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terça-feira, 7 de setembro de 2021

10 Heróis de Independência pouco conhecidos – Parte 2

 No dia da independência do Brasil, o nosso colunista Mateus Bülow divulgará uma lista fantástica com 10 líderes e heróis de Independência pouco conhecidos na história mundial. O Mateus tem um incrível conhecimento histórico e passará toda a sua cultura acerca de História Mundial nesse texto preparado com muita dedicação. Boa leitura! 


    



10 Heróis de Independência pouco conhecidos – Parte 2.


Mês de setembro batendo nas nossas portas, junto da semana da Pátria. Se o leitor acompanha o blog faz algum tempo, deve se lembrar de uma postagem do ano passado, sobre personagens históricos que lutaram pela independência de seus países*. Passamos por diversos lugares exóticos, tais como o Japão, a Tailândia, a Pérsia, a Guatemala e as Filipinas, apenas para citar alguns exemplos.

Ainda existem muitos personagens históricos a serem tratados, então resolvi fazer uma continuação daquela lista. Aqui veremos combatentes, diplomatas, sábios, rebeldes, militares, reis e presidentes que lutaram para obter ou manter a independência e a liberdade de seus respectivos povos, diante de adversários terríveis. Boa leitura e feliz Dia da Independência!

*Texto citado:


10 Heróis de Independência pouco conhecidos - Parte 1



1-Epaminondas de Tebas.





Evento: Batalhas de Leuctra (371 AC) e Mantineia (362 AC); estabelecimento da Hegemonia Tebana.


Nosso primeiro personagem viveu na Grécia Antiga, durante um período de transição na balança de poder regional entre as Polis (cidades-estados). Epaminondas fazia parte da aristocracia tebana, e sob sua liderança o poder de Esparta seria quebrado de uma vez por todas, liberando não apenas Tebas como outras Polis sob o domínio espartano.

Para compreender melhor esse evento, é preciso deixar claro que cada Polis grega tratava-se de uma nação independente. No final da Guerra do Peloponeso, Esparta era a mais poderosa das cidades-estados, e o poder subiu à cabeça de seus líderes, intervindo em assuntos internos de outras cidades, derrubando líderes locais e instalando tiranos. Em Tebas, os espartanos se apropriaram da fortaleza de Cadmeia, um golpe terrível e simbólico.

Epaminondas possuía sangue nobre, mas perdeu todas as suas posses em conflitos anteriores, dessa forma os espartanos não viam ameaça nele, permitindo-o ficar em Tebas, sem imaginarem suas reais intenções. Com ajuda de tebanos exilados, Epaminondas e seu aliado Pelópidas capturaram Cadmeia e mataram a guarnição pró-espartana, iniciando a luta pela independência.

Desde o princípio, Epaminondas reconheceu que o grande desafio contra Esparta seria estabelecer um exército permanente, e encarregou Pelópidas dessa tarefa. O resultado foi o surgimento do Batalhão Sagrado de Tebas, uma tropa de 150 homens treinados com lanças, espadas e escudos. Um aspecto curioso do Batalhão Sagrado de Tebas era o grande número de casais homossexuais em suas fileiras, algo pouco usual até mesmo em uma cultura liberal como a Grécia Antiga.




A maior vitória tebana aconteceu em Leuctra, a despeito da desvantagem numérica, e Epaminondas conseguiu convencer mais cidades a participarem da revolta. Outra batalha de grande relevância ocorreu em Mantineia, onde Epaminondas cairia morto com uma flechada no peito. Segundo a tradição oral, um dos amigos do líder tebano desabou em lágrimas ao perceber que Epaminondas morreria sem deixar herdeiros, ao que o moribundo respondeu: “Deixei duas filhas, e elas se chamam Leuctra e Mantineia”.

A Hegemonia Tebana estabelecida por Epaminondas seria breve, terminando após a conquista da Grécia por Felipe II da Macedônia na Batalha de Queroneia, em 338 AC. Conta-se que o rei da Macedônia chorou após a vitória contra os guerreiros tebanos, pois muitos deles lutaram ao seu lado no passado.

O Batalhão Sagrado de Tebas deixou seu legado, séculos mais tarde. Em 1821, o líder nacionalista grego Alexander Ypsilanthis criou uma tropa grega chamada Batalhão Sagrado, com o objetivo de expulsar os turcos e tornar a Grécia livre do domínio otomano. Durante a Segunda Guerra Mundial, outra tropa grega chamada Batalhão Sagrado foi criada com ajuda do Serviço Secreto Britânico, para lutar no Oriente Médio e mais tarde expulsar os alemães e italianos da Grécia.


2-Qualidurut.




