhat,Tristão e Isolda e Odisseu e Penélope. Também gosto dos personagens de Sigurd e Brinhilde embora não esteja entre as minhas lendas favoritas pela forma como este conto termina...
Confesso que a lenda brasileira de Tainacã e Deinaquê foi a que eu mais gostei (sem querer bancar a patriota, mas realmente achei a lenda brasileira a mais bonita). A revelação de um jovem e belo índio por trás de um velho feio me remete à transformação da Fera em príncipe no conto de fadas "A Bela e a Fera". Além do mais, a moça bondosa que aceitou o senhor feio sem subestimá-lo foi recompensada junto com seu povo, assim como Bela obteve boas recompensas por escolher a virtude. Dá para fazer várias analogias entre essa história e outras lendas e contos míticos. Até com os arquétipos místicos podemos fazer uma ligação, pois um velho curvado de cabelos brancos lembra muito o Eremita do Tarô...
Pode parecer uma tremenda "viagem" qualquer comparação entre mitos, mas as analogias entre os arquétipos são as maiores riquezas que podemos aplicar em nossa criatividade, especialmente quando ela lida com o mundo dos símbolos. Vá além da interpretação ao "pé da letra" e tente ver os significados simbólicos de cada lenda. ;) Boa leitura!
Ah, e não se espantem se alguns mitos parecerem dramáticos demais hehehe, toda história de amor tem a sua dose de "sofrência" e as lendas contam com boa dose de hipérboles (figuras do pensamento responsáveis por exagerar as ideias enquanto recurso estilístico). Certamente, vocês ficarão mais cultos após a leitura desta postagem e conhecerão mais a respeito das lendas de cada canto do globo (confesso que eu somente conhecia Tristão e Isolda e Odisseu e Penélope antes da leitura do texto do Mateus).
10 Casais da Mitologia.
Quando junho se aproxima, duas
imagens surgem na cabeça: festas juninas e dia dos namorados. Não é preciso
dizer qual delas faz mais sucesso com as mulheres, não é mesmo? Pensando nesse
feriado próximo, decidi fazer uma lista envolvendo casais, porém estava
indeciso sobre fazer uma lista sobre casais históricos e/ou da realeza...
Então outra ideia apareceu: que tal uma lista sobre
casais da mitologia? Exemplos de lendas românticas não faltam em todos os
cantos do globo, muitas delas com finais felizes, tristes ou apenas
melancólicos. Geralmente as lendas mais conhecidas envolvem algum herói
lendário e sua esposa, cujo papel na lenda pode ser o de uma donzela em perigo
ou mesmo de uma personagem ativa, responsável por mudar o protagonista
masculino, tornando-o mais civilizado ou oferecendo-lhe coragem para seguir em
frente.
A presente lista conta as histórias de alguns casais,
e como de costume, decidi pegar uma história por mitologia, a fim de tornar a lista
mais diversa. Nessa jornada veremos deuses e humanos ignorando suas diferenças,
e unindo-se com base na afeição e no amor. Vale lembrar ainda que várias lendas
possuem inúmeras variações, então peguei apenas algumas delas, vez ou outra
citando diferenças relevantes. Sem mais delongas, em frente!
1-Enkidu e Shamhat.
Nossa primeira história trata
de uma lenda da antiga Mesopotâmia e também de um trecho do Épico de Gilgamesh,
o rei lendário da Suméria. Enkidu era um homem selvagem e peludo que vivia nas
florestas ao redor de Uruk, a capital da Suméria, e Gilgamesh ficou obcecado em
derrotar esse estranho sujeito, após ouvir alguns caçadores comentando que ele
talvez fosse mais forte que o monarca. Para chamar a atenção de seu rival,
Gilgamesh convocou Shamhat, uma sacerdotisa do templo de Ishtar, a deusa da
criação.
Shamhat foi até a floresta e atraiu Enkidu ao tocar
uma harpa. A música atraiu Enkidu, que nunca havia escutado nada igual, porém
Shamhat se apaixonou pelo homem selvagem, e ambos passaram duas semanas na
floresta, conhecendo um ao outro e fazendo amor (diferentemente do
cristianismo, não havia celibato na religião suméria). Como resultado do
contato de Enkidu com a civilização por intermédio de Shamhat, os animais
passaram a evitá-lo, restando a ele seguir sua amada até Uruk.
