Olá, pessoal! Hoje eu trago mais um texto do meu querido amigo escritor Mateus Ernani Heinzmann Bulow. Trata-se de uma lista de 10 Governantes Tirânicos que poderiam muito bem ser vilões da literatura. Se você duvida do nível de megalomania, loucura e maldade dos vilões representados na Ficção, é bom refletir sobre seus conceitos e mudar as suas perspectivas.
Sempre fui apaixonada por História e Literatura, pois sempre tive inclinação às letras e às ciências humanas. Por vezes, a História e a Literatura se cruzam, revelando personagens bem realistas e pessoas históricas caricatas e curiosas. Como o próprio escritor gaúcho Mateus Bulow costuma dizer, a História pode ser tão fantástica quanto a ficção.
Talvez você critique o maniqueísmo dos contos de fadas que sempre apresentam a luta do bem e do mal e, por esse motivo, defenda a complexidade dos personagens. Reconheço que quase nenhum ser humano é totalmente bom ou mal, pois somos criaturas duais e complicadas... Também admito que os personagens mais interessantes da literatura são os mais complexos, ou seja, aqueles que apresentam um misto de virtudes e defeitos, já que isso gera identificação no leitor e deixa o conto mais realista e natural. Não obstante, gosto de arquétipos clássicos (o bom e valente moço x o vilão tenebroso) e não deixo de usar bons clichês em minha escrita.
Critiquem os clichês como quiserem, mas eles sempre serão excelentes fontes de reflexão. Gosto de escrever sobre vilões megalomaníacos, egocêntricos e isentos de bom senso. Em meus contos de ficção, há sempre um "Lorde das Trevas" lutando contra um personagem virtuoso e bondoso hehehe. O mais curioso é que realmente existiram vários "lordes das trevas" na vida real, comprovando que eles não são meros clichês da fantasia infelizmente.
Confira o texto abaixo e tire as suas próprias conclusões sobre esses líderes históricos que parecem vilões de Contos de Fantasia. Prepare-se para fazer uma longa (e perigosa) viagem histórica. Aperte o cinto, querido leitor, e embarque nesse texto do escritor Mateus! Boa viagem! Ops, boa leitura!
10 Governantes tirânicos que poderiam ser vilões da literatura.
Uma das figuras mais comuns da literatura fantástica
é o chamado “lorde das trevas”, um governante (geralmente rei ou imperador)
tirânico de uma nação militarista e expansionista, muitas vezes dotado de
poderes sobrenaturais terríveis e destrutivos, e uma ausência abismal de qualidades
positivas. Um “lorde das trevas” é capaz de exterminar cidades inteiras para
testar armas novas, matar subordinados por motivos fúteis, e atacar o herói
onde ele é mais frágil, ferindo as pessoas que ele ama.
De certa forma, um “lorde das trevas” funciona como
um elemento de enredo em diversas histórias, tornando-se com frequência um
personagem “vazio” e estereotipado, um simples obstáculo aos heróis, criado com
o intuito de mover a história. No entanto, essa figura arrepiante, assim como
diversos personagens e elementos do enredo, possui correspondentes reais que
lhe serviram de inspiração. Para o azar da humanidade, líderes tiranos e
brutais sempre existiram, e continuam existindo até hoje.
A presente lista conta com alguns desses tiranos
históricos, cujos atos poderiam ser considerados obras de um escritor criativo
ao inventar vilões. Para deixar a lista mais diversa e interessante, defini
algumas regras, como deixar de fora ditadores do século XX, que são mais
conhecidos do público em geral, e colocar um tirano por nação ou reino. Vale
lembrar que a história geralmente é contada pelo lado vencedor, então todos os
integrantes dessa lista sofreram ao menos uma derrota militar contra outras
nações ou reinos, tornando-os ainda mais aparentados aos “lordes das trevas” da
ficção.
Com todas as regras estabelecidas, uma mensagem final
ao leitor corajoso o bastante para se aventurar por essas histórias: veja essa
coletânea de tiranos como um lembrete de que hoje vivemos em um mundo melhor,
em comparação com o passado. Se hoje temos a democracia como um valor forte,
bem como o respeito à vida humana e à liberdade individual, foi porque homens
valentes ajudaram a fazer esse mundo, muitas vezes derrubando tiranos. Sem mais
delongas, em frente!
1-Di Xin.
