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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

10 Mitos da Era Medieval.

                


  Olá, querido leitor! Como você imagina o período da Idade Média na sua cabeça? Como um período obscuro e sujo? Como a época da Peste Negra? Como um período retrógrado e isento de ciência? Como uma interminável caça às bruxas? Como um período machista e isento de mulheres no poder? Como um período onde as pessoas acreditavam que a Terra era plana? Como um período onde não havia República e apenas reis dominavam as suas terras? 
   Ou você acredita na Idade Média como um período bonitinho, repleto de príncipes encantados e seus cavalos brancos, cavaleiros medievais virtuosos e princesas da Disney?
    Saiba que a visão negativista acerca dessa época está equivocada apesar da visão romântica sobre ela também ser falsa. A realidade está em algum lugar sóbrio, moderado e isento de paixões políticas. Vamos fazer justiça à Idade Média e estudar como ela era de verdade? A Igreja Católica não foi tão obscurantista, os criacionistas reconheciam que a Terra era redonda, as mulheres não foram tão oprimidas como dizem (as moças do Império Bizantino eram cultas e tinham direito ao divórcio, por exemplo) e nem todos os lugares eram governados por reis. 
      Preparado para ver a Idade Média com mais realismo? Então, suba em seu cavalo, pegue a sua espada mais afiada para rasgar as vendas e os falsos véus sobre essa época e esteja preparado para essa aventura em formato de texto. Vamos derrubar 10 mitos da Era Medieval a seguir! Boa leitura!

***Observação: O texto abaixo foi escrito pelo amigo escritor Mateus Ernani Heinzmann Bulow. 


10 Mitos da Era Medieval.




Quando se fala na Idade Média, duas imagens costumam surgir na mente. A primeira delas é sombria e lúgubre, mostrando esse período como um vazio de conhecimento e progresso humano, dominado pela violência e pela superstição, ao lado das pestes e da fome. A outra visão é mais colorida e romântica, de cavaleiros heroicos salvando princesas e lutando contra dragões, enquanto lindos castelos ponteiam a paisagem dos campos.
Como seria de se esperar, a visão mais realista da Idade Média pende à primeira das formas habituais de analisar o período, mas esta também não se encontra totalmente correta. Na verdade, a Idade Média foi mais vibrante e diversa do que imaginamos, tanto na cultura como nas artes e na ciência, além de formar a base de boa parte do que nós chamamos hoje de “mundo ocidental”.
Boa parte dos enganos comuns a respeito da Idade Média deve-se ao Iluminismo iniciado no Século XVIII. Autores como Voltaire, Rousseau e Locke criticavam com veemência diversos aspectos do Regime Absolutista, enraizado em instituições do período anterior à Idade Moderna. É possível falar em “ressentimento” contra a Idade Média por parte desses autores, o que afetou as interpretações dos mesmos em relação ao período.
Estudos a respeito dos mitos sobre a Era Medieval não são novos, e essa lista com dez mitos é apenas um grão de areia no esforço da compreensão do passado, com foco na Idade Média europeia. Fiz um apanhado geral de assuntos, indo da vida cotidiana dos camponeses e passando por outros aspectos interessantes, como os armamentos, as formas de governo, a alimentação e tradições que sobreviveram ao fim da Era Medieval. Sem mais delongas, embarque na carruagem, e vamos em frente!

1-“As pessoas achavam que a Terra era plana”.


                   




A primeira vítima dos mal-entendidos envolvendo o período medieval costuma ser a ciência daquela época, vista como um mero suspiro tímido, envolto em superstição e opressão religiosa. Hoje se sabe que a ciência medieval se encontrava em um nível comparável ao da antiguidade, com seus respectivos altos e baixos e lugares amistosos aos sábios e cientistas, como as cidades-estados italianas e as cortes de monarcas mais tolerantes. Nesse fogo cruzado, o formato da Terra é outra vítima das interpretações erradas.