Enkidu soube das intenções de
Gilgamesh e decidiu derrotá-lo em combate, muito para a preocupação da
sacerdotisa. Shamhat teceu uma roupa para Enkidu, a fim de deixá-lo menos
estranho para os moradores de Uruk, e desafiou o rei, em um combate que acabou
empatado. Gilgamesh e Enkidu se tornaram grandes amigos e aliados em diversas
aventuras após o duelo, pois ambos descobriram muitas semelhanças entre eles,
como a disposição para lutar até o fim. Essa persistência seria o triunfo deles
ao enfrentarem o monstro Humbaba.
É possível que o mito de Enkidu e Shamhat seja uma
metáfora do surgimento da civilização humana, e de como os homens se
“civilizaram” graças às mulheres. De certa forma, o mito do selvagem trazido ao
mundo urbano continua firme e forte na cultura moderna, como provam as
histórias do Tarzan, do Mogli e a Bela e a Fera.
2-Rama e Sita.
Seguindo com a lista, vamos
até a Índia, analisar uma lenda local que deu origem a um dos grandes épicos
hindus, o Ramayana. Rama era príncipe de Ayodhya, um dos pequenos reinos do
norte da Índia, e Sita era filha do rei Janaka e da rainha Suanaina, líderes do
reino Videha. O futuro casal se conheceu em um torneio envolvendo vários reinos
da região, e tiveram de se refugiar nas florestas ao sul após uma intriga
palaciana, ao lado de Lakshmana, irmão de Rama.
Em uma de suas andanças pelo sul, Sita fica fascinada
com um veado de pelo todo dourado, e Rama decide capturá-lo, ao lado do irmão.
Aproveitando-se da distração dos irmãos, um mendigo aparece na cabana para pedir
comida, chamando atenção da princesa exilada. Para seu azar, o forasteiro era o
rei demônio Ravana, governante de Lanka (atual Sri Lanka), desejoso de raptá-la
para se casar com ela. Um abutre chamado Jatayu tentou impedir o sequestro e
acabou com uma asa decepada por Ravana, porém conseguiu avisar Rama e Lakshmana
sobre o ocorrido.
Para resgatar Sita da ilha dos
demônios, um verdadeiro exército foi organizado por Rama, e o melhor aliado
nessa empreitada foi Hanuman, o rei dos macacos das montanhas. O exército símio
teve de construir uma ponte até a ilha, usando pedras mágicas que flutuavam, e
algumas sereias tentaram sabotar as obras. Hanuman decidiu negociar com a líder
das sereias, chamada Suvanamaccha, explicando todo o ocorrido, e ela ordenou
suas subordinadas a deixarem as obras seguirem. Em algumas versões do Ramayana,
Hanuman e Suvanamaccha se casam e concebem um filho chamado Macchanu.
O combate levaria muitos dias e terminaria com um
duelo entre Rama e Ravana, onde o príncipe exilado saiu vencedor, após cortar
dez vezes a cabeça do rei demônio (eita!). Sita e Rama retornariam a Ayodhya, e
tiveram dois gêmeos chamados Luv e Kush; estes príncipes fundariam as cidades
de Lahore e Kasur, respectivamente. A presença de muitos lugares reais no
Ramayana suscita suspeita de que esta história, apesar de tratar de uma idade
mítica, possua base em várias histórias reais ocorridas na região.
3-Sigurd e Brinhilde.
Nossa próxima história trata
de outro poema épico, chamado Nibelungenlied, ou “A Canção dos Nibelungos”,
escrito em 1200 e baseado em muitas figuras da mitologia nórdica e germânica.
Sigurd (também chamado Siegfried) é filho do rei Sigmundo, e em uma de suas
aventuras ele derrota o dragão Fafnir, descrito como um anão que virou um
monstro, devido à ganância exagerada. O guerreiro se banha com o sangue do
monstro, a fim de se tornar invulnerável, porém um pequeno ponto em seu ombro
não se molhou, por causa de uma folha caída sobre ele.
Sigurd decide partir em busca de mais aventuras, e
acaba topando com uma torre perdida em uma floresta, com um grande muro de fogo
em seu centro. Graças à sua invulnerabilidade, Sigurd consegue atravessar as
chamas e encontra uma Valquíria adormecida dentro dele. Ela desperta e se
apresenta ao herói como Brinhilde, explicando que havia sido presa ali por
desrespeitar Odin e desejar ser uma humana (alguém percebeu que a história de
Brinhilde parece misturar a Bela Adormecida com a Pequena Sereia?), e apenas
despertaria se um herói passasse pelas chamas sem se machucar.