Nosso primeiro integrante da
lista foi um monarca chinês que viveu entre 1105 até 1046 AC, e foi o último
governante da dinastia Shang, a segunda dinastia chinesa e sucessora da
dinastia Xia. Nessa época ainda não existia o conceito de “China” propriamente
dito, e sim um amontoado de reinos rivais; o reino de Shang era o mais forte
entre todos eles, mas toda essa força se esvaiu com a chegada de Di Xin ao
poder.
O início do reinado de Di Xin não foi ruim para os
chineses, e sua personalidade enérgica o fazia trabalhador e determinado. O
último rei de Shang também era conhecido por ser muito forte, capaz de
estrangular um javali apenas com as mãos. No entanto, na metade de seu reinado,
Di Xin se entregou de vez à bebida, às orgias e à depravação, em parte devido à
influência de sua mulher, Daji. Relatos falam de uma piscina cheia de vinho,
criada para saciar o vício de Di Xin, e de um método “criativo” de punição aos
funcionários do palácio, onde eles eram obrigados a abraçar um pilar de ferro
em brasa (eita!).
A queda da dinastia Shang
ocorreria com uma invasão vinda do norte, comandada pelo rei Wu de Chou,
considerado até hoje um dos maiores heróis da história da China. Após seus exércitos
sofrerem repetidas derrotas, Di Xin trancafiou-se no palácio real e ateou fogo
ao edifício, morrendo no incêndio. A dinastia Chou seria o poder dominante na
China central entre 1046 a 256 AC, tornando-se a casa real de hegemonia mais
longa sobre a região, até um império chinês unificado surgir com a dinastia
Qin.
Várias lendas sobre Di Xin circulam até hoje na
China. Uma das mais curiosas afirma que o rei se tornou um tirano após entrar
em um templo da deusa celestial Nüwa e fazer comentários lascivos a respeito da
beleza de uma estátua dela. Enfurecida com a falta de respeito por parte de Di
Xin, Nüwa mandou uma de suas ninfas para enfeitiçá-lo, e essa ninfa era ninguém
menos que Daji.
2-Nabonido.
O segundo integrante dessa
lista também foi o último governante de um reino decadente, nesse caso o Segundo
Império Babilônico. Nabonido assumiu o poder mediante um golpe de estado contra
o rei Labashi-Marduk, e diferentemente dos seus antecessores, ele não era
caldeu (etnia dominante na Babilônia), mas um assírio, o que apenas contribuiu
para acender a antipatia de seus súditos. Os babilônios logo arranjariam mais
motivos para odiarem Nabonido: o novo rei desprezava o culto a Marduk, o
principal deus do panteão babilônico, em detrimento de Nanna, o deus da lua.
Ao invés de se ocupar com o governo, Nabonido passava
mais tempo viajando pelo interior, em busca de artefatos antigos; de certa
forma, alguns historiadores descrevem tais viagens como “as primeiras
expedições arqueológicas da história”. Essa viagem levaria dez anos, e nesse meio
tempo a população sofria com o aumento dos impostos e a capital sob o comando
de Belsazar, um filho de Nabonido conhecido por sua crueldade contra os judeus.
Enquanto a Babilônia declinava
rapidamente, um vizinho próximo tornava-se cada vez mais poderoso: a Pérsia sob
o reinado de Ciro, o Grande, invadiria a Babilônia em 539 AC, e relatos contam
que a própria população, cansada de seu rei, abriu o portão principal da
capital para permitir a entrada dos persas. A invasão de Ciro contou até com a
ajuda de guerreiros judeus exilados, desejosos de recuperarem seu reino.
Belsazar morreu na última batalha, mas não se sabe o
destino final de Nabonido, se foi exilado ou assassinado, ou mesmo se continuou
no governo da Babilônia como uma província do Império Persa, o que era uma
prática comum na época para evitar revoltas. Dada a enorme impopularidade de
Nabonido, é difícil acreditar que o mesmo tenha voltado a governar a Babilônia,
mesmo se fosse como um vassalo...
O último rei da Babilônia sem dúvida é uma figura
controvertida, em parte porque as fontes primárias de sua existência vieram de
seus inimigos persas e hebreus. Diversas histórias ainda falam que Nabonido
acreditava ser um bode, e era visto pastando ao lado do palácio, porém tal
história carece de veracidade. Tal história provavelmente foi baseada em outro
monarca louco da Babilônia, chamado Nabucodonosor, famoso por destruir o templo
de Jerusalém e ser castigado com a loucura, vivendo no meio das montanhas feito
um animal selvagem.
3-Jamuka.
