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sábado, 31 de agosto de 2019

10 Mitos sobre a História do Brasil.


                                   

   Olá, pessoal! Tendo em vista a proximidade do feriado nacional 07 de Setembro, que celebra a independência do Brasil, o meu amigo escritor Mateus Ernani Heinzmann Bulow preparou uma postagem super especial para o blogue contendo 10 mitos ou erros históricos sobre o Brasil (a História, embora seja comprometida com fatos reais não ficou imune às lendas e às mentiras). 
  Será que, no período colonial, todas as decisões eram tomadas arbitrariamente por Portugal e nossos índios eram apenas vítimas passivas? Ou será que os habitantes locais contribuíram para o crescimento do Brasil? Será que o Brasil não interferiu mesmo no processo de independência dos países vizinho?
   Será que Santos Dumont era mesmo pacifista e uma das causas do seu suicídio foi o uso dos aviões nas guerras? Ou será que ele tentava impressionar autoridades militares como "marketing" para as suas invenções? Será que Getúlio Vargas foi realmente o primeiro que trouxe as legislações trabalhistas para o Brasil? Será que a Bolívia trocou o Acre por um cavalo? 
   Todas essas perguntas e diversas outras indagações sobre os pontos mais ocultos da História do Brasil serão respondidas com muita verdade, estudo, cultura e imparcialidade por este texto maravilhosamente escrito pelo autor gaúcho Mateus Bulow. Se você gosta de estudar além das salas de aula e dos materiais didáticos sobre História, esse texto é para você! Boa leitura! 


          


10 Mitos sobre a História do Brasil.

            Em comparação com outras matérias do colégio, a disciplina de História sempre foi vista como mera curiosidade, ao menos em comparação com Português, Matemática, Física e outras disciplinas de aplicação prática. Devido à extensão considerável do conteúdo a ser abordado, bem como a necessidade do professor ser ligeiro, é comum ocorrerem muitas confusões e mal entendidos entre os alunos, e esse problema é exacerbado por professores mais preocupados em fazerem propagandas políticas disfarçadas em suas aulas.
            Felizmente, o ensino da História não é uma atividade imutável: diversos historiadores oferecem interpretações alternativas sobre o passado, e como os atos e fatos de outrora ajudaram a moldar o mundo atual. Não é uma tarefa simples, após anos de mensagens erradas e mal-entendidos, mas de certa forma essa dificuldade a torna mais interessante, ainda mais no Brasil, onde os cidadãos estão em busca de sua identidade como país.
            Foi pensando nisso, e na proximidade do feriado do Sete de Setembro, que fiz essa lista com dez mitos envolvendo a história do Brasil, indo do período Pré-Cabralino (antes da chegada de expedição de Pedro Álvares Cabral, em 1500) até o Século XX. É um número pequeno de mitos a ser abordado, é verdade, porém é um bom ponto de partida. Prepare a máquina do tempo, e boa leitura!

1-“Nossos indígenas não formaram civilizações dignas de nota”.



            Em comparação com os Astecas, Maias e Incas, encontrados no México, na América Central e nos Andes, os “nossos” indígenas pareciam homens das cavernas, mais preocupados em caçar, pescar, construir ocas e devorar rivais durante e depois das guerras entre as tribos. Entretanto, novas descobertas estão mudando essa visão em diversos lugares do Brasil, mostrando que os nativos eram capazes de construir cidades impressionantes, entre outras realizações dignas de nota.


            O primeiro destaque é a Amazônia, até então vista como inóspita e desfavorável à existência de grandes civilizações. Os relatos do explorador espanhol Francisco de Orellana, o primeiro aventureiro europeu a descer o rio Amazonas da nascente até a foz no Século XVI, falavam em povoados com centenas de habitantes e cercados com grandes paliçadas. Orellana e seus homens tiveram de se aliar a algumas tribos, enquanto enfrentavam muitas outras, algumas delas formadas por mulheres guerreiras.


            Outra civilização amazônica digna de nota é a cultura Marajoara, estabelecida na ilha de Marajó, e também a mais estudada entre os antropólogos brasileiros. Os Marajoaras faziam cerâmicas resistentes e construíam grandes montes de terras chamados tesos, sobre os quais edificavam suas casas para se protegerem das enchentes. Esses tesos também eram usados para sepultarem seus mortos, e boa parte das informações disponíveis sobre os Marajoaras se deve a esses cemitérios primitivos.



            No Alto Xingu, localizado quase na fronteira do Mato Grosso com o Pará, foram descobertas ruínas de uma cidade de tamanho considerável, construída por ancestrais do atual povo cuicuro. O nome dessa “metrópole” era Kuhikugu, e sua “malha urbana” contava com estradas de chão batido e trincheiras para a defesa contra inimigos; o interior da cidade era pontilhado de pomares e roçados de mandioca, e a dieta dos habitantes era complementada com peixes criados em barragens.

                          


            Evidências de um passado glorioso foram reveladas pelo desmatamento em algumas regiões. Um exemplo disso é uma descoberta realizada no Acre, em 1977, quase na fronteira com Rondônia e com o sul do Amazonas, onde foi encontrado um bom número de desenhos geométricos, quase todos em formato de círculo ou de quadrado. Os pesquisadores ainda não sabem se estes locais eram usados pelas tribos locais para se defenderem de invasores, ou para a realização de rituais.