Sabe-se hoje que os gregos antigos já reconheciam a Terra como redonda, e o primeiro a calcular a circunferência do globo foi Eratóstenes de Cirene. O método de Eratóstenes se baseava na observação do sol e nas sombras de objetos, como estacas cravadas no solo; embora a técnica fosse boa, Eratóstenes errou por alguns quilômetros ao fazer seu cálculo, e seu engano influenciaria concepções posteriores.

             

Esse conhecimento sobreviveria à turbulência dos primeiros anos da Era Medieval, assim como várias descobertas realizadas anteriormente, graças à tão vilipendiada Igreja Católica. Um dos símbolos da autoridade papal nesse período tratava-se de um globo com uma cruz, chamado Globus Cruciger (falamos dele na lista das 10 Iconografias Cristãs), mais tarde adotado por monarcas de diversos países.



Outro personagem frequente no mito da Terra plana é Cristóvão Colombo. Até hoje vemos pessoas repetindo o mito de que o navegador genovês convenceu os reis Fernando de Aragão e Isabel de Castela do formato redondo do nosso planeta azul, quando na verdade a ideia dele era outra: Para Colombo, era possível alcançar as Índias dando a volta no globo, indo a oeste. Ele errou apenas no tamanho da circunferência da Terra, maior do que o esperado, bem como na presença de um “pequeno” obstáculo no caminho: As Américas.

2-“A higiene pessoal era precária e quase ninguém tomava banho”.


          

É quase automático esse pensamento: De um lado, castelos impressionantes, e em suas redondezas se vê uma massa sufocante de choupanas de madeira e palha, com sujeira para todos os lados. Nesse espetáculo nauseabundo, os camponeses são ainda mais sujos que suas humildes residências, cobertos de terra e dejetos de seus animais.



A maior parte dos relatos falando nesse lado “porquinho” dos homens medievais vem do Século XIX, influenciados pelo Iluminismo tardio. Entretanto, basta ver algumas ilustrações e gravuras da época para perceber que o banho era uma atividade que fazia parte do cotidiano medieval, mesmo se estes não ocorressem com a mesma frequência com a qual limpamos o corpo hoje em dia.
Um dos principais defensores do banho como prevenção de doenças foi o médico milanês Maino de Maineri, que viveu no Século XIV. Maineri descreveu nada menos que cinquenta e sete condições clínicas que poderiam ser tratadas com um simples banho, tais como diarreia e dores musculares, além de desaconselhar o banho após as refeições (um hábito observado até hoje).
Algumas cidades localizadas próximas a fontes de água ficariam famosas por seus banhos públicos, que eram opções em conta para os mais humildes. Possuir os próprios meios de se banhar era luxo para poucos; era comum oferecer às visitas uma tina cheia d’água para lavar o rosto e os pés. Essas casas de banho público também serviam como tavernas e casas de prostituição.
As casas de banho público entrariam em decadência no início do Século XV, após a passagem da Peste Negra pela Europa. Com a devastação causada pela doença, os europeus tornaram-se mais desconfiados a expor o corpo perto de outras pessoas, e mais tarde as viagens ao Novo Mundo trariam outra doença associada ao contato físico: A Sífilis.

3-“As mulheres eram menos livres”.



         

Este é outro estereótipo clássico associado a essa era, e até hoje é evocado pelos movimentos feministas, geralmente ao lado de alguma crítica indireta à Igreja Católica. A mulher durante esse período quase sempre é retratada como uma figura recatada, passiva e sofrida, oprimida pelo meio onde vivia.
A despeito do pensamento geral da época, deixando mulheres em situação inferior em relação aos homens, na prática não ocorriam diferenciações acentuadas entre os sexos, ao menos no trabalho diário. Era comum ver as esposas ajudando os maridos em seus ofícios e administrando a casa quando o esposo estava longe. Tal liberdade não era a mesma em todos os lugares: Em comparação com o oeste da Europa, as mulheres no Império Bizantino e nos territórios da atual Rússia costumavam ser mais cultas e tinham direito ao divórcio.
Um mito associado ao suposto tratamento ruim dado às mulheres é o da primeira noite de núpcias, que dava aos senhores feudais o direito de tirarem a virgindade de mulheres que se casariam em seus domínios. Não existem registros a respeito dessa bizarrice, mas sabe-se que alguns senhores cobravam taxas de servos que trouxessem noivas de feudos vizinhos. Ironicamente, os europeus medievais acreditavam que os povos bárbaros pagãos tinham esse costume da primeira noite de núpcias.