Evento: Primeira e Segunda Batalha de Dongola (642 e 652).


Cruzamos agora o oceano e vamos até a África, onde conheceremos uma terra que resistiu onde grandes impérios falharam. A região da Núbia fica onde hoje é o norte do Sudão, perto da fronteira sul do Egito, e na época seu reino mais poderoso era a Macúria, então governada por Qualidurut. Pouco se sabe sobre a vida desse monarca, diferentemente das vitórias espetaculares obtidas por seus guerreiros contra o Primeiro Califado Islâmico, dando origem ao tratado de paz mais longevo do mundo.

Os prognósticos não eram os melhores para a pequena Macúria diante do poderio islâmico: os guerreiros de Alá derrotaram os Persas da dinastia Sassânida, além de tomarem muitos territórios sob a autoridade do Império Bizantino, como a Terra Santa e o Egito. Por se tratar de um reino cristão nas fronteiras crescentes do Califado, a Macúria era um alvo óbvio para o expansionismo árabe.

A primeira batalha de Dongola envolveu os núbios sob o comando de Qualidurut contra os cavaleiros árabes de Amir Ibn Al-A’as, conquistador e governador do Egito. A vitória dos defensores deveu-se à pontaria dos arqueiros e a incapacidade dos árabes em perseguir seus teimosos adversários. Amir Ibn Al-A’as viu-se obrigado a recuar diante da resistência inesperada, e seu sucessor proclamaria a paz entre núbios e árabes.





Abdallah Ibn Sa’d era o nome do sucessor de Amir, e em 652 ele se sentiu seguro para atacar Macúria e obter sucesso onde seu conterrâneo falhou. Os relatos de fontes árabes afirmam que os núbios ficaram muito assustados ao verem uma catapulta pela primeira vez, por se tratar de uma tecnologia estranha; esse temor se converteu em ódio quando uma pedra lançada pela arma de guerra árabe danificou a torre de uma igreja.

Mais uma vez os arqueiros fizeram a diferença na batalha, derrotando os invasores e obrigando-os a se retirarem da região. O primeiro ato de Qualidurut após a luta foi restaurar a igreja atingida pela catapulta, e erguer uma cruz em honra aos defensores de Macúria. Após sua morte, Qualidurut foi sucedido no trono por seu filho, Zacarias.

A derrota convenceria os islâmicos de que conquistar a região da Núbia seria impossível, e eles assinaram a paz definitiva com seus habitantes. O tratado entre a Macúria e os governantes do Egito ficaria conhecido como Baqt, sendo rompido apenas na metade do Século XIV, quando o Egito foi dominado pela dinastia dos Mamelucos, e tanto o Primeiro Califado como a Macúria não passavam de lembranças.


3-Alfredo de Wessex.





Evento: Batalha de Edington (878).


Seguimos agora às Ilhas Britânicas da Alta Idade Média, quando os conceitos de Inglaterra e Reino Unido sequer existiam e os nórdicos tocavam o terror na Europa. Um reino anglo-saxão ousou resistir aos invasores, sob a liderança firme de seu soberano, que pavimentaria o caminho rumo à unificação da Inglaterra, um dos países dentro da ilha da Grã-Bretanha. Não à toa, Alfredo é o único monarca da história da ilha a receber o epíteto de “O Grande” após sua morte.

Alfredo sucedeu seu pai Ataulfo em 871 no trono de Wessex, um reino que ficava onde hoje é o sudoeste da Grã-Bretanha. Os tempos eram difíceis para os reinos anglo-saxões, pois os vikings atacaram o leste com um número absurdo de soldados, o que foi apelidado de “Grande Exército Pagão” pelos cristãos. Muitos reinos foram atropelados nessa invasão, e Wessex estava na mira dos vikings.

A situação estava tão feia que Alfredo chegou a perder o trono para o ambicioso líder nórdico Guthrum, e os anglo-saxões organizaram uma resistência no interior. Os pântanos do sul da ilha serviram de abrigo a Alfredo e seus homens, e durante um ano eles se dedicaram a pilhar armamentos, além de assassinar todo e qualquer nobre que se aliou a Guthrum.

Apenas em 878 os anglo-saxões sentiram-se seguros para lutar contra os nórdicos numa batalha tradicional, em Edington. Os registros da época afirmam que os guerreiros de Wessex arremessaram-se com fúria acumulada sobre a linha defensiva dos homens sob o comando de Guthrum, aproveitando-se da vantagem numérica e sabendo que os vikings recuariam em direção a um forte, caso a situação ficasse desvantajosa.