Saindo das areias do Oriente
Médio, e passando pelas estepes da Mongólia, veremos agora um líder que cumpre
não apenas com o papel de “lorde das trevas”, como também o clichê do “melhor
amigo que viria inimigo mortal”. Jamuka era um integrante da tribo Jadaran, uma
das inúmeras tribos que compunham a Mongólia medieval, e conheceu Temujin, o
futuro Genghis Khan, durante a infância. Embora Jamuka pertencesse a um clã de
criadores de cavalos e Temujin fosse membro de uma tribo de pastores, os dois
meninos eram grandes companheiros, e fizeram um pacto de sangue, tornando-se
irmãos.
Uma das primeiras batalhas a envolver os dois amigos
ocorreria quando Temujin teve sua noiva, Bortei, sequestrada por uma tribo chamada
Merkita. Jamuka se juntou ao irmão adotivo no resgate, porém esta seria a
última vez em que ambos lutariam lado a lado, pois a refrega desnudou uma
rivalidade forte entre eles. Temujin também se ressentia de ser tratado como um
“irmão mais novo” por Jamuka, devido ao passado de pastor, considerado um
ofício menos nobre em comparação com a criação de cavalos.
Durante anos Temujin e Jamuka
não se falaram, porém ambos se ocuparam de forjar alianças entre tribos
amigáveis, cientes de que a guerra seria inevitável. Após uma emboscada, Jamuka
derrotou diversos aliados de Temujin, e os executou de maneira “criativa”:
jogando-os em caldeirões gigantes, para serem cozidos vivos. O que deveria
servir para aterrorizar os aliados de seu rival apenas serviu para mais tribos
se aliarem a Temujin, horrorizados diante da possibilidade de tal tirano
unificar a Mongólia (convenhamos: se você conseguiu horrorizar os mongóis,
acostumados a saquear e matar, você realmente pegou pesado...).
Nessa luta pelo poder havia muito mais do que apenas
uma rivalidade entre irmãos de sangue: enquanto Jamuka defendia a manutenção do
sistema de linhagens aristocráticas, Temujin adotou um sistema de meritocracia,
onde os lados de sangue possuíam um papel menor, e permitia a ascensão de gente
mais humilde ao comando dos exércitos. Com isso, Temujin conseguiu arregimentar
um número maior de guerreiros, enquanto Jamuka se recusava a deixar pastores
lutarem em seu exército.
A última luta pela unificação mongol ocorreu em 1206,
após Jamuka ser traído por seus próprios soldados; Temujin, entretanto, viu
aquilo como um ato de deslealdade, e ordenou que os traidores também fossem
executados. Apesar de receber uma proposta para governar ao lado de seu irmão
de criação, Jamuka declinou, afirmando que “não é possível haver mais de um sol
no céu”. Após ser executado, Jamuka foi enterrado com um cinturão dado a
Temujin durante a infância.
4-Sumanguru.
O quarto integrante desta
lista poderia estar de fora por tecnicamente já ocupar o papel de vilão de uma
obra literária. Sumanguru, também chamado de Sumaoro Kante, é o antagonista do
Épico de Sundiata, um poema que conta a história do príncipe que derrotaria um
terrível rei feiticeiro e criaria o Império Mali. Pouco se sabe sobre a vida de
Sumanguru fora do Épico de Sundiata, exceto sua ambição em reunificar todos os
reinos e tribos que compunham o antigo Império Gana (não confundir com a nação
do mesmo nome).
O reino governado por Sumanguru se chamava Kaniaga,
habitado por um povo chamado Sosso, e uma de suas conquistas foi o pequeno
reino do Mali, cuja família real havia fugido para o sul. Diferentemente dos
outros reinos da região, o povo Sosso não era da etnia Mandinka, e isto pode
ter contribuído para a visão negativa de sua hegemonia na região, especialmente
após a captura de Koumbi Saleh uma antiga capital de Gana.
Sumanguru é descrito no Épico
de Sundiata como um monarca extremamente cruel, que mantinha as cabeças de nove
reis derrotados em seu trono e usava sandálias feitas de pele humana (brrrr...).
Parte de seu poder devia-se a um balafon (um instrumento musical típico da
região, parecido com um xilofone) mágico, e este seria roubado por um fiel
seguidor de Sundiata, um griot (contador de histórias) chamado Balla Fasséké.
Na cultura do Mali, os griots possuíam grande estima entre a população, por
registrarem os fatos do passado.