Diversas mulheres nobres se sobressairiam na história europeia, ofuscando seus companheiros e outros membros homens de suas famílias. Foi o caso de Eleanor da Aquitânia, esposa de Luís VII da França e mãe de Ricardo I da Inglaterra, uma das mais poderosas rainhas de sua época, controlando um território que compunha os dois países. Essa união dinástica entre França e Inglaterra seria um dos estopins da Guerra dos Cem Anos, onde as identidades de ambos os países seriam construídas na ponta da espada.



Outra rainha de destaque na passagem da Era Medieval para a Era Moderna foi Isabel de Castela, esposa de Fernando de Aragão. Durante o reinado dos chamados Reis Católicos, a Espanha seria unificada, os últimos reinos mouros cairiam ante as armas cristãs e as Grandes Navegações revelariam um Novo Mundo. Os espanhóis da época costumavam dizer “Monta Tanto, Isabel como Fernando”, indicando a igualdade dos monarcas sob a mesma coroa.

4-“Todos os lugares eram governados por reis ou nobres”.

      


Um dos aspectos associados à Era Medieval é a monarquia como forma de governo, mas a história prova que tivemos repúblicas no período, e não eram poucas. Vale lembrar que o Império Romano foi uma república durante um longo período, e esta experiência se repetiria na Itália, nas cidades de Gênova, Florença, Pisa, Veneza e San Marino (falamos de San Marino na lista das 10 Constituições ainda em vigor). Embora fossem pequenas, essas repúblicas marítimas eram ricas e poderosas, graças ao intenso comércio no Mar Mediterrâneo.
É digno de nota que a cidade de Roma foi convertida em uma república entre os anos de 1144 e 1193. Sob a liderança de Giordano Pierleoni, a população da cidade se rebelou contra o crescente poder do Papa e instaurou um senado, tentando emular a antiga República Romana. Essa curiosa experiência seguiria até a batalha do Monte Porzio, onde tropas do Sacro Império Germânico derrotaram os republicanos de Roma, forçando o retorno do Papa ao governo da cidade.



Falando no Sacro Império Germânico, deve-se observar que esta entidade era uma confederação de reinos e ducados semi-independentes, e entre eles existiam as Cidades Livres (“Freie Reichsstadt”, em alemão). Essas cidades eram parte do Império, porém gozavam de autonomia ainda maior, incluindo a forma de governo; a maioria das Cidades Livres era governada por um bispo ou um príncipe sem laços com as famílias mais influentes, e algumas eram repúblicas, como era o caso de Worms, Augsburg e Hamburgo.


Como visto anteriormente, algumas repúblicas medievais surgiram como reação à opressão dos monarcas, e o melhor exemplo é a Islândia. Outrora uma ilha desabitada, a Islândia sofreu um fluxo de “refugiados” após as guerras de unificação movidas por Harald Fairhair, o primeiro rei da Noruega (falamos dele e de sua esposa, Gyda Eiriksdatter, na lista dos 10 Casais da Realeza), e seria governada por um parlamento formado por líderes de clãs. A Comunidade Islandesa entraria em um longo período de guerras fratricidas no Século XIII, e após 1260 quase todos os líderes da ilha aceitariam a suserania do rei da Noruega.



Até na longínqua Rússia existiu uma república, na cidade de Novgorod. Apesar do nome, a República de Novgorod lembrava uma oligarquia feudal, dominada pelos prósperos comerciantes do Mar Báltico; seu território se estendia do norte da atual Rússia até o oeste da Sibéria. O declínio dessa república se deve tanto à independência da importante cidade de Pskov, no oeste, como às disputas territoriais com o Grão-Ducado de Moscou. Pskov e Novgorod seriam submetidas por Moscou, que se tornaria o núcleo da Rússia.

5-“Apenas os cavaleiros possuíam armaduras”.