Um cerco de quatorze dias ocorreu após a vitória dos defensores da ilha, e Guthrum viu-se obrigado a concordar com os termos de Alfredo. O líder nórdico foi ordenado a sair de Wessex para sempre e a se converter à fé cristã, adotando o nome de Aetelstan e governando a região da Ânglia Oriental como um aliado de Wessex.





O acordo entre Alfredo e Guthrum solidificaria uma fronteira cultural na Grã-Bretanha: ao leste, os descendentes dos colonizadores nórdicos ocuparam uma região que ficaria conhecida tardiamente na historiografia como Danelaw (literalmente, “Lei Dinamarquesa”), possuindo seus respectivos costumes e reinos. Ao oeste, Wessex continuou sendo a mais forte nação anglo-saxã, sob o reinado de Alfredo, agora ocupado em repelir saqueadores vikings das áreas litorâneas.

Para assegurar que não teria mais problemas com os vikings, Alfredo edificou fortes em pontos estratégicos, transformou as milícias locais em forças militares permanentes e construiu navios de guerra baseados nas embarcações gregas e romanas. Alguns historiadores consideram Alfredo o “pai” da marinha britânica, que dominaria os oceanos séculos mais tarde. Além de cuidar da defesa do reino, Alfredo também foi patrono de igrejas e cultos, o que explica sua veneração entre católicos ingleses.

Alfredo morreu em 899, e seu filho Edward continuou a proteger Wessex dos vikings, expandindo o reino ao norte, sobre as terras do Danelaw. O processo de unificação da Inglaterra seguiria até 927, com o neto de Alfredo, responsável pela conquista dos últimos remanescentes do Danelaw. Curiosamente, o primeiro rei a governar toda a Inglaterra tinha o nome dado por Alfred a Guthrum após este se batizar cristão: Aetelstan.


4-Raden Wijaya.




Evento: Invasão Mongol à Ilha de Java e criação do Império Majapahit (1292-1293).


Nossa viagem segue em direção ao arquipélago indonésio, onde veremos outra ilha unificada por um rei valente que também expulsou invasores de além-mar. Muitas lendas se misturam na história de Raden Wijaya, um príncipe exilado responsável pela derrota de dois impérios e a fundação de outro poder que dominaria inúmeras ilhas.

Raden Wijaya nasceu no então Império Singhasari, a potência dominante na ilha de Java, e passou boa parte de sua infância e adolescência no exílio, devido às constantes intrigas palacianas. Não se sabe o nome do pai de Raden, nem mesmo o ramo da nobreza da qual ele fazia parte, embora alguns historiadores afirmem que ele era descendente direto de Ken Arok, o fundador de Singhasari.

Em 1292, os mongóis invadiram Java em resposta à recusa de Singhasari em pagar tributos, e também para conter a influência crescente dessa potência em ascensão nas ilhas vizinhas. Ironicamente, Singhasari já estava derrotado, pois o reino vizinho de Kediri dominou a capital, tornando-se o novo centro de poder em Java; a “solução” encontrada pelos mongóis foi invadir Kediri, para submeter o reino ao Grande Khan.

No meio desse cenário pra lá de confuso, Raden Wijaya fez sua jogada: o príncipe exilado mandou uma mensagem aos invasores, apresentando-se como herdeiro legítimo ao trono de Singhasari, afirmando que pagaria tributos e se submeteria ao Grande Khan. Nesse meio tempo, Raden Wijaya fundou uma cidade próxima ao rio Brantas e a chamou de Majapahit, aproveitando-se da localização vantajosa.





Kediri foi conquistado por uma força combinada de mongóis e guerreiros javaneses sob o comando de Raden Wijaya, incluindo desertores do lado oposto. Faltava apenas o pagamento do tributo, e o primeiro rei de Majapahit se dispôs a cumprir com sua parte, mas os mongóis teriam de buscar o tesouro na nova capital. Como o leitor já pode imaginar, o “convite” tratava-se de um ardil.

Os mongóis foram atraídos em direção a uma armadilha no meio da selva densa, e o massacre teve baixas pesadas, amplificadas pela dificuldade em usar cavalaria no terreno. Depois da emboscada, Raden Wijaya e seus homens partiram para a guerrilha, tornando a permanência dos invasores um verdadeiro inferno. Restou aos exaustos mongóis partirem em retirada o quanto antes, antes que os javaneses e doenças tropicais os eliminassem.

Depois dessa guerra, Raden Wijaya pôde governar em paz, expandindo Majapahit sobre as ilhas mais próximas e criando uma estrutura de governo baseada nos sistemas de Kediri e Singhasari. Após sua morte, Raden Wijaya foi sucedido pelo filho, Jayanegara, que continuou a obra do antecessor. O Império Majapahit chegaria ao auge sob o neto de Raden Wijaya, Hayam Wuruk, do qual falamos na lista dos 10 Casais da Realeza, ao lado de sua noiva, Dyah Citraresmi.