Sigurd e Brinhilde seguem até
a Burgúndia, um reino do sul da atual França, esperando encontrarem uma corte
amistosa; no entanto, Kremilde, uma das princesas burgúndias, também gosta de Sigurd,
deixando o clima tenso. Nesse meio tempo, Hagen, um guerreiro burgúndio, decide
matar Sigurd, após descobrir que o mesmo ainda possuía consigo o tesouro de
Fafnir. Após descobrir o ponto fraco de Sigurd, Hagen o atinge com uma lança
envenenada no ombro, enquanto o herói bebia água de um regato durante uma
caçada.
Uma pira funerária é preparada para Sigurd, e ao
descobrir a morte desonrosa de seu amado, Brinhilde enlouquece e se atira ao
fogo, para queimar junto a ele. Kremilde prepara sua própria vingança contra
Hagen, prendendo-o e torturando-o para que revelasse onde estava o tesouro de
Fafnir, e o poema acaba com a morte de Kremilde e Hagen, ao tocarem o tesouro
amaldiçoado.
4-Tristão e Isolda.
Continuando na Europa
Medieval, trazemos a história de Tristão, um cavaleiro do Reino da Cornualha
(uma região da Inglaterra) e Isolda, uma princesa irlandesa. Essa lenda faz
parte do chamado Ciclo Arturiano, sobre o Rei Artur e seus cavaleiros, e é
considerada uma das primeiras expressões do amor romântico na literatura
ocidental, possivelmente dando origem ao Trovadorismo.
A história desse casal medieval começa com Tristão
derrotando o cavaleiro Morholt em um duelo, ganhando o direito de cumprir uma
missão para seu tio, o rei Marcos da Cornualha. Essa missão seria trazer Isolda
para se casar com Marcos, porém um estranho imprevisto acontece no meio da
jornada de volta: o cavaleiro e a princesa decidem descansar no caminho, e
bebem a água de uma fonte estranha, à beira da floresta. Essa fonte era mágica,
e produzia um poderoso elixir do amor, fazendo ambos se apaixonarem
perdidamente.
Tudo parecia ocorrer bem, até Tristão ser atingido
por uma flecha envenenada durante outra guerra, e ele poderia ser tratado
apenas por Isolda da Irlanda, conhecida por sua habilidade com ervas. Quando
soube da morte do cavaleiro, a rainha desmaiou e também morreu logo em seguida,
para a tristeza de Marcos, que perdeu uma esposa e um sobrinho com a tragédia.
O rei da Cornualha ordenou que ambos fossem
enterrados em uma capela, ao lado um do outro, e pouco tempo depois uma vinha
surgiu em um espaço entre os túmulos, crescendo sobre ambos. Marcos tentou
cortar a planta, porém desistiu ao perceber que ela sempre retornava ao seu
lugar, como um sinal de que ambos se reencontraram no além.
5-Niulang e Zhinü.
A próxima história nos levará
à longínqua China, e também nos revelará as origens de um festival celebrado na
região, denominado Qixi. A história de Niulang e Zhinü também é conhecida no
ocidente como “O Vaqueiro e a Tecelã”, e está relacionada com duas estrelas
consideradas sagradas pelos chineses, chamadas Vega e Altair.
Zhinü é filha da deusa celestial Xiwangmu, e
encarregada de tecer nuvens. Após mais um dia de muito trabalho, ela decide
descer à terra em busca de diversão, e lá ela encontra um homem rude cuidando
do gado. O sujeito se apresenta como Niulang, e Zhinü continua visitando-o por
vários dias, muito para o desgosto da deusa celestial, ao perceber que sua
filha anda relapsa com as tarefas.
As estrelas Vega e Altair representam Zhinü e
Niulang, respectivamente. Mas a influência astronômica nesse mito vai muito
além: o enorme rio que separa os amantes é representado pela Via Láctea,
enquanto a “ponte” responsável por uni-los é a estrela Deneb, também chamada Alfa
Cigni. É dito ainda que as chuvas pesadas ocorridas após esse evento são as
lágrimas dos amantes, mais uma vez separados.
6-Susanowo e Kushinadahime.
Ainda no oriente, passaremos agora
pelo Japão, em busca de outra história que uniu céu e terra, porém agora temos
um deus se unindo a uma humana. Susanowo, o irrequieto deus dos raios e trovões,
vivia de pregar peças e brincadeiras em outros deuses, incluindo sua irmã
Amaterasu, a deusa solar e líder do panteão. Como castigo, ele acaba jogado na
terra, perdendo todos os seus poderes.