Foram necessários muitos anos até Sundiata derrotar
Sumanguru, além de uma aliança de doze tribos e reinos menores, que compartilhavam
o ódio ao rei de Kaniaga. O príncipe do Mali descobriu com ajuda de Balla
Fasséké que o único modo de vencer Sumanguru seria com uma flecha cuja ponta
fosse feita com um esporão de galo, e durante a decisiva batalha de Kirina,
Sundiata acertou o braço do rei feiticeiro, removendo sua magia e obrigando-o a
fugir para as montanhas, para nunca mais ser visto.
Embora diversos aspectos históricos do Épico de
Sundiata sejam duvidosos, é certo que a supremacia de Sumanguru sobre a região
foi desastrosa para a população Mandinka. O rei de Sosso tentou governar a
região como um império unificado, reprimindo revoltas em vários lugares.
Sundiata evitou esse erro ao estabelecer o Império Mali em uma federação de
doze reinos e tribos, onde cada entidade mandava um representante para a capital
do país, seguindo um arranjo parecido com os congressos modernos.
5-Cristiano II da Dinamarca.
Saindo das savanas africanas e
partindo rumo ao gélido norte da Europa, encontramos uma região inteira em
convulsão: no início do século XVI, os reinos da Noruega, Suécia e Dinamarca
estavam sob a autoridade um único monarca, em um arranjo conhecido como a União
de Kalmar. No entanto, os suecos se ressentiam da hegemonia dinamarquesa, e os
entusiastas da autonomia regional ganhavam voz entre os aristocratas, além de
angariar simpatia entre o povo mais simples. Cristiano II assumiu o trono da Dinamarca
sob essas conjunturas.
Disposto a eliminar o mal pela raiz, o monarca atraiu
diversos nobres suecos para um palácio em Estocolmo, sob o pretexto de
“discutir amigavelmente” a autonomia. A reunião, como seria de se esperar, não
resultou em um acordo, mas Cristiano obteve os nomes dos aristocratas
envolvidos com a causa independentista, e no dia seguinte, soldados
dinamarqueses atacaram a cidade, matando todos os líderes suecos em seu caminho,
bem como alguns desafortunados bispos e cidadãos comuns. Um nobre chamado
Gustav Vasa, conseguiu escapar; Gustav tinha motivos pessoais para enfrentar os
dinamarqueses, pois seu pai foi uma das vítimas desse expurgo brutal.
A guerra de independência da
Suécia se estenderia de 1521 a 1523, e foi recheada de momentos pitorescos,
dignos de um bom livro de aventuras. Gustav costumava viajar disfarçado de
camponês pelo interior, ajudando pessoas em sua lida diária e ganhando sua
simpatia, aumentando seu exército. A guerra terminaria com a captura de
Estocolmo, seguida de um golpe na Dinamarca, onde Cristiano II foi derrubado
por seu próprio tio. Gustav assumiria o trono da Suécia, sendo considerado o
“pai da pátria” naquele país.
Apesar de sua brutalidade ao lidar com os rebeldes
suecos, Cristiano II possuía uma mentalidade progressiva para sua época. Assim
como seu rival Gustav, o último monarca da União de Kalmar possuía grande
estima pelos cidadãos comuns, chegando a proibir a servidão em algumas regiões
da Dinamarca, e ainda se apaixonou pela filha de um comerciante. Quando essa
moça morreu, suspeitas de envenenamento circulavam pelo palácio, e um nobre
chamado Torben Oxe foi acusado de envenená-la. Apesar do julgamento da corte
ser favorável ao acusado, Cristiano II ordenou sua execução, e este ato
arbitrário levaria à sua derrubada e exílio alguns anos mais tarde.
6-Ivan IV da Rússia.
Ainda no norte da Europa, porém se deslocando mais ao
leste, chegaremos à Rússia do século XVI, chamada de Moscóvia por seus
habitantes. Ali viveu um czar, cujo apelido era Grozny, e essa palavra pode ser
traduzida tanto como “Terrível” ou “Formidável”. Ivan perdeu ambos os pais
durante a infância, e com isso o governo do país ficou nas mãos dos nobres,
chamados boiardos. Apesar de sua linhagem nobre, Ivan passou dificuldades nessa
época, e viu de perto a violência da política russa, com boiardos e até mesmo
monges ortodoxos armando intrigas e assassinatos.
Quando ascendeu ao trono de seu país, Ivan não perdeu
tempo e retomou a expansão iniciada por seu avô, Ivan III, aumentando o
território da Moscóvia rumo ao leste e passando sobre os reinos tártaros
muçulmanos da região. Apesar de seus sucessos contra os tártaros no leste e os
turcos ao sul, Ivan sofreria seu primeiro revés militar ao oeste, ao tentar
liberar uma saída para o Mar Báltico, em uma região chamada Livônia.