5-Ablai Khan.





Eventos: Guerras entre o Canato Cazaque e a Dzungária (1643-1756).


A Ásia central foi uma das regiões mais disputadas da história, devido à sua posição estratégica entre a Rússia e o sul do continente. Desde a antiguidade, inúmeros povos nômades trocaram golpes de espadas e flechadas nos territórios dos atuais países do Cazaquistão, Quirguízia, Uzbequistão, Turcomênia e Tadjiquistão. Nosso próximo personagem da lista foi um guerreiro cazaque responsável por reunir sua pátria fragmentada contra invasores vindos do leste.

Ablai nasceu em 1711, e era descendente direto de Kerei e Zhanibek, os dois irmãos fundadores do Canato Cazaque. Aos treze anos, Ablai perdeu os pais numa luta entre clãs, e viu-se obrigado a trabalhar como pastor para sobreviver. Mesmo com toda a dificuldade, Ablai nunca se permitiu fraquejar, e sempre demonstrou respeito diante de nobres e pessoas de origem humilde.

Inúmeras guerras ocorreram entre os cazaques e os dzungares desde a segunda metade do Século XVII. Os dzungares descendiam dos conquistadores mongóis da estirpe de Genghis Khan, e viviam na atual província chinesa de Xinjiang (falamos dessa região na análise do remake da Mulan nesse blog). A fragmentação dos canatos vizinhos instigou-os a expandir seu domínio sobre esses territórios.

Na primeira metade do Século XVIII, o Canato Cazaque encontrava-se dividido em três unidades conhecidas como Jüz, algo parecido com “Tribo”. Essas divisões tornaram o território cazaque um alvo fácil para os Dzungares, e a defesa das Jüz ficou sob o encargo de bandos independentes liderados por caudilhos carismáticos. Ablai comandava um grupo de cavaleiros nessa época, e recebeu o apelido de Bathir (“Herói”), devido aos seus esforços contra os salteadores vindos do leste.


  



Em 1771, Ablai virou o Khan (“Líder”) de uma das três Jüz, e se ocupou de centralizar sua autoridade sobre todo o território do Cazaquistão, enfrentando os Dzungares e líderes rivais. Ablai Khan foi hábil ao explorar as rivalidades entre a Rússia e a China na busca pelo poder; seus rivais eram apoiados pelos russos, enquanto os chineses compartilhavam o ódio aos Dzungares com os cazaques. Isso não impediu Ablai Khan de adquirir mosquetes e fuzis com os russos na fronteira ao norte.

Os Dzungares foram derrotados pela resiliência dos cazaques, e também por uma providencial invasão chinesa à Dzungária, ocupando-os em duas frentes. Durante o conflito Dzungar e chinês, Ablai Khan não se envolveu com nenhum lado, mas ofereceu abrigo a líderes fugitivos, após a anexação definitiva da Dzungária ao Império Chinês. Mais tarde, os cazaques ocupariam algumas áreas fronteiriças pertencentes aos antigos rivais.

Com a ameaça ao leste eliminada, Ablai Khan dedicou-se a assegurar a independência do Cazaquistão, recusando uma proposta de vassalagem oferecida pela imperatriz russa Catarina II, e derrotando o Canato de Cocande no atual Uzbequistão, além de tribos quirguizes hostis. Em 1781, Ablai Khan faleceu e seus filhos iniciaram uma disputa pelo trono, vencida pelo mais velho deles, Wali Khan.


6-Juan Martín Díaz.





Evento: Invasão Francesa à Espanha (1808-1814).


As lutas pela independência das colônias espanholas nas Américas são amplamente discutidas nas escolas brasileiras. Entretanto, pouco se fala sobre os esforços dos espanhóis contra as forças de Napoleão Bonaparte na península ibérica, onde guerrilheiros corajosos e foram capazes de repelir o maior exército da época. Um desses valentes foi Juan Martín Diaz, campesino, chefe de guerrilheiros e herói nacional espanhol.

Juan Martín Diaz nasceu em 1775, na província de Valladolid, filho de agricultores prósperos da região. Em 1793, o jovem se envolveu em conflitos fronteiriços contra os franceses, onde ele desenvolveu o apreço pelas armas, bem como a animosidade em relação aos habitantes do país vizinho. Três anos depois o futuro guerrilheiro se casou com Catalina de La Fuente, uma jovem nascida em Burgos, onde o casal viveria até 1808, quando os franceses invadiram a Espanha.