Como seria de se esperar, Susanowo estava enfurecido
e disposto a se vingar, porém sua atenção é desviada ao ver um casal idoso
chorando em uma casa à beira da estrada. Eles lhe explicam que sete de suas
filhas já haviam sido devoradas por um dragão de oito cabeças chamado Yamata no
Orochi, e agora o monstro esfomeado estava de olhos na única filha restante,
Kushinadahime. Susanowo, que até então conhecia apenas o desejo de destruir o
que estivesse em seu caminho, pela primeira vez sentiu vontade de proteger
algo.
Sabendo que seria difícil
enfrentar Yamata no Orochi sem seus poderes, Susanowo bolou um plano curioso:
ele foi até o esconderijo do monstro disfarçado de criado, trazendo oito
enormes barris de saquê. Ao questionar o sentido da intromissão em sua caverna,
Orochi fez a terra tremer, porém o “criado” respondeu que antes de se alimentar,
seria bom molhar a garganta antes... O dragão enfiou todas as cabeças nos
barris, e logo ficou bêbado, permitindo Susanowo matar o monstro enquanto este
dormia.
A vitória de Susanowo foi saudada com grande alegria
no reino onde Kushinadahime vivia, e o herói descobriu que ela era a princesa
da região. Os deuses logo se surpreenderam ao descobrir que o deus encrenqueiro
havia se corrigido, e devolveram seus poderes. Como havia se casado com
Susanowo, Kushinadahime se tornaria deusa da colheita de arroz, e o pai da
princesa se tornaria guardião do templo que o deus do trovão havia construído
para ela.
7-Tainacã e Denaquê.
O casal brasileiro nessa lista
faz parte de um mito da tribo Carajá, e é descrito em um trecho do livro
Macunaíma, de Mário de Andrade. Segundo essa lenda, existiu um tempo em que os
Carajás não sabiam cultivar a terra, e viviam apenas da caça e da coleta de
frutos. Na aldeia havia duas irmãs: Imaerô, a mais velha, e Denaquê, a mais
nova. Uma noite, ao olharem o céu, Imaerô se admirou da estrela d’alva, também
chamada Tainacã. Seu pai explicou que Tainacã vez ou outra descia dos céus, e
apenas quem desejava com muita vontade poderia encontrar ele.
Em uma noite, Tainacã apareceu diante da maloca onde
viviam as duas irmãs, porém Imaerô se decepcionou ao descobrir que a estrela
assumia a forma de um velho curvado de cabelos brancos, e o repeliu na mesma
hora. Ao perceber Tainacã chorando baixinho, Denaquê ficou penalizada e se
ofereceu para casar com ele. Após a cerimônia de casamento, Tainacã disse à sua
jovem noiva que precisava se afastar da aldeia por alguns dias, a fim de fazer
uma lavoura, algo que os Carajás nunca viram até então.
Passaram-se muitos dias, e
Denaquê estava cada vez mais preocupada com a demora de Tainacã. Após se cansar
de esperar, a moça seguiu pela floresta, até encontrar uma bonita maloca,
rodeada de mandioca, milho, amendoim, batata doce, abóbora e muitas outras
plantas desconhecidas de sua tribo. O responsável por essa formidável plantação
era um índio moço, alto e forte.
- Você viu um senhor passar? – Denaquê perguntou ao
índio – Ele é meu marido, e está demorando a voltar para a aldeia. Tomara que não
tenha acontecido nada ruim...
- Eu sou Tainacã – respondeu o belo jovem – E não sou
velho. Fiz isso para pôr à prova a moça que tanto queria casar comigo. Fiquei
feliz porque, mesmo achando que eu fosse um velho feio, você me aceitou. Para
recompensar sua bondade, dou de presente ao seu povo estas culturas. Agora
vamos voltar para a aldeia e contar tudo aos outros.
Quando o casal retornou à aldeia, o espanto foi
geral. Imaerô desmaiou ao descobrir que havia sido tola ao desprezar Tainacã
por sua aparência, e se transformou em um urutau, uma ave noturna solitária,
conhecida por seu pio lúgubre, cuja intensidade aumenta ao ver as estrelas
brilhando nos céus.