            No Amapá, próximo ao município de Calçoene, foi encontrado um círculo de pedras com 30 metros de diâmetro; algumas das pedras possuem quatro metros de altura. Ao que parece, essa construção era um arranjo utilizado para observar as estrelas, e por isso foi denominada Observatório Astronômico de Calçoene; alguns esotéricos, entretanto, preferem chamar o sítio arqueológico de “Stonehenge Brasileiro”, em referência à estrutura megalítica localizada na Inglaterra.
            Como essas civilizações formidáveis desapareceram? Diversos fatores foram elencados pelos pesquisadores, mas os três principais são as doenças, os conflitos com europeus e as alianças com esses forasteiros de além-mar. Diversas tribos foram erradicadas pelas doenças do Velho Mundo, tão contagiosas que se espalhavam para o interior antes dos europeus sequer alcançarem diversas áreas afastadas da costa.
            Os conflitos com os recém-chegados forçaram muitas tribos a migrarem para o interior, longe do litoral, e uma forma eficaz de evitar ser derrotado ou aprisionado por adversários mais organizados era justamente mover-se com frequência de uma área a outra; isso explica parcialmente o comportamento nômade de muitas tribos ainda existentes no Brasil. Entretanto, nem tudo foi destruição nesse choque de culturas: diversas tribos fizeram parcerias com os europeus, mudando o aspecto da cultura local para sempre, como veremos no mito logo a seguir.

2-“Durante o Período Colonial, todas as decisões partiam arbitrariamente de Portugal”.


                     


            O processo de colonização do Brasil teria início em 1530, e quatro anos depois ocorreu a divisão do território em capitanias hereditárias. O arranjo não deu muito certo, motivando a nomeação de um governador-geral, já em 1549; o escolhido para a missão foi Tomé de Sousa, veterano de guerras no Marrocos e fundador de Salvador da Bahia, a primeira capital do novo domínio luso nas Américas.
            Apesar de tecnicamente submissos à coroa portuguesa, os governadores-gerais se veriam obrigados muitas vezes a agirem de forma autônoma, em nome da sobrevivência do Estado do Brasil (o termo “colônia” seria utilizado apenas mais tarde pela historiografia, a fim de diferenciar esse período). Mensagens e ordens do outro lado do oceano demoravam a chegar, enquanto os perigos apenas se multiplicavam: tribos hostis e invasões de nações europeias rivais tiravam o sono dos administradores do Novo Mundo.



            A defesa do Estado do Brasil cabia a Portugal, mas na prática os maiores responsáveis eram os habitantes locais, liderados por militares nascidos na metrópole. Muitos militares de baixa patente eram caboclos e mulatos organizados em milícias, ao lado de indígenas que escolhiam viver nas vilas e arraiais por sua própria vontade, e alguns escravos libertos. Quase todos os militares de patentes mais altas eram nascidos na metrópole, mas havia um princípio de “meritocracia” permitindo a ascensão de soldados valentes nascidos na América.

  


            Em diversas ocasiões, o domínio da região teria de ser feito com ajuda dos indígenas aliados, o que para os lusos significava ceder algo a eles em troca. Um dos principais líderes do período de consolidação no litoral foi Araribóia, chefe da tribo Temiminó, expulsa de sua terra original pelos Tupinambás. Araribóia e seus guerreiros se juntaram aos portugueses para expulsarem os franceses do Rio de Janeiro, após estes se aliarem aos Tupinambás; como recompensa, o líder Temiminó recebeu uma sesmaria (terra doada) em um dos lados da Baía da Guanabara, que daria origem à atual cidade de Niterói.

          



            Outro exemplo da autonomia do território americano na tomada de decisões foi a Insurreição Pernambucana (1645-1648), que encerrou o chamado “Brasil Holandês”. Portugal havia firmado a paz com a República das Sete Províncias (como a Holanda era chamada nessa época), mas os colonos luso-brasileiros reagiram às medidas administrativas e à perseguição religiosa promovida pelos governadores coloniais holandeses. A maior parte dos líderes e combatentes do lado luso-brasileiro era nascida na colônia, caso de Henrique Dias, Antônio Felipe Camarão e André Vidal de Negreiros.
            Após 1640, com a Restauração Portuguesa sob a dinastia Bragança, o controle direto sobre o Estado do Brasil aumentaria consideravelmente, em parte para cobrir os gastos da luta de independência contra a Espanha. Essa intromissão levaria ao descontentamento dos colonos e à crise do sistema colonial, durante o Século XVIII; uma longa série de revoltas eclodiria na região, muitas delas de caráter separatista.

3-“Todos os Donos de Escravos durante o período colonial e o Império eram poderosos e influentes”.


            Um dos capítulos mais amargos da história da humanidade foi a escravidão associada ao tráfico negreiro, que tirou milhares de pessoas de sua terra natal e as trouxe para terras tão distantes como as Treze Colônias (o “embrião” dos Estados Unidos da América), o Brasil e até mesmo algumas sociedades europeias e o longínquo Japão. Foi o caso de Abram Petrovich Ganival, servo do czar russo Pedro, o Grande, e de Yasuke, um escravo que virou samurai após servir Oda Nobunaga, o primeiro senhor da guerra a unificar o Japão.
            Como foi possível algo tão abominável acontecer e perdurar por tanto tempo? Ao que parece, a resposta mais óbvia também é a mais desagradável: muita gente se servia do sistema escravista para prosperar e crescer, fossem eles traficantes ou compradores de escravos. E se tratava de uma instituição arraigada ao ponto de não reconhecer raças, beneficiando tanto brancos como negros, bem como ricos e pobres.