Conta-se que Juan Martín decidiu pegar em armas novamente após salvar uma moça de ser estuprada por um oficial francês, matando o violador. Os primeiros membros de sua guerrilha foram amigos e parentes, e Martín se dedicou a proteger as redondezas de Burgos, além de atacar guarnições francesas em Madri. Esses feitos não passaram despercebidos aos militares, e em 1809, Juan Martín virou oficial de cavalaria, aumentando sua área de atuação para mais províncias espanholas.

As táticas de Juan Martín descavam-se pela rapidez e agressividade, objetivando matar o maior número de franceses a cada investida. Um dos apelidos do líder guerrilheiro era justamente “El Empecinado” (“O Determinado”), e lendas circulavam entre os franceses, afirmando que Juan Martín possuía grandes poderes místicos, tais como ficar invisível ou se transformar em lobisomem.





A expulsão definitiva dos franceses ocorreu em 1814, e Juan Martín Diaz foi promovido a Marechal de Campo, ganhando o direito de assinar documentos com “El Empecinado” após o nome e sobrenome. Poderia ser um bom final de carreira para um herói, mas infelizmente o destino pregou uma peça cruel em Juan Martín Diaz, com a restauração do absolutismo na Espanha pelo rei Fernando VII (falamos dele na lista dos 10 Governantes Tirânicos que poderiam ser Vilões da Literatura).

O período de 1820 até 1823 é conhecido como o Triênio Liberal, onde absolutistas e liberais trocaram farpas e tiros. Juan Martín decidiu apoiar o golpe do general Rafael de Riego, após Fernando VII rasgar a constituição de 1812, jurada pelo próprio monarca. A situação ficou insustentável após 1823, forçando “El Empecinado” a se exilar em Portugal.

Em 1824, Juan Martín conseguiu permissão para retornar à Espanha. Entretanto, Fernando VII não estava disposto a perdoar os liberais que lutaram contra a coroa, e ordenou a prisão e subsequente execução de Juan Martín Diaz. Foram necessários muitos homens para conduzir “El Empecinado” ao cadafalso, e no auge do desespero o condenado tomou a espada de um oficial, matando-o ali mesmo, antes de ser finalmente posto na forca.

Um dos legados mais curiosos de Juan Martín Diaz foi o surgimento de um círculo cultural que leva seu nome, criado por admiradores de sua figura, cientes do final ingrato oferecido a um lutador pela liberdade da Espanha. O grupo surgiu poucos anos após a morte de Juan Martín Diaz, e costuma-se reunir nas cidades de Roa de Duero e Castrillo de Duero entre os meses de agosto e setembro.


7-José Dolores Estrada Vado.





Eventos: Independência da América Central; Guerra contra os Filibusteiros, também chamada Guerra Nacional da Nicarágua (1856-1857).


A Guerra contra os Filibusteiros já apareceu em três artigos desse blog, onde tratamos de duas figuras históricas da Costa Rica (Mulheres na Guerra e 10 Militares que sacrificaram suas vidas em conflitos) e um presidente da Guatemala (primeira parte da série Heróis de Independência). No entanto, nunca citamos um herói nascido no país que deu nome ao conflito, então vamos apresentar um general nicaraguense chamado José Dolores Estrada Vado, responsável pela expulsão dos imperialistas americanos.

José Dolores Estrada Vado nasceu em 1792, na cidade nicaraguense de Nandaime, filho de Timoteo Estrada e Gertrudis Vado. Seu encontro com a política ocorreu em 1824, ao apoiar o movimento independentista de Juan Arguello, e mais tarde ele se juntou ao bando de Manuel Antonio de La Cerda na derrubada do primeiro chefe de estado da Nicarágua. Aos 35 anos, José Dolores virou sargento, iniciando sua carreira no exército nicaraguense.

Em 1856, os liberais nicaraguenses deram um golpe de estado com auxílio de mercenários americanos sob o comando de William Walker, apossando-se de inúmeras cidades e promovendo massacres de conservadores. A situação precária revelou-se um mau presságio para toda a América Central, pois estava óbvio que os Filibusteiros de Walker almejavam a expansão sobre todo o istmo. Países outrora rivais, como a Guatemala, Honduras, El Salvador e Costa Rica partiram para auxiliar os legitimistas nicaraguenses.





Apenas três comandantes nicaraguenses juntaram forças contra os invasores, e estes eram José Dolores Estrada Vado, Tomás Martínez e Fernando Chamorro. Sob a liderança deles foi criado o Exército do Septembrión, que juntava homens das províncias do noroeste do país, além de um número considerável de indígenas armados de arcos e flechas.