A invasão russa foi repelida a duras penas e com a
união de suecos, poloneses, dinamarqueses, e até de uma ordem de cavaleiros
alemães estabelecida na região, e os exércitos sob o comando de Ivan IV
cometeram inúmeras atrocidades contra os habitantes locais. Muitos nobres
aproveitaram a guerra para fugirem de Ivan e seu reinado cada vez mais
arbitrário e cruel, unindo forças com os países rivais.
A guerra da Livônia terminaria
de forma abrupta, após quase trinta anos, com os exércitos russos obrigados a
recuarem para repelir uma nova invasão turca, e depois dessa luta infrutífera,
os russos apenas expandiram seu território rumo à Sibéria. Nesse meio tempo, a
saúde mental de Ivan IV declinou muito, e o czar começou a ver conspiradores
por todos os lados. Seus acessos de fúria não poupavam ninguém, fossem
boiardos, monges ou plebeus, e sobrou até mesmo para um de seus filhos, morto
com bengaladas na cabeça, durante uma discussão acirrada.
Ivan IV era conhecido também por seu patrocínio às
artes, à música e à religião, vendo a si próprio como um protetor infalível da
fé Ortodoxa. Sua devoção era sincera, porém exagerada: o czar desenvolveu um
calo na testa, devido ao número de vezes em que bateu com a cabeça no chão, em
penitência. De certa forma, Ivan IV poderia ser comparado a Frollo, o vilão do
Corcunda de Notre Dame, com a diferença que comandava um país inteiro.
A morte de Ivan IV trouxe uma disputa dinástica pelo
trono da Moscóvia conhecida como o “Tempo das Dificuldades”, cujo fim apenas
ocorreria com a chegada de Mikhail Romanov ao trono. Apesar de seu governo ter
sido uma sucessão de violências, Ivan IV já era popular entre a população mais
humilde da Rússia logo após sua morte. Ironicamente, uma das razões para sua
fama estava justamente em não fazer diferenças entre classes sociais ao liberar
sua fúria...
7-Nanda Bayin.
Deixando o gélido hemisfério
norte, e descendo até as selvas do Sudeste Asiático, encontramos um vasto
império à beira da desintegração, bem como um ambicioso herdeiro, determinado a
manter as conquistas de seu pai. Nanda Bayin era o filho mais velho do rei
Bayinnaung da Birmânia (atual Myanmar), e desde a juventude estava envolvido
com diversas tarefas na retaguarda do exército imperial. Sua determinação e
disciplina o permitiram subir nos rankings com relativa rapidez, e no final do
reinado de Bayinnaung, Nanda comandava pessoalmente os exércitos birmaneses.
Quando assumiu o trono do Império Birmanês, Nanda
comandava a segunda mais poderosa nação da Ásia, atrás apenas da China. No
entanto, esse vasto território, contendo inúmeras etnias e línguas, era mantido
mais por lealdade ao rei do que às instituições, e o governante sucessor
precisava obter a lealdade dos seus vassalos mostrando-se digno se ser
considerado herdeiro do soberano anterior, fosse pela concessão de benefícios,
fosse pela imposição da força. Nanda Bayin decidiu tomar o caminho das armas, a
fim de responder com rapidez às revoltas que começavam a se formar nas bordas
do império.
Ao menos inicialmente, Nanda
Bayin foi capaz de conter as rebeliões de súditos chineses e birmaneses
desejosos de escolherem outro rei. A situação se inverteu quando o Sião (atual
Tailândia) se rebelou. O príncipe Naresuan declarou a independência de sua
nação em 1584, e Nanda reagiu com cinco invasões ao Sião, todas fracassadas. O
sucesso da defesa siamesa serviria para motivar outras regiões a se rebelarem
contra o governo cada vez mais despótico de Nanda, cuja fúria agora não poupava
ninguém, nem mesmo os generais de grau mais elevado.
Não demorou até os siameses invadirem a fronteira da
Birmânia, em resposta aos anos de humilhação sob o domínio dos rivais. Naresuan
não conseguiu dominar a capital, mas seus exércitos impingiram duras derrotas
aos birmaneses, e asseguraram a independência do Sião; não à toa, Naresuan é um
dos reis mais populares da Tailândia, até hoje. Nanda Bayin foi exilado, e mais
tarde assassinado por um nobre chamado Natshinnaung. Apesar dos anos de guerra,
a Birmânia se recuperou com relativa rapidez após sua morte, em parte porque os
reis sucessores deixaram o Sião em paz, focando seus esforços em defender as
fronteiras.