            O tráfico de escravos para o Continente Americano dificilmente teria alcançado tamanha magnitude, se não fosse por uma série de mudanças radicais ocorridas na balança do poder na África. No final do Século XVI, os grandes impérios da África Ocidental, como o Mali e o Songhai, enfraqueceram-se após uma série de lutas dinásticas e invasões do Império Saadi (atual Marrocos); essa ruptura brusca forçou o deslocamento do eixo de poder das savanas para o litoral, onde os primeiros europeus começavam a aparecer.
            Alguns desses reinos formaram alianças com os navegadores lusos de forma similar às tribos que juntaram forças com eles nas Américas; geralmente, os portugueses davam armas, pólvora, aguardente e pimenta, recebendo escravos, marfim e noz de cola em troca. Devido à necessidade de repor braços para o trabalho nas Américas, muitos reinos do litoral, como o Benin, o Daomé e Kano (atual Nigéria), se tornaram verdadeiras “empresas” de captura e venda de escravos, imitando um comércio que já ocorria no Deserto do Saara e foi praticado pelos impérios antigos da região.



            Capturar e transportar tanta gente não valeria o esforço se não existisse um amplo mercado consumidor. Boa parte da população nas Américas se envolvia com esse comércio, de uma forma ou de outra, devido à imensa relevância nas economias locais; existiam vendedores, receptadores e até caçadores de fugitivos. Outro aspecto digno de nota era a origem de muitos vendedores de escravos mais abastados, muitos deles homens negros, e ex-escravos; o fato de serem vítimas desse comércio funesto não os demoveu de agirem em conluio com o mesmo.
            A imagem mais associada à escravidão no Brasil é a do proprietário de terras abastado, com dezenas de “empregados” amontoados nas senzalas. Se esta imagem era verdadeira, também havia outra, mais comum: pequenos proprietários de terra que possuíam apenas um ou dois escravos. Esses “senhores” trabalhavam junto de seus escravos, tratavam-nos como se fossem membros da família e muitas vezes mantinham alguma forma de contato, mesmo após ocorrer a libertação. Essa “cordialidade” não tornava a escravidão algo “aceitável”, porém é necessário compreendê-la na observação do passado.
            O fim da escravidão pelo mundo apenas se tornaria uma causa digna de nota na segunda metade do Século XVIII, e no Brasil ele ocorreu lentamente: começou com a Lei Eusébio de Queiróz, em 1850, passando por outras disposições legais, como o Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários, até chegarmos à Lei Áurea de 1888, abolindo de vez a escravidão no Brasil. Quando a Lei Áurea foi aprovada, o número total de escravos libertos por ela não passava de 720000 almas espalhadas pelo Brasil inteiro.

4-“Não tivemos Guerra de Independência no Brasil”.




            Na cultura acadêmica nacional parece existir uma obsessão em retratar os brasileiros em posições passivas ou distantes dos grandes acontecimentos. A própria independência política do País é retratada como um mero acordo de vontades entre os membros da família Bragança, e o destaque maior é o Grito do Ipiranga, um episódio envolto em muitas lendas e poucas certezas.



            Nada mais longe dos fatos: de 1822 até 1824, o Nordeste e o Norte foram palcos de batalhas e escaramuças violentas entre brasileiros e portugueses, custando 6000 vidas. Parece pouco perto dos 36000 mortos da Guerra de Independência dos EUA, ou mesmo do ocorrido na Venezuela entre 1810 e 1820, onde um em cada quatro moradores tombou em combate contra as forças leais à monarquia espanhola. Mesmo assim, é um número formidável de mortos para um conflito de três anos, de 1822 até 1824.
            Para entender o contexto da Guerra de Independência do Brasil, é preciso ver o que ocorria em Portugal, em 1820: a Revolução do Porto foi vitoriosa, obrigando Dom João VI a assinar uma constituição liberal. Entretanto, os revolucionários não aceitaram de bom grado que toda a América lusitana se libertasse, e almejavam manter o controle sobre o Nordeste e o Norte, desmembrando o nascente Império. Tropas de além-mar foram enviadas a essas regiões, e alguns autores chamam o exército português de Legião Constitucional.



            Em janeiro de 1822, uma rebelião movida por militares lusos no Rio de Janeiro tomou o Morro do Castelo, comandados por Jorge Avilez. A ideia era formar uma resistência (por que isto soa tão familiar?) contra Pedro, até então o príncipe regente, mas o cerco movido pela Guarda Real de Polícia impediu maiores realizações. Apesar desse verdadeiro fiasco, Avilez e seus homens puderam retornar a Portugal sem maiores represálias, deixando para trás uma fragata chamada Real Carolina, que teria grande importância na guerra vindoura entre a ex-colônia e sua metrópole.



            O novo exército imperial era composto principalmente pelas antigas milícias coloniais, e foram organizados batalhões de voluntários, com destaque para o “Batalhão dos Periquitos”, assim chamados pelas roupas verdes. Esse batalhão foi comandado por João Antônio da Silva Castro, conhecido como “O Periquitão”, e avô do poeta Castro Alves; além de liderar os voluntários em combate, Silva Castro também fabricava as munições e fuzis. Uma das integrantes mais ilustres dos “Periquitos” foi Maria Quitéria (para saber mais sobre ela, veja a lista das Mulheres na Guerra, do mesmo autor).