Durante seis meses a cidade de Matagalpa foi a capital provisória da Nicarágua, devido à captura de Manágua pelos Filibusteiros, e a resistência dos nacionalistas impediu o avanço dos invasores e dos liberais. A maior vitória patriota ocorreu na Batalha de San Jacinto, em 1856, quando 160 nicaraguenses derrotaram 300 Filibusteiros; José Dolores comandou as ações, porém não se envolveu diretamente no combate, devido à idade avançada.

Após a Guerra Nacional, José Dolores foi promovido a general de brigada. Em 1862, Tomás Martínez tentou se reeleger à presidência, e seu antigo aliado criticou com veemência o gesto, custando-lhe um exílio. José Dolores teve de se esconder na ilha de Ometepe na costa nicaraguense, retornando após quatro anos, quando Tomás Martínez saiu da presidência e foi sucedido por Fernando Guzmán Solórzano, que promoveu o campeão da Guerra Nacional a General em Chefe do Exército.

Aos 77 anos, José Dolores Estrada Vado levava uma rotina austera e disciplinada, vivendo solteiro e dedicado à instrução das tropas. Sua morte ocorreu em 1869, depois de uma febre hepática. Após o enterro, foi declarado luto nacional em toda a Nicarágua, e durante oito dias os militares andaram com faixas negras atadas nos braços.


8-Carl Gustaf Emil Mannerheim.




Eventos: Guerra Civil da Finlândia (1918); Guerra do Inverno (1939-1940); Guerra de Continuação (1941-1944); Guerra de Lapland (1944-1945).


Nosso próximo personagem histórico viveu na Finlândia, e é considerado o “Pai da Pátria” desse país gelado. Nascido em 1867, Carl Gustaf Emil Mannerhein vinha de uma família nobre com sangue sueco e alemão, e entrou para a academia militar em 1882, onde se destacou na esgrima e pela impressionante altura de 1,93. Como veremos a seguir, a saga de Mannerheim poderia se passar por um romance aventureiro.

Na época, a Finlândia fazia parte do Império Russo, contando com relativa autonomia e parlamento próprio. Um dos eventos históricos vistos por Mannerheim foi a coroação do Czar Nicolau II em 1896, onde serviu na Guarda de Cavalaria. Segundo Mannerheim, a coroação do último monarca russo foi um ponto alto de sua própria vida, pois “não se lembra de ter visto algo tão magnífico”.

Durante a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), Mannerheim lutou em escaramuças contra bandidos chineses, serviu como espião na Ásia Central, aliou-se a saqueadores uigures numa viagem ao sul e até ensinou o 13º Dalai Lama do Tibete a usar uma pistola. Na Primeira Guerra Mundial, Mannerheim se encarregou da defesa russa contra os austro-húngaros e os romenos, sendo condecorado com a Ordem de São Jorge.

Em 1917, Mannerheim conseguiu permissão para retornar à Finlândia, e percebeu que a Rússia logo se converteria em um barril de pólvora. Seus temores se confirmaram naquele mesmo ano, com a derrubada do Czar e a rápida ascensão dos Bolcheviques ao poder. Devido à acusação de “não se empenhar na causa revolucionária”, Mannerheim foi dispensado e retornou à sua terra natal. Após a execução da família real russa, o líder finlandês deixou um quadro de Nicolau II na parede da sala de estar, em protesto.

A Finlândia declarou sua independência no mesmo ano da Revolução Russa, mas o caminho rumo à autonomia plena seria duro: o novo país mal possuía exército, contando com milícias que ficariam conhecidas como Guardas Brancas, somando 24.000 homens. Ao mesmo tempo surgiram as Guardas Vermelhas finlandesas, com 30.000 combatentes, sem contar 70.000 russos ainda dispostos em território finlandês.

A Guerra Civil Finlandesa ficou conhecida pela brutalidade de ambos os lados, e depois da vitória dos Brancos, Mannerheim se empenhou no reconhecimento da independência de seu país, chegando a apoiar um plano envolvendo a criação de um “Reino da Finlândia” sob um herdeiro da casa real alemã. Mannerheim participou da primeira eleição republicana da história da Finlândia, e foi derrotado por Kaarlo Juho Stahlberg. Em 1920, Mannerheim quase foi morto por um grupo de comunistas insatisfeitos com o resultado da guerra civil.

No período Entre-Guerras, Mannerheim não se envolveu com a política, devido ao seu histórico no exército imperial russo, e às suas declarações ambíguas em relação à democracia como regime de governo. Vendo-se sem utilidade em seu próprio país e temendo outra tentativa de assassinato, o vencedor da Guerra Civil Finlandesa viajou por muitos lugares na Ásia, e fez amizade com o rei do Nepal, Tribhuvan Shah.