Em comparação com as disciplinadas legiões romanas, exércitos medievais pareciam massas desorganizadas, com poucos homens de armadura a cavalo e uma centena de camponeses maltrapilhos, quase todos carregando lanças improvisadas e ferramentas como enxadas, pás e machados. Essa visão fazia sentido no início da Era Medieval, mas a situação dos guerreiros mais simples se inverteria durante a Baixa Idade Média.
Uma armadura completa era difícil de ser obtida, mas isso não significava que soldados sem sangue nobre estavam proibidos de utilizar proteções mais elaboradas. Da mesma forma que hoje um sujeito humilde pode pagar por versões mais baratas de um celular, um soldado a pé dispunha de opções acessíveis de armaduras metálicas; estas armaduras simples não protegiam o corpo com a eficiência da roupa metálica de um cavaleiro, porém como diz o ditado, “pouco é melhor que nada”.



É necessário frisar que cavaleiros raramente lutavam sozinhos, exceto em duelos individuais. Conforme os exércitos medievais se convertiam em forças permanentes, mais soldados adquiriam proteções corporais. Na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, surgiriam as chamadas armaduras de munição, que eram alojadas nos quartéis para oferecer proteção mínima aos soldados quando se fizesse necessário. As armaduras de munição eram feitas de uma liga de ferro e fósforo, mais resistente em comparação com ferro puro.

6-“Exércitos medievais não usavam armas de fogo”.



Assim como o mito anterior, essa afirmação era válida no início da Era Medieval, porém seria quebrada durante a Baixa Idade Média. Existem duas hipóteses de como a pólvora saiu da longínqua China até chegar ao Ocidente: A primeira delas afirma que mercadores trouxeram a pólvora consigo, enquanto outros registros apontam os exércitos mongóis a serviço de Genghis Khan como os responsáveis por apresentarem os europeus a esse novo método de guerrear.



O primeiro registro de um canhão utilizado em solo europeu data de 1346, na Batalha de Crecy; os ingleses utilizaram dois canhões contra seus inimigos franceses, sem grande resultado. Durante o decisivo cerco de Orleans, onde ocorreu o batismo de fogo de Joana D’Arc, os defensores da cidade utilizaram canhões, assim como os atacantes. Em Castillon, onde ocorreu a última batalha da Guerra dos Cem Anos, os franceses utilizaram canhões de diversos tamanhos, inclusive canhões de mão.



O canhão de mão é um tubo pequeno de metal com uma forquilha de madeira e disparado por meio de um buraco de pólvora. Os exemplares mais antigos datam de 1288 e foram encontrados na China (isso elimina o mito de que os chineses apenas usavam pólvora em fogos de artifício). Em comparação com arcos e bestas, o canhão de mão é desajeitado e impreciso, mas possui enorme vantagem na velocidade de treinamento dos soldados. O humilde tubo metálico serviria de base para todas as armas de fogo pessoais que surgiriam nos séculos seguintes.



No final da Idade Média, outra arma de fogo de pequeno porte apareceria em 1411, chamada arcabuz. Seu formato era aparentado com as espingardas modernas, além de ser disparado por um pavio ligado à pólvora e um gatilho, mais seguro em comparação com o canhão de mão. Alguns governantes da época reconheciam o poder do arcabuz e de outras armas de fogo, como é o caso de Matias Corvino, rei da Hungria: Nada menos que um em cada cinco soldados de seu exército portava um arcabuz ou canhão de mão.

7-“A Autoridade Papal era Inquestionável, e perseguições contra hereges e bruxas eram frequentes”.



No início da Idade Média o número de cristãos era menor que o atual. A conversão de povos bárbaros foi difícil, pois muitos deles veneravam deuses tradicionais ao lado de símbolos cristãos. Era normal um marinheiro viking rezar a Thor e a Jesus antes de partir em uma viagem, afinal para ele o homem que morreu na cruz era apenas um deus a mais no panteão. A solução encontrada pelos monges ao catequizarem povos aguerridos foi apresentar Jesus como um ícone da vitória sobre o mal, enfatizando o lado belicoso de sua figura.