            As maiores batalhas ocorreram em quatro províncias: Grão-Pará, Maranhão, Piauí e Bahia. Os portugueses na Bahia ofereceram forte resistência sob o comando do rígido coronel Inácio Luís Madeira de Melo, apelidado de “Madeira Podre” pelos baianos, obrigando os brasileiros a usarem de guerrilhas para minarem as tropas lusas. A maior das batalhas foi a de Pirajá, próxima a Salvador, e apesar da desvantagem numérica (1300 patriotas contra 3200 lusos), os brasileiros venceram; Madeira de Melo e seus comandados abandonaram Salvador na calada da noite. Até hoje, o Dois de Julho é um importante feriado na Bahia.



            Outra refrega digna de nota foi a Batalha do Jenipapo, ocorrida no Piauí, próxima à localidade de Campo Maior. Nessa ocasião, sertanejos pobres armados de facões, foices, enxadas e espingardas de caça se bateram contra uma experiente tropa lusa, comandada pelo general José da Cunha Fidié. Embora tivessem vencido a batalha, os portugueses se viram obrigados a retornar ao litoral, após boa parte de suas armas e munições serem roubadas pelos sertanejos sobreviventes; Fidié logo se viu cercado por uma força conjunta de 8000 piauienses e cearenses e foi capturado, sendo mandado de volta a Portugal.
            Quando ficou claro que as invasões fracassaram diante da resistência local, o governo português não teve outra escolha senão reconhecer a independência de sua maior colônia, em 1825. O livre comércio entre as nações foi restabelecido, junto das relações diplomáticas, e Dom João VI fez três exigências finais: uma indenização pela perda do Brasil, a promessa de que o novo país não tentaria anexar colônias lusas na África, e a permanência do título de “Rei do Brasil”, enquanto seu filho seria o imperador. Essa última exigência de Dom João VI era de caráter pessoal e emocional, devido ao longo período em que esteve aqui.

5-“O Brasil não interferiu nos processos de independência dos países vizinhos”.

              


            Na escola costumamos aprender a independência da América Espanhola como um processo distinto da independência do Brasil, enfatizando o caráter popular das primeiras e convenientemente ignorando episódios mais violentos da nossa independência. Essa forma de ensino retrata os dois processos como absolutamente excludentes entre si, o que não é verdade. Em algumas situações os destinos das colônias espanholas seriam definidos por intervenções luso-brasileiras na região.



            O primeiro episódio de intervenção direta da coroa portuguesa nos negócios hispano-americanos foi uma das inúmeras intrigas de Carlota Joaquina. Inspirada pela mudança da corte lusa para o Rio de Janeiro, a esposa de Dom João VI decidiu fazer algo semelhante, aproveitando-se da condição de única integrante da família real espanhola a não ser capturada por Napoleão Bonaparte durante a invasão da Península Ibérica, e também da cumplicidade do almirante britânico Sir Sidney Smith.
            A ideia de Carlota Joaquina era criar um reino independente dentro do vasto Império Espanhol nas Américas, governado a partir do Vice-Reinado do Rio da Prata (atual Argentina), e para assegurar sua posição, ela entrou em contato com diversos líderes do cabildo (nome dado às administrações municipais na América Espanhola) de Buenos Aires, como Manuel Belgrano, Hipólito Vieytes e Nicolás Rodriguez Peña. Entretanto, Dom João descobriu a tramoia de sua esposa e a proibiu de sair do Rio de Janeiro, em 1809. No ano seguinte, estourou a Revolução de Maio em Buenos Aires, e com ela implodiram as esperanças de Carlota em criar um possível “Império Argentino”.


            


            Entre 1816 e 1820, outra intervenção luso-brasileira ocorreria na região do Rio da Prata, dessa vez mais “direta”: em resposta aos ataques dos gaúchos de José Gervásio Artigas às províncias sulistas, a coroa organizou uma divisão de Voluntários Reais, recrutados em Portugal; essas tropas lutaram ao lado das milícias de cavalaria já organizadas na região sul. Convém lembrar que o Brasil foi elevado a Reino em 1815, tornando essa campanha punitiva o seu “batismo de fogo” como nação.
            A vitória luso-brasileira na luta contra Artigas resultou no fim da Liga dos Povos Livres, também chamada Liga Federal; esta entidade abarcava o Uruguai, o oeste do atual Rio Grande do Sul e as províncias argentinas de Corrientes e Entrerrios. A Banda Oriental seria anexada ao Reino do Brasil com o nome de Cisplatina, e seria território brasileiro até 1828, com a Guerra da Cisplatina. Apesar da perda do território em uma guerra de resultado duvidoso, pode se afirmar que os brasileiros receberam um belo “prêmio de consolação”, ao evitarem o domínio de toda a região do Prata pela Argentina.



            Em 1825, quando a luta pela independência foi finalizada e a guerra da Cisplatina se aproximava no horizonte, o Brasil se envolveu no que provavelmente foi a mais insólita ação militar de sua história. Nesse ano, as autoridades imperiais descobriram uma série de cartas entre as lideranças das Províncias Unidas do Prata e Simon Bolívar, então presidente da Grã-Colômbia, levantando a hipótese que em caso de guerra entre o Brasil e os argentinos, Bolívar apoiaria os “hermanos”. Um dos brasileiros mais preocupados com essa possibilidade era o governador da província do Mato Grosso, Manuel Alves da Cunha.
            Nessa época, a República de Bolívar (atual Bolívia) era uma nação devastada pela instabilidade interna, e alguns representantes das províncias orientais de Chiquitos e Moxos se encontraram com Alves da Cunha, almejando saíram da confusão em troca da anexação dessas províncias pelo Império do Brasil. O governador do Mato Grosso imaginou que uma ação militar sobre Chiquitos e Moxos não apenas ampliaria o território Brasileiro, como também serviria de “demonstração de força” contra Bolívar.
            Alves da Cunha enviou uma força de quatrocentos soldados brasileiros para ocupar Chiquitos e Moxos, e a operação foi um tremendo sucesso. Entretanto, Pedro I ficou furioso ao descobrir a ação militar realizada sem sua permissão, e demitiu Alves da Cunha do cargo de governador, substituindo-o por José Saturnino da Costa Pereira, além de ordenar o retorno imediato das tropas enviadas.