O tempo ajudou a aliviar rusgas políticas, e em 1933 Mannerheim estava de volta à pátria, assumindo o cargo de Comandante em Chefe das Forças Armadas Finlandesas. Russos e finlandeses voltaram a se estranhar nas fronteiras, e em 1939 eles entraram em guerra mais uma vez. A superioridade numérica e bélica da União Soviética seria suplantada pela valentia e criatividade dos finlandeses, além de uma linha defensiva de fortes que ficou conhecida como Linha Mannerheim.

Um aliado indigesto dos finlandeses na Guerra de Inverno foi Adolf Hitler, o terrível ditador da Alemanha. Mannerheim até demonstrou algum interesse no líder alemão e sua carreira política, porém mudou de ideia em uma visita à Alemanha, onde viu o “estado ideal” construído pelos Nacionais-Socialistas. A Finlândia manteve-se aliada à Alemanha por razões pragmáticas, e não construiu campos de concentração em seu território, o que facilitou as negociações com os Aliados em 1944.

Entre o período de 1941 até 1944, soviéticos e finlandeses lutaram sem cessar nas fronteiras de seus países, e um tratado de paz foi assinado após a vitória finlandesa em Tali-Ihantalla. A Finlândia mudou de lado e atacou os alemães em Lapland, expulsando as últimas tropas a serviço de Hitler. Mannerheim foi eleito presidente em 1944, e ficaria no cargo até 1946, quando teve de se afastar devido a problemas de saúde. O marechal morreu em 1951, enfraquecido ao ponto de ter que ditar suas memórias à filha ao invés de escrevê-las.

Até hoje Mannerheim é muito respeitado em seu país, devido à sua relutância em aderir às facções mais radicais, a despeito de sempre demonstrar maior apreço à direita política. Em 2004, Carl Emil Gustaf Mannerheim ficou em primeiro lugar no programa Suuret Suomalaiset (“Grandes Finlandeses”), um equivalente local do nosso O Maior Brasileiro de Todos os Tempos.


9-Muhammad Ataul Goni Osmani.





Eventos: Campanha da Birmânia (1941-1945); Guerras Indo-Paquistanesas de 1947 e 1965; Guerra de Independência de Bangladesh (1971).


O subcontinente indiano não costuma ser trabalhado com frequência nas aulas de história, e quase sempre o assunto orbita em torno da figura do líder pacifista Mahatma Gandhi, seguido pelas rusgas intermináveis entre Índia e Paquistão. Um desses conflitos ocorreu em 1971 e resultou no surgimento de Bangladesh, a terra natal do próximo personagem da nossa lista.

Muhammad Ataul Goni Osmani nasceu na cidade de Sunamganj, no noroeste do atual Bangladesh, em 1918. Na época, a região pertencia ao Raj Britânico, um grande domínio colonial que abrangia todo o subcontinente. Em 1939, Osmani entrou para os regimentos indianos a serviço do Império Britânico, destacando-se por sua inteligência e conhecimento em outros idiomas. Seu batismo de fogo ocorreu em 1941, na defesa da Birmânia (atual Myanmar) contra os japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.

O exército colonial britânico foi desfeito após a Partição da Índia, e Osmani se juntou ao recém-criado exército do Paquistão. Na época, Bangladesh se chamava Paquistão Oriental, fazendo parte do país maior. Durante os conflitos contra a Índia, Osmani percebeu que os oficiais paquistaneses discriminavam regimentos de origem bengali, e isto logo se tornaria um problema sério.

Osmani se desligou do exército paquistanês em 1967, frustrado com a crescente discriminação contra os bengalis, e entrou em contato com os movimentos autonomistas do Paquistão Oriental. O maior deles era a Liga Awami, liderada pelo futuro primeiro presidente de Bangladesh, Sheik Mujibur Rahman. Ao lado de Ishfakul Majid, Osmani tornou-se o líder do braço militar do movimento.

Em 1971, qualquer resquício de união entre Paquistão e Bangladesh tornou-se insustentável, e a guerra pela independência começou. Os militares paquistaneses instigaram guerrilhas e terrorismo no interior de Bangladesh, e Osmani teve de lidar com a falta de recursos e homens ao organizar o primeiro exército livre do país.





O grupo liderado por Osmani ficaria conhecido como Mukti Bahini (literalmente, “Lutadores da Liberdade” em bengali). O general ordenava seus comandados a convencerem os bengalis do lado paquistanês a se juntarem aos separatistas, além de conceder autonomia de ação aos seus subordinados imediatos, devido à dificuldade em manter comunicação constante entre as unidades. A situação melhoraria para os bengalis após a entrada dos indianos, que trouxeram recursos e soldados à causa separatista.