Depois de ter vivido feliz com Denaquê muito anos e
ter ensinado aos Carajás a cultivar o milho, a mandioca e tantas coisas
saborosas, Tainacã voltou ao céu para continuar a brilhar eternamente, e levou Denaquê
ao seu lado. Por isso brilha no céu, sempre junto da estrela d’alva, uma
estrela singela e de brilho esmaecido.
8-Popocatépetl e Iztaccíhuatl.
Ainda tratando da mitologia
indígena das Américas, vamos até o México, a terra dos astecas. Todos sabemos
que um amor intenso é um fogo poderoso, mas e o que dizer quando os apaixonados
são dois vulcões? Pois essa é triste a história dois amantes que provavelmente
possuem os nomes mais complicados nessa lista: Popocatépetl (“Montanha da
Fumaça”) e Iztaccíhuatl (“Mulher Branca”).
Iztaccíhuatl era uma princesa tepaneca (um dos povos
que viviam no vale central do México, antes da chegada dos astecas), e
Popocatépetl era um dos guerreiros a serviço de seu pai, o severo Tezozomoc.
Apesar de Popocatépetl ser um dos mais valentes soldados a serviço do monarca,
este o desprezava por não possuir sangue nobre, e por saber do relacionamento
de sua filha com ele. Como forma de manter Popocatépetl longe de sua filha,
Tezozomoc o mandava para brigar nas fronteiras com outras tribos e reinos
rivais, esperando que em uma dessas guerras ele finalmente morresse.
Ao perceber que o guerreiro
parecia imortal, o rei tepaneca o mandou para um reino distante no oriente, no
atual estado americano de Oaxaca, e mentiu para a sua filha que ele havia caído
em batalha. Para o espanto de todos, Iztaccíhuatl desmaiou e morreu logo em
seguida, gerando uma comoção imensa entre todos. Popocatépetl mais uma vez
retornou vitorioso, porém a vitória de nada lhe serviu, ao descobrir o destino
de sua amada. Ele tomou seu corpo e a levou até um vulcão extinto que havia por
perto do reino, e se retirou para outra montanha logo ao lado, para nunca mais
ser visto.
Os montes com os nomes dos personagens estão bem próximos
um do outro, quase ao lado da Cidade do México, com algumas diferenças físicas
interessantes: enquanto o Iztaccíhuatl não solta fumaça, o Popocatépetl nunca
para de fazer fumaça. Ambos os vulcões, entretanto, possuem atividade sísmica
intensa, e é dito que de certo ângulo a silhueta do Iztaccíhuatl parece uma
mulher deitada.
Em uma das versões da lenda, Popocatépetl possui um
rival chamado Xinantécatl, e foi ele o responsável pela mentira de que o
guerreiro havia caído em batalha. Nessa versão, a princesa também morre ao
ouvir a notícia, e ao descobrir o responsável pela morte de sua amada,
Popocatépetl se enfurece e corta a cabeça do rival. Xinantécatl também acaba
transformado em um vulcão, também chamado de Nevado de Toluca pelos mexicanos,
porém com o cerro achatado pela falta da cabeça.
9-São Jorge e Sabra.
Voltando à era medieval e
entrando mais fundo no imaginário cristão, encontramos a lenda de São Jorge, o caçador
de dragões. Jorge era um soldado romano nascido na Capadócia, uma região da
atual Turquia, conhecido por sua coragem, porém visto com desconfiança entre
seus companheiros por ser cristão. Outras versões o transformaram em um
cavaleiro medieval nascido em um dos reinos que compunham a atual Inglaterra.
De qualquer forma, a presença do dragão e da princesa Sabra é o único elemento
recorrente da lenda.
Em uma de suas andanças pelo norte da África, Jorge
fez uma parada na cidade de Lasia, na atual Líbia, e viu uma procissão com
várias pessoas tristes e desesperadas, cercando uma linda mulher vestida de
branco, parecendo uma noiva. O guerreiro pergunta a uma das mulheres o que
estava acontecendo, e descobre que um dragão obrigou a cidade a entregar seus
rebanhos, e quando estes terminaram, passou a exigir sacrifícios humanos. A
garota a ser sacrificada era Sabra, a única filha do rei Sylen.
Jorge se oferece para eliminar
a ameaça, e parte ao lado de Sabra até a caverna do monstro. O combate foi terrível,
mas o guerreiro conseguiu surrar o bicho até deixá-lo manso, e amarrou sua
cinta no pescoço do dragão, com Sabra levando-o como se conduzisse um cachorro
pela coleira. As pessoas não acreditaram no que viam, e Jorge decapitou o
dragão com um golpe de espada, na frente de todos.