            O mais impressionante nessa campanha militar é que ela cumpriu com o objetivo de evitar a intervenção de Bolívar, pelos motivos opostos aos almejados por Alves da Cunha. A atitude de Pedro I foi bem vista por Bolívar, em especial a demissão do governador do Mato Grosso, e o líder venezuelano se comprometeu a não auxiliar os argentinos em uma guerra contra o Brasil. A evidente fragilidade das nações hispano-americanas frente ao Império Brasileiro também motivou Bolívar a convocar o Congresso do Panamá, em 1826.

6-“A Guerra contra o Paraguai foi uma agressão injusta do Brasil contra um país mais fraco”.


            Nenhum episódio da história do Brasil e da América do Sul suscita polêmicas como a Guerra do Paraguai, também chamada Guerra da Tríplice Aliança. A quantidade de equívocos e mal entendidos a respeito desse conflito é impressionante, e talvez nunca seja solucionada por inteiro. Pensando nisso, irei tratar apenas um dos inúmeros mitos dessa guerra, talvez o mais persistente de todos eles, e de certa forma responsável por todos os outros enganos.
            A historiografia pós década de 1970 é amplamente desfavorável ao envolvimento do Brasil e de seus dois aliados, a Argentina e o Uruguai, tratando todo o conflito como se fosse meramente o ataque de um bando de “valentões” sobre um país mais fraco. Essa narrativa era utilizada para realizar uma crítica indireta aos militares brasileiros e argentinos, enquanto saudava o Paraguai como uma “proto-Cuba” na América do Sul, retratando esse país como um paraíso onde todos eram felizes, sob o sábio governo da família Lopez.
            Sabe-se hoje que o Paraguai buscou se modernizar, porém quase toda a tecnologia vinda do exterior tinha o fim de aumentar o poder bélico do Paraguai frente aos vizinhos, após anos de isolamento absoluto do mundo exterior. Enquanto o Império do Brasil era a única nação da América do Sul capaz de construir seus próprios navios de guerra, o Paraguai conseguiu edificar uma fundição em Ybicuí à custa de muitos empréstimos de países europeus, especialmente britânicos.



            Esse processo de abertura e modernização foi iniciado por Carlos Antonio Lopez, o segundo presidente do Paraguai. Apesar de algumas fronteiras não estarem bem definidas, Carlos Antonio não buscava a guerra contra os vizinhos, além de agir com redobrada cautela diante do Império do Brasil. Pouco antes de seu falecimento, Carlos Antonio deixou o poder com seu filho mais velho, Francisco Solano Lopez (para saber mais sobre ele, leia o artigo dos 10 Governantes Tirânicos que dariam bons Vilões da Literatura, do mesmo autor), além de aconselhá-lo a evitar se envolver em guerras, especialmente contra o Brasil.




            Solano Lopez estava disposto a transformar o Paraguai no “terceiro poder” da Bacia do Rio da Prata, capaz de enfrentar o Brasil e a Argentina de igual para igual. Sua estratégia inicial era angariar aliados em países mais fracos, como o Uruguai, e se reunir com os caudilhos das províncias argentinas de Corrientes e Entrerrios, geralmente hostis ao poder central em Buenos Aires. Nesse meio tempo, ele aumentou o exército paraguaio para 70000 homens, um número espantoso para um país que buscava “apenas se defender” de seus vizinhos.
            Em 1864, quando o Brasil atacou o Uruguai, em represália a saques nas fronteiras do Rio Grande do Sul, Lopez ameaçou partir para a guerra, mas as autoridades imperiais deram de ombros, acreditando que “ele não seria louco a esse ponto”. A investida paraguaia sobre a província do Mato Grosso foi devastadora, e apenas algumas fortalezas ofereceram desafios aos atacantes; foi o caso da colônia militar de Dourados, sob a liderança de Antônio João Ribeiro (para saber mais sobre ele, veja a lista dos 10 Militares que sacrificaram suas vidas em conflitos, do mesmo autor).

           


            Nesse meio tempo, Lopez exigiu que o governo argentino permitisse a passagem de suas tropas, a fim de facilitar a invasão do Rio Grande do Sul, o que foi prontamente recusado pelo presidente Bartolomeu Mitre, desejoso de não se envolver em atritos com o Império. A resposta imediata do tirano paraguaio foi declarar guerra à Argentina, e invadir a província de Corrientes, almejando obter ajuda da população local, desgostosa do governo central. Tal adesão não ocorreria, devido à violência dos paraguaios.