Nanda Bayin não era um rei incompetente, mas sua
obsessão em manter intacto o imenso império criado por seu pai acabaria por ser
sua ruína. De certa forma, o rei birmanês poderia ser comparado a um vilão
trágico, cuja crueldade ao lidar com inúmeras rebeliões pavimentou o caminho à
ruína.
Observação: Não são conhecidas
muitas imagens de Nanda Bayin, e a imagem abaixo do título faz parte de uma
série de filmes tailandeses sobre o rei Naresuan. Nessa série, Nanda usa uma
máscara branca para esconder o rosto, ferido em um duelo.
8-Fernando VII da Espanha.
Assim como Nanda Bayin,
Fernando VII era o herdeiro um império imenso, e seu dever era mantê-lo
intacto. No entanto, enquanto Nanda ao menos se esforçou para manter a
hegemonia birmanesa, Fernando VII não era o homem mais indicado para o serviço,
e até hoje ele é conhecido como “El Rey Felón” (“O Rei Criminoso”) entre os
espanhóis, além de ser o monarca mais odiado da história da Espanha.
A personalidade maliciosa do futuro rei da Espanha já
se mostrava evidente na adolescência, ao tentar conspirar contra um ministro e
seu próprio pai, o rei Carlos IV. Apesar de ser dotado de uma inteligência
acima da média, Fernando não era propriamente um intelectual, e preferia
diversões simples, como touradas e duelos de viola. Seu apreço por diversões
mundanas o fazia popular entre os espanhóis mais humildes, tanto que durante a
dominação napoleônica sobre a Espanha, o futuro rei era chamado de “El Deseado”
(“O Desejado”) pelos seus súditos.
Fernando VII viu duas guerras de independência
devastarem o vasto Império Espanhol: uma delas na própria Espanha, contra os
exércitos napoleônicos, e outra ocorrendo nas colônias americanas, desejosas de
obterem sua independência. Ao assumir o trono, Fernando imediatamente restaurou
o absolutismo, e promoveu uma perseguição acirrada aos liberais e à imprensa, o
que apenas serviu para motivar os coloniais a lutarem com mais empenho pela
independência total. Muitos heróis da guerra contra Napoleão viram esse gesto
do rei como uma traição imperdoável.
Em 1820, o “Rey Felón” foi obrigado a jurar uma nova
constituição, sob pena de arcar com mais rebeliões no interior da Espanha. Essa
constituição durou três anos, até outra restauração absolutista ocorrer, com
intervenção francesa, e os últimos dez anos do reinado de Fernando VII são
conhecidos como “La Década Ominosa” (“A Década Abominável”). Nesse meio tempo,
todas as colônias espanholas nas Américas obtiveram sua plena independência,
com exceção de Cuba, felizes por estarem longe do domínio absolutista espanhol.
No final de seu reinado, Fernando VII conseguiu outra
oportunidade única de arruinar ainda mais a Espanha, ao violar a lei tradicional
de sucessão ao trono e estabelecer sua filha mais velha como rainha, que
assumiu com o nome de Isabel II. Seu filho mais velho, Don Carlos, não
aceitaria isso de bom grado, e em três ocasiões ele tentou tomar o trono para
si, movendo as chamadas “Guerras Carlistas”. A Espanha passaria quase todo o
século XIX em guerra, fossem elas civis ou externas.
9-Napoleão III.
Um antigo ditado sobre a
história afirma que a ordem dos acontecimentos costuma se repetir com
frequência, começando como tragédia e voltando como farsa. Esse ditado é notável
no curioso caso de Charles-Louis Napóleon Bonaparte, primeiro presidente da
Segunda República Francesa, bem como o único imperador do Segundo Império
Francês. O título de “segundo” foi uma constante em sua vida, pois ao tentar
superar seu tio, Napoleão I, tudo o que o último monarca da França conseguiu
foi construir uma sombra pálida de seu legado. Não à toa, o escritor Victor
Hugo, um de seus principais críticos, o chamava de “Napóleon, le Petit”
(“Napoleão, o Pequeno”).
A história desse “Napoleão menor” começa com a queda
de outro monarca francês em 1848, Louis-Philippe I, o último membro da família
Bourbon a governar o país. A república foi instaurada mais uma vez, e uma
eleição foi realizada às pressas, com Charles-Louis Napóleon levando nada menos
que 74% dos votos. Em 1851, ele deu um autogolpe, reinstaurando o Império, e
uma era de perseguição e censura tomou a França, até 1861; a repressão aos
opositores e críticos foi relaxada, e esse período, que duraria até 1871, ficou
conhecido como o “Império Liberal”.