Apesar da vitória espetacular, o rei de Lasia não
quer ver sua filha casada com um cristão, e manda Jorge para uma missão na
Pérsia, esperando que ele morresse por lá (pelo visto, muitos reis lendários
gostam de usar desse estratagema para se livrar de pretendentes das suas
filhas...). Jorge não apenas sobrevive, como retorna e convence mais pessoas de
Lasia a se tornarem cristãs, incluindo Sabra. Enfurecido, Sylen expulsa a
princesa da cidade, e o casal decide ir para a Inglaterra, onde passa o resto
de seus dias.
Existem algumas variações curiosas na lenda de Sabra
e São Jorge: em diversas versões da lenda, o nome da princesa não é falado,
enquanto em outras variações ela possui o curioso nome de Cleodolinda. Existem
ainda versões onde Sabra possui apenas quatorze anos de idade (idade
considerada propícia para o casamento durante a Idade Média), e outras contando
as aventuras dos filhos de Jorge com a princesa. Um dos filhos deles seria Guy
de Warwick, um herói lendário inglês.
10-Odisseu e Penélope.
E terminamos a lista passando
pela mitologia grega, falando de um casal que é exemplo de fidelidade para todo
o mundo. Odisseu, também chamado Ulisses em algumas versões da Ilíada e da
Odisseia, é o rei de Ítaca, e partiu rumo à guerra de Tróia, ao lado de outros
reis da Grécia. Durante sua ausência, Penélope ficou encarregada de governar
Ítaca, esperando o retorno de seu marido durante vinte anos.
Nesse meio tempo, nada menos que 108 pretendentes
apareceram no palácio de Ítaca, a fim de tomar o lugar do rei desaparecido.
Para manter essa turba sob algum controle, Penélope afirmou que apenas
escolheria um deles quando terminasse de tecer a mortalha de Odisseu, a fim de
realizar um funeral simbólico para ele. O que os pretendentes não sabiam,
entretanto, era que todas as noites Penélope desfazia parte da costura,
estendendo a duração do trabalho. Esse estratagema funcionou bem, até um dos
pretendentes descobrir a tramoia, mas Penélope teve sorte, pois Odisseu havia
enfim retornado.
Disfarçado como um mendigo,
Odisseu apareceu no palácio desafiando todos os presentes para uma disputa de
arco e flecha: o vencedor seria aquele que conseguisse trespassar sua flecha
nos buracos de doze machados (fazer furos largos em armas era uma técnica
antiga para deixá-las mais leves). Todos riram daquele mendigo esfarrapado, e o
duelo seguiu nesse ritmo, sem ninguém conseguir passar de onze lâminas, porém
quando o estranho mendigo conseguiu atravessar todas elas, ninguém mais estava
rindo...
Após vencer o desafio, Odisseu e seu filho Telêmaco
mataram boa parte dos pretendentes, enquanto o restante fugiu apavorado, para
nunca mais retornar. Penélope, entretanto, não estava convencida de que aquele
homem era Odisseu, mas permitiu que ele repousasse na cama de seu marido desaparecido,
em agradecimento por livrá-la dos pretendentes. A rainha de Ítaca disse que
moveria a cama para outro recinto do palácio, porém o mendigo disse que isto
seria impossível, pois uma das vigas que a sustentava era uma oliveira pequena.
Penélope o abraçou enquanto chorava de alegria, pois apenas Odisseu sabia dessa
oliveira na cama.
O mito de Odisseu e Penélope não é apenas uma bonita
história de um casal buscando se reencontrar, como também é uma rara história
de um casal fiel até o fim na mitologia grega, cheia de heróis e deuses que não
conseguem conter seus impulsos sexuais. Outro exemplo de fidelidade na
mitologia grega foi o relacionamento de Hades e Perséfone: apesar do começo
bruto, com o deus dos mortos sequestrando a filha da deusa Deméter, ele se
manteve fiel a ela, enquanto recepcionavam os falecidos em seus domínios. É
dito ainda que Perséfone deixou o mundo dos mortos menos triste com sua
presença, ao amolecer o coração escuro de Hades.
Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bulow.
O autor da postagem é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor, poeta e autor do Livro "Taquarê -- Entre a Selva e o Mar." Em Santa Maria/RS, o Livro do autor está disponível para compra em: Athena, CESMA e CAPOSM.
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