Após a luta pela independência, Osmani foi promovido a general e se dedicou a enfrentar guerrilhas comunistas entre os anos de 1972 e 1975, além de servir de conselheiro ao presidente Sheik Mujibur Rahman. Essa parceria se converteria em inimizade após Rahman aumentar seus poderes como chefe de executivo e instaurar um sistema de partido único em Bangladesh. Em 1975, Rahman foi assassinado, e Osmani reconheceu o novo governo, apesar de lamentar a morte do antigo aliado.

Osmani declinou de sua posição de conselheiro presidencial e dedicou-se a visitar as instalações das forças armadas, acreditando que seu carisma entre os militares poderia evitar uma guerra civil no país. Em 1983, o general viajou para o Reino Unido, para tratar de um câncer, morrendo no ano seguinte, cercado por seus sobrinhos. Hoje, Muhammad Ataul Goni Osmani é conhecido como Bongobir (“Herói de Bangladesh”) por seus conterrâneos.


10-Samuel Nujoma.





Evento: Independência da Namíbia (1960-1990).


O último integrante dessa lista também é o único que ainda está vivo, ao menos até a data desta publicação. Nascido em 1929, Samuel Nujoma também levou muito tempo para ver sua terra natal convertida em um país independente, tornando-se o primeiro presidente da Namíbia em 1990.

Samuel Nujoma nasceu na vila de Etunda, sendo filho de Daniel Nujoma e Helvi Kondombolo. Sua mãe foi uma princesa de Uukwambi, um antigo reino do norte da atual Namíbia, mas a vida da família não era abastada: Samuel foi o mais velho de onze irmãos, e passou a infância cuidando da fazenda da família, antes de migrar para a cidade costeira de Walvis Bay, onde foi lojista e auxiliar nas docas.

O contato com muitos estrangeiros abriu um mundo novo para Samuel, e em 1950 ele se envolveu com grupos opositores do Apartheid, o regime de segregação racial aplicado na África do Sul e em parte da Namíbia. É necessário frisar que a Namíbia foi colônia alemã até 1918, e depois passou para o controle britânico, sendo anexada à União da África do Sul. Com a proclamação da república da África do Sul, a Namíbia tornou-se território sul-africano.

Devido à pressão política da época, Samuel Nujoma teve uma vida entrecortada entre prisões e exílios. Em 1960 foi criada a SWAPO, ou Southwest African Popular Organization (“Organização Popular da África do Sudoeste”). Cansados de não receberem apoio externo, os patriotas da Namíbia decidiram partir para o ataque, e em 1966 começaram os primeiros embates com as forças sul-africanas.

Embora não fizesse parte das ações militares, Samuel Nujoma atuava em uma função igualmente importante: adquirir armamentos e equipamentos, quase todos vindos da União Soviética e da China. Nujoma mais tarde se insurgiria contra o auxílio oferecido pelos países comunistas, afirmando que eles buscavam criar um novo império colonial na África.

Outra razão para a SWAPO se afastar dos antigos fornecedores de armas foi a busca de aliados entre os descendentes dos Bôeres que viviam na Namíbia, tradicionalmente desconfiados das alianças entre movimentos de libertação nacional com o comunismo internacional. Nujoma teve de sufocar as lideranças mais exaltadas da SWAPO, o que gerou diversas rusgas nunca resolvidas entre os membros da organização.





O fim do domínio sul-africano coincidiu com o término do sistema Apartheid, quatro anos depois de Nujoma tornar-se presidente. O novo desafio foi conciliar os negros e os brancos na Namíbia, inspirado nas ações de Nelson Mandela na África do Sul. Em seus dois mandatos como presidente, Samuel Nujoma conseguiu edificar uma sociedade tolerante sob o império da lei na Namíbia, porém não se saiu bem no âmbito econômico, pois até hoje mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza.

Samuel Nujoma deixou a política em 2009, mas sua imagem continua pairando sobre o governo da Namíbia, até hoje. Seu passado como lutador pela liberdade não o livrou de muitas controvérsias, entre elas um suposto envolvimento com a CIA. Outra contradição na carreira de Nujoma diz respeito ao seu tratamento aos homossexuais: enquanto lutava contra a discriminação racial, Nujoma defendeu a prisão de gays e lésbicas em 2001, sob o pretexto de que isto auxiliaria no combate à epidemia de AIDS naquele mesmo ano.


Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bülow. 


    



Mateus é gaúcho da cidade de Santa Maria/RS, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor e poeta. Ele é colunista do blog "Recanto da Escritora" e colaborador do Podcast "Literatura em Ação". No Podcast "Literatura em Ação", ele ensina várias dicas de Literatura Fantástica e escrita criativa ao lado de Tatyana Casarino. 


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Feliz dia da Independência do Brasil!


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