Apesar da rigidez de seu
governo, Napoleão III fez avanços consideráveis em seu país, na forma de telégrafos,
ferrovias, indústrias, bem como uma extensa mudança no código civil francês,
pela primeira vez permitindo às mulheres usufruírem de direitos e deveres
restritos aos homens. Paris, a capital da França, passou por uma reformulação
radical, com ruas mais amplas e sistemas de esgoto, e a corte de Napoleão III
era uma das mais luxuosas da Europa, durante o século XIX.
Enquanto não estava ocupado com o governo da França,
Napoleão III procurava por uma princesa digna de lhe dar um herdeiro, e mesmo
após se casar com uma duquesa espanhola chamada Eugenia de Montijo, ele
continuou com suas aventuras amorosas. A fama de mulherengo o acompanhava desde
a adolescência, bem como a de apreciador do luxo, deixando-o parecido com um
vilão aristocrático de alguma novela do século XIX.
A política externa do Segundo Império Francês foi
agressiva, em um reflexo da personalidade de Napoleão III. Sob seu reinado, a
França participou da unificação italiana, derrotou os russos na Guerra da
Criméia, e aumentou os territórios coloniais na África e na Ásia. Seu primeiro
revés, entretanto, ocorreu ao invadir o México: sua tentativa de impor um
arquiduque austríaco chamado Maximiliano como imperador do México resultou em
uma reação sem precedentes, e os mal armados e desorganizados mexicanos
conseguiram repelir os franceses, que na época talvez tivessem o mais poderoso
exército do mundo. Maximiliano foi fuzilado, e Benito Juarez retornou ao
governo do México.
A década de 1860 marcou o declínio do Segundo Império
Francês, bem como a saúde cada vez pior de Napoleão III; seus problemas de
saúde eram escondidos do público, pois ele temia ser obrigado a renunciar, caso
estes se tornassem públicos. A derrota na guerra contra a Prússia foi o último
prego no caixão do Segundo Império Francês, e Napoleão III foi exilado após a
proclamação da Terceira República Francesa. Seu legado na França atual é
ambíguo, pois muitas inovações ocorridas durante seu governo efetivamente
melhoraram a vida dos franceses mais humildes, porém é inegável que muito se
perdeu devido às suas aventuras militares no exterior.
10-Francisco Solano López.
Terminaremos nossa lista com
um tirano conhecido pelos brasileiros, e talvez a ameaça externa mais terrível
já enfrentada pelo Brasil. Assim como Napoleão III, Francisco Solano López
almejava imitar seu grande ídolo Napoleão, com resultados desastrosos, cujas
consequências ecoam até hoje. O terceiro presidente paraguaio era filho de
Carlos Antônio López, o segundo presidente; apesar de ser uma “república”, o
Paraguai era dominado pela família López como se fosse um pequeno reino
encravado no centro da América do Sul.
Solano herdaria o poder após convencer seu moribundo
pai a não ceder o governo para seu irmão, já revelando sua personalidade
maquiavélica. Após uma viagem à Europa, Solano se impressionou com o poder
militar da França e da Prússia, e decidiu transformar o Paraguai em algo
parecido, importando técnicos e engenheiros para construir fortes, navios e
canhões. O exército aumentou para 70.000 homens, e apesar dos paraguaios não
estarem melhor armados que seus vizinhos argentinos e brasileiros, eles
contavam com uma devoção absurda a López, chamado de “Carai Guazú” (“Grande
Líder”).
Solano López herdou o poder de
seu pai, bem como a tendência a engordar, porém não herdou sua paciência e
cautela. Diferentemente de Carlos Antônio, Solano era paranoico, megalomaníaco
e violento, além de racista: seu ódio aos brasileiros era alimentado tanto pela
grande quantidade de negros no país vizinho, bem como pela supremacia política
deles no continente. Quando o Brasil invadiu o Uruguai em 1865, López capturou
um navio brasileiro e aproveitou para invadir a província do Mato Grosso; suas
tropas aterrorizaram a região, lutando contra guarnições pequenas e afastadas
das cidades mais importantes.
O primeiro revés para os paraguaios ocorreu na batalha
do Riachuelo, quando sua força naval foi destruída pela marinha do Brasil. Nos
anos subsequentes, uma combinação de modernização militar, estratégias
cautelosas e erros de Solano López inverteram o pêndulo da guerra em favor do
Império do Brasil, cujas tropas formavam o grosso da Tríplice Aliança (Brasil,
Argentina e Uruguai). A cada nova derrota, a paranoia de Solano López piorava,
e sua fúria não poupou nem mesmo seu irmão e sua mãe; relatos contam que as
viúvas paraguaias que perderam seus maridos na guerra eram proibidas de
chorarem em público.