            O Brasil levaria um ano para se reorganizar e contra-atacar, um fato que já elimina a possibilidade de uma investida militar previamente organizada sobre o país vizinho. A primeira vitória após o choque inicial da invasão foi a do Riachuelo, onde a marinha imperial derrotou uma esquadra paraguaia; os guaranis saltavam sobre os navios brasileiros para capturá-los, além de usarem canoas com canhões pouco acima do nível da água, difíceis de serem atingidas por navios adaptados à luta em alto mar, mas a valentia dos marinheiros brasileiros repeliu a frota paraguaia.
            É curioso, aliás, que os livros didáticos pouco ou nada falam sobre as atrocidades guaranis cometidas nas vilas mato-grossenses, um “expediente” que se repetiria em outras regiões invadidas por eles, como as províncias argentinas de Corrientes e Entrerrios e as cidades gaúchas de Uruguaiana e São Borja. Nessas regiões, os invasores saqueavam tudo o que havia no caminho, estupravam mulheres e animais, e ainda “colecionavam” as orelhas dos inimigos caídos em batalha para fazerem colares.

         


            Os relatos das atrocidades paraguaias causavam fúria crescente nos brasileiros, e logo surgiram os primeiros corpos de Voluntários da Pátria. Essas unidades militares compunham uma curiosa parceria público-privada, com o governo imperial organizando a convocação geral e os cidadãos se oferecendo ao serviço, ou então mandando seus escravos para a guerra. Não foram raros os casos de escravos fugidos que se juntavam às unidades de Voluntários, ou de sociedades patrióticas cujos integrantes compravam escravos e iam para a guerra ao lado destes novos companheiros. Até mesmo índios e mulheres buscavam o alistamento.
            Em 1866, após a vitória aliada na Batalha de Tuiuti, a impossibilidade de uma vitória paraguaia na guerra era visível para qualquer pessoa com o mínimo de bom senso. Entretanto, “bom senso” não era a marca de Solano Lopez, e o “Senhor Supremo” continuaria insistindo em manobras desastradas, esgotando recursos e vidas. E assim a guerra seguiria até sua derrubada e subsequente perseguição e morte, em 1870.

7-“A Bolívia trocou o Acre por um Cavalo”.




            Essa história vez ou outra aparece no anedotário nacional, e não se sabe exatamente de onde surgiu, embora existam algumas pistas. Em 1867, diplomatas brasileiros foram até a Bolívia, a fim de obterem um tratado de fronteira na Amazônia. Na época, o país andino era (des)governado por Mariano Melgarejo, considerado um dos piores tiranos da América Latina; além de ter se envolvido na derrubada de dois presidentes bolivianos e matar pessoalmente um rival na disputa pelo poder, Melgarejo era um alcoólatra incorrigível, e assinou dois tratados desfavoráveis com o Chile e o Brasil.



            O tratado de 1867 foi firmado em Ayacucho, e segundo algumas variações da lenda, a terra em questão foi escolhida porque o cavalo dado de presente a Melgarejo colocou a pata dianteira sobre o Acre. Entretanto, o território entregue ao Brasil pelo tratado de Ayacucho não era o Acre, e sim o atual sudoeste do Amazonas, uma área de 150000 quilômetros quadrados. A confusão pode ter ocorrido porque esse mesmo território entregue ao Brasil fazia parte do Acre boliviano, antes de se tornar o sudoeste do estado do Amazonas.



            O Acre apenas se tornaria parte do Brasil após 1903, graças aos esforços de Plácido de Castro, um gaúcho que comandou as guerrilhas de seringueiros na região, e também a José Paranhos Jr, o Barão de Rio Branco. Com a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 1904, o Acre virou território brasileiro e o governo se comprometeu a construir uma ferrovia na região, além de indenizar a Bolívia em 2000 Libras Esterlinas.



            Diga-se de passagem, Melgarejo possuía um cavalo especial (ao menos para ele). No mesmo ano em que o Tratado de Ayacucho foi firmado, Melgarejo adquiriu um bonito cavalo branco, o qual chamou de Holofernes; o ditador ébrio gostava tanto do animal que dava cerveja para ele em um cocho especial, e ainda o comparava a Bucéfalo, o companheiro de batalha de Alexandre, o Grande. Esse cavalo, entretanto, foi comprado em um rancho da província de Cochabamba, e não foi um presente brasileiro.
            Lendas envolvendo trocas de cavalos por vastas porções de terra não são exclusividade brasileira ou boliviana, e variações do tema existem desde a era medieval. Uma das lendas mais conhecidas fala de um acordo feito entre os húngaros e o rei Svatopluk da Morávia (atual República Checa); em troca de um magnífico cavalo branco, o rei da Morávia deveria enviar um punhado de terra, grama e água, representando o território da atual Hungria. Ao descobrir a real natureza do “tratado”, Svatopluk declarou guerra aos húngaros, mas foi derrotado e se afogou ao cruzar um rio, enquanto fugia de seus perseguidores.

8-“Santos Dumont era Pacifista”.



            O inventor, cafeicultor e aviador Alberto Santos Dumont talvez seja um dos brasileiros mais conhecidos do período conhecido como “Belle Époque”, uma época de calmaria entre a Guerra Franco-Prussiana e a Primeira Guerra Mundial. Devido à sua personalidade pitoresca, Santos Dumont é uma figura de muitas lendas e boatos, mas ficaremos restritos à mais famosa delas, a respeito de seu alegado pacifismo.
            Santos Dumont mostrou seu interesse por máquinas e engenhocas durante a infância, inspirado pelos livros de Júlio Verne, em especial “A Volta ao Mundo em 80 Dias”. Um de seus passatempos nessa época era construir pipas e balões de seda, uma brincadeira que logo seria transferida para os seus experimentos, até a construção de seu primeiro dirigível, o N-1, em 1898. Diversos dirigíveis seriam projetados e construídos pelo engenhoso inventor, antes de Dumont finalmente partir de vez para as aeronaves mais pesadas que o ar.
            Vale lembrar que o balonismo não era exatamente uma novidade: no século XVI, o padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão testou um balão não tripulado na frente do rei de Portugal, e o Brasil utilizou balões de observação durante a Guerra do Paraguai. É pouco provável que Santos Dumont, tão aplicado ao construir suas máquinas voadoras, não tivesse sequer cogitado as possibilidades que surgiriam com o avanço dessa tecnologia.



            Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, Santos Dumont colocou-se à disposição do governo francês, oferecendo alguns inventos para análise do alto-comando; entretanto, o cientista foi obrigado a deixar a sua segunda pátria em 1915, após uma esdrúxula acusação de espionagem, e também devido à piora em sua saúde. No mesmo ano, ele participou do 11º Congresso Científico Pan-Americano, onde defendeu a integração dos países com o apoio das novas tecnologias aéreas.
            Comparado aos pacifistas modernos, Santos Dumont era menos ingênuo: embora não lhe agradasse ver engenhos aéreos sendo utilizados para o bombardeio de áreas civis (algo que ocorreu com frequência durante a Primeira Guerra Mundial), ele não se opunha ao uso deles em tarefas como reconhecimento de terreno e transporte. Durante demonstrações aéreas, Dumont buscava impressionar autoridades militares como forma de “marketing” para suas invenções, tanto que entrou em contato com uma delegação japonesa na França, a fim de apresentar seus balões e dirigíveis.



            Em 1917, Dumont enviou cartas ao presidente do Brasil na época, Venceslau Brás, alertando-o da necessidade de modernizar as forças armadas com aviões, um aspecto no qual o país se encontrava atrasado em relação aos vizinhos, como o Chile e a Argentina. Essas cartas estão reunidas em um livro de autoria do próprio inventor, chamado “O Que Eu Vi, O Que Nós Veremos”; nesse livro, Dumont lamenta a utilização dos aviões na Primeira Guerra Mundial, porém reconhece que muitos avanços são consequências de seu uso na área militar, como é o caso da resistência do aço utilizado na construção das aeronaves.
            Os últimos anos de vida foram difíceis para Santos Dumont. Uma combinação de esclerose múltipla com depressão o levou a uma série de internações, até que em 1931 ele ficou aos cuidados de um sobrinho, Jorge Dumont Vilares. No ano seguinte, os dois se hospedaram em um hotel da cidade de Guarujá, e Santos Dumont aproveitou-se da ausência de Jorge para se suicidar, enforcando-se com uma gravata; nenhum bilhete ou mensagem foi encontrado, restando apenas suposições a respeito da motivação para esse gesto.
            A hipótese mais aceita para o ato derradeiro do mais conhecido cientista brasileiro foi o bombardeio do Aeroporto Campo de Marte pelas tropas federais: Dumont teria ficado profundamente angustiado ao ver uma pequena esquadrilha indo em direção da capital do estado, com claros fins bélicos. Entretanto, é possível que a motivação para seu suicídio fosse mais antiga e profunda, algo perturbando não apenas ele, e sim uma geração inteira, anterior à Grande Guerra: o fim da Belle Époque criou (ou revelou) um mundo mais feio, incerto e violento, sem os refinamentos e sutilezas da passagem do Século XIX ao XX.

9-“Getúlio Vargas criou a primeira legislação trabalhista do Brasil”.



            Nenhum outro personagem da história do Brasil deixou um legado tão controverso quanto o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas. Ditador e democrata em períodos distintos, assim como progressista e reacionário de acordo com a situação, Vargas é considerado o criador do Brasil industrial que temos hoje, incluindo a defesa do trabalhador. Entretanto, ele não foi o pioneiro das leis do trabalho no Brasil, e para averiguar esse fato, basta ver a denominação de nossa CLT: Consolidação das Leis do Trabalho, e não “Código do Trabalho”.
            Considera-se que os primórdios das leis trabalhistas no Brasil são derivados de algumas leis de natureza civilista, datando da época do Império, quase todas sobre contratos de prestação de serviços. Um exemplo interessante é o Código Comercial de 1850, onde já existiam rudimentos do que hoje chamamos de aviso prévio, que obriga uma das partes a notificar antecipadamente a outra, caso ocorra rescisão do contrato de trabalho por tempo indeterminado, sem justa causa.
            Diversas leis brasileiras de defesa aos trabalhadores do final do Século XIX foram inspiradas pela encíclica “Rerum Novarum” de 1891, escrita pelo Papa Leão XIII, bem como pela Conferência do Direito do Trabalho em Berlim, datada de um ano antes. Um exemplo foi o Decreto-Lei 1313 de 1891, realizado por Manuel Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente do Brasil; este decreto regulamentava o trabalho dos menores de doze a dezoito anos.
            Em 1903 e 1907 surgiriam leis regulamentando sindicatos rurais e urbanos, enquanto em 1917 foi estabelecido o Departamento Nacional do Trabalho (DNT), o antecessor do Ministério do Trabalho, que seria criado em 1930. Nessa época, a luta trabalhista atraía diversas entidades políticas, e logo se tornaria um barril de pólvora prestes a explodir, se medidas não fossem tomadas. A Consolidação das Leis do Trabalho seria uma inevitabilidade após a criação da Justiça do Trabalho em 1939, bem como a industrialização sob a tutela do estado após 1942.