Mesmo com a queda de Assunção, a capital do Paraguai,
e o estabelecimento de um novo governo paraguaio, Solano López continuou
resistindo ao norte, até cair na batalha de Cerro Corá. Não foi difícil para os
militares brasileiros identificarem o tirano em fuga, pois ele era o único
gordo entre os paraguaios, cercado de soldados emagrecidos pelos anos de
privação. O soldado responsável pelo golpe fatal foi um lanceiro gaúcho chamado
Francisco Lacerda, apelidado de “Chico Diabo”, e seu feito deu origem a uma
quadrinha popular na época: “O Cabo Chico Diabo/ Do Diabo, Chico deu cabo”.
Apesar de seus feitos abomináveis, Francisco Solano
López é visto como um herói no Paraguai, e também por parte da esquerda
latino-americana e brasileira. Enquanto a idolatria por parte dos paraguaios é
compreensível, afinal eles precisam de um herói nacional, a visão criada pela
esquerda do Paraguai antes da guerra é fora de propósito, apresentando a nação
como um “paraíso”, onde a propriedade privada foi abolida. De certa forma, não
estão errados, afinal a única “propriedade privada” era o Paraguai, que
pertencia aos López...
Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bulow
O autor é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor, poeta e autor do Livro "Taquarê -- Entre a Selva e o Mar". No dia 04 de Maio às 17 horas, haverá lançamento e sessão de autógrafos com o escritor na Praça Saldanha Marinho de Santa Maria (RS). Taquarê entre a Selva e o Mar será divulgado na Feira do Livro que ocorre na Praça citada. O Livro estará disponível nos seguintes lugares para compra -- Athena, CESMA e CAPOSM.
Observação -- *A capa do livro mostra o jovem Taquarê ao lado da iara (denominação de sereia na mitologia brasileira) Yilia.
*Caso você queira adquirir o Livro de maneira digital, sugiro o Link que remete ao Kindle -- https://www.amazon.com/TAQUAR%C3%8A-Entre-Selva-Mar-Portuguese-ebook/dp/B071K2WZV6
*Saiba mais sobre o Livro no seguinte Link
* A História do Livro na visão da Taty > Taquarê é um rapaz de quinze anos imerso em um mundo ameaçado por ataques de piratas, monstros e impérios expansionistas vindos de terras distantes. Com uma arma mágica capaz de disparar raios, Taquarê descobre que o seu trabalho na carreira militar pode ser muito útil. Num ambiente repleto de pólvora, monstros e magia, um rapaz descobre a sua identidade, faz amizades, enfrenta perigos e defende a sua terra.
Eu recomendo a leitura! Conheço o Mateus desde 2012 e vi o talento dele de perto. Ele escreve muito bem e é mestre na arte da linguagem -- ele sabe mesclar o culto e o coloquial como raros escritores. De fácil entendimento, a escrita dele cativa o leitor com diálogos realistas mesmo no munda da magia. Além disso, a narrativa é equilibrada -- apresenta Ação, Mistério, Suspense, Fantasia e até mesmo pitadas de Romantismo em certas cenas. Os personagens são complexos e enfrentam batalhas internas e externas. As virtudes e os defeitos de cada personagem deixam a história bem peculiar. Além disso, ele apresenta o Brasil de forma patriótica e faz relevantes críticas políticas nas entrelinhas.
Às vezes, uma simples cena de caça é transformada em uma grande aventura, assim como um calmo passeio sobre a canoa vira uma batalha contra o perigo. Destaque para os nomes dos personagens do Livro -- são bem originais e marcantes. Taquarê, Yilia, Valmir... E o Livro tem seguimento... Espere pelo livro 2... Tem mais aventuras ainda! Espero que a Saga de Mateus faça muito sucesso, pois ele merece. Tem até uma princesa chamada Tatiana (minha xará) por coincidência, hehehe (adoro o nome escolhido, mas sou suspeita). Aguarde o momento em que a princesa surge na Saga, pois é muito emocionante. Garanta já a sua dose de emoção literária adquirindo o Livro de Mateus Bulow.
*Outros Textos escritos por Mateus nesse Blog
Mateus colabora com o meu Blog há muito tempo, compartilhando alguns textos. Para conferir uma lista com todos os textos dele já publicados aqui, acesse o Link
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