            Foi reunido um “time” de juristas consagrados na concepção da CLT, incluindo José de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luis Augusto Rego Monteiro, Dorval Marcenal de Lacerda e Arnaldo Lopes Süssekind. Diversas fontes seriam buscadas, dentro e fora do ordenamento jurídico brasileiro; o anteprojeto seria apresentado em 1943, e após estudá-lo ao lado dos coautores, Vargas assinou-o em 1º de maio do mesmo ano. A principal fonte da CLT foi o 1º Congresso Brasileiro de Direito Social, realizado em maio de 1941, a fim de festejar o cinquentenário da Encíclica Rerum Novarum; a fonte secundária utilizada se compôs de diversas convenções internacionais do trabalho.
            Ao contrário do que diz a corrente liberal da historiografia brasileira moderna, a principal inspiração da CLT não foi a “Carta Del Lavoro” italiana de 1927, estabelecida durante o regime fascista de Benito Mussolini. Embora exista certa ênfase no “controle social” dos trabalhadores em ambas, a CLT é mais extensa que a Carta Del Lavoro, com 921 artigos na época da promulgação, enquanto sua congênere italiana possui apenas trinta artigos.

10-“O Regime Militar era alinhado aos interesses dos EUA”.



            Durante os anos 1960, o governo americano apoiou diversas derrubadas de poder na América Latina, temeroso de uma “epidemia vermelha” na região. Quando João Goulart foi derrubado, a marinha americana moveu a chamada “Operação Brother Sam”, em apoio aos militares brasileiros, caso ocorresse alguma resistência; seria uma medida desnecessária, afinal Goulart deixou o poder sem esboçar intenções de lutar.



            Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro presidente do regime militar, adotou uma postura alinhada com os EUA, indenizando empresas americanas nacionalizadas em troca de empréstimos, e cortando relações diplomáticas com Cuba, já em 1964. Entretanto, o Brasil manteve “relações pragmáticas” com a União Soviética e o Leste Europeu; a essa postura, os diplomatas da época chamavam de “Universalismo Inevitável”, em reflexo das atitudes de governos anteriores na política externa.

                     



            Nenhum governo militar posterior seria tão amistoso às posições dos EUA como Castelo Branco havia sido. Durante o governo de Artur da Costa e Silva ocorreu o resgate da PEI (Política Externa Independente), e a busca de articulações com os países do Terceiro Mundo, com destaque para a Índia. Em 1968, o Brasil rejeitou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, argumentando que este apenas beneficiaria as nações que já dispunham da tecnologia; nesse mesmo ano, foi firmado um acordo nuclear com a Índia. O Brasil apenas aderiria ao TNPAN em 1998.



            Uma aproximação pragmática com a República Popular da China ocorreu durante o governo de Garrastazu Médici, bem como um acordo de importação de petróleo com a União Soviética. Entretanto, nenhum acontecimento desse período causaria tanto atrito com os EUA como a expansão do mar territorial para 200 milhas marítimas, por meio do Decreto-Lei 1098 de 1970. Tal ocorrência foi uma decisão unilateral do governo brasileiro, sem intervenções de outros países, e também se destaca por ter sido a primeira vez na qual os partidos rivais ARENA e MDB votaram entusiasticamente em conjunto.
            Em 1971, começaram os primeiros conflitos referentes à extensão do mar territorial: o deputado americano Sam Gibbons afirmou ter sido informado sobre um ataque de um navio de guerra brasileiro a oito barcos pesqueiros dos EUA, dentro dos limites das 200 milhas. O Ministério da Marinha desmentiu as notícias, afirmando que na eventualidade de ocorrer apresamento, não seria necessário empregar violência contra as embarcações pesqueiras, mesmo porque elas não seriam capazes de reagir a um navio de guerra.



            A Política Externa Independente seria ampliada no governo de Ernesto Geisel, sob a orientação do chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira, considerado um dos mais notáveis diplomatas brasileiros da era pós-Barão do Rio Branco. Em 1978, foi firmado o Tratado de Cooperação Amazônica entre Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Suriname e Guiana; esse Tratado foi uma resposta à Conferência de Estocolmo em 1972. No mesmo período, o Brasil reconheceu a República Popular da China como a “China legítima”.

             

            É preciso levar em consideração as mudanças na política externa do EUA nesse mesmo período: o apoio americano aos regimes militares na América Latina se converteria em franca hostilidade durante a década de 1970, mais notadamente durante a presidência do Democrata James Earl Carter, conhecido como “Jimmy” Carter, entre 1977 a 1981. Carter buscava se apresentar como um defensor dos direitos humanos, enquanto criticava países como o Brasil, Argentina e Chile, por não se comprometerem com os mesmos.


            Durante o governo de João Baptista Figueiredo, a política externa brasileira continuou o padrão de busca por melhores parceiros no Terceiro Mundo, e em duas ocasiões distintas o último governo militar seria dissonante com a política externa americana. O Brasil não acompanhou o boicote às olimpíadas de Moscou de 1980, organizado por Ronald Reagan; Figueiredo também condenou à invasão da ilha de Granada, em 1983.

 Texto escrito por Mateus Ernani Heizmann Bulow.

*Mateus, o escritor da postagem, é gaúcho da cidade de Santa Maria/RS, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), estudioso de História com vasto conhecimento sobre História do Brasil, escritor, poeta e autor dos livros "Taquarê: Entre a Selva e o Mar" e "Taquarê: Entre um Império e um Reino". 

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