Mesmo com todo o esforço dos missionários, muitas regiões europeias continuariam dominadas pelos pagãos. Um exemplo é a Samogícia, no oeste da atual Lituânia, onde o paganismo dominaria até o Século XV, com o deus do trovão Perkunas liderando o panteão. Foram necessários duzentos anos para converter os habitantes da Samogícia, além de muito sangue derramado, entre poloneses, lituanos, ordens de cavaleiros alemães e pagãos.
Conversões agressivas eram desencorajadas pelo Papado, pois almas mortas não podiam ser salvas. O Papado se intrometia na política dos reinos, muitas vezes tentando impedir perseguições injustas a determinados grupos, como judeus e bruxas. Um dos exemplos mais notórios da interferência da Igreja foi uma carta enviada pelo Papa Gregório VII ao rei Harald III da Dinamarca, ordenando-o a cessar perseguições às mulheres acusadas de bruxaria, sob o argumento de que as bruxas não existiam. Perseguições similares ainda ocorreriam na Europa, a despeito da pressão religiosa.



Apesar do reconhecimento nominal da supremacia papal por outros soberanos, na prática o Papado necessitava se defender com frequência, inclusive de agressões militares. A Península Italiana sempre foi um palco de guerra, e Papas também lideravam exércitos, como Júlio II. Conhecido pelo temperamento explosivo, Júlio II era temido pelas cidades-estados próximas a Roma, e seus dez anos à frente da mais importante posição da cristandade foram marcados por vitórias militares.


Uma das maiores reações à Igreja Católica foi a rebelião dos Cátaros, no sul da França, em 1205. Os Cátaros, também chamados Albigenses, acreditavam na existência de dois deuses, um bom e outro mau, além de chamarem o Papa de “Filho do Demônio”. De início o Papado tentou negociar com os Cátaros, mas o assassinato de um emissário serviria de estopim ao conflito, com veteranos das Cruzadas ao Oriente Médio se juntando à refrega, que duraria de 1209 até 1229. Alguns historiadores classificam a ação dos Estados Papais e de seus aliados como “genocida”.



Em 1419, outra rebelião religiosa explodiria na atual República Checa. As chamadas Guerras Hussitas seriam iniciadas pela execução do monge Jan Hus, acusado de heresia, e nada menos do que cinco cruzadas convocadas pelo Papa foram derrotadas pelos rebeldes checos. Um dos maiores comandantes Hussitas foi Jan Zizka, um latifundiário cego de um olho, responsável pela criação de uma nova forma de guerrear contra os cavaleiros medievais, utilizando carretas e canhões de mão.
Diferentemente da Cruzada Albigense, as Guerras Hussitas acabariam em tratados favoráveis aos rebeldes, ou ao menos parte deles. Por volta de 1423, os Hussitas se dividiram em Utraquistas e Taboritas; os Utraquistas eram moderados dispostos a assinarem um acordo de paz com os católicos, algo inaceitável para os Taboritas. Após a morte de Jan Zizka, os Taboritas mudaram o nome para Sirotci (“Órfãos”, em checo), e foram derrotados na batalha de Lipany, por uma força conjunta de católicos e Utraquistas. Considera-se que os conflitos Hussitas serviram de “ensaio” para a Reforma Protestante de 1519.

8-“Com exceção da Nobreza e do Clero, quase ninguém comia carne”.

            
           
                  

Voltando à vida cotidiana dos camponeses, passamos por esse mito comum em livros mais antigos. Sabe-se hoje que os homens da época contavam com uma gama variada de alimentos, salvo durante os períodos de escassez. Embora alguns animais de caça fossem exclusividade dos senhores de terra, como veados e faisões, a carne foi mais comum na mesa das classes populares do que se imagina.
A disponibilidade de alimentos não era a mesma em todas as regiões ou durante todo o ano. Ovelhas e vacas, por exemplo, eram mais populares ao norte, enquanto a França e a Península Ibérica eram territórios dos criadores de porcos. Na Quaresma e na Páscoa o consumo de carne dava lugar ao de peixe, e os europeus viam “peixes” em praticamente todos os animais aquáticos, incluindo mariscos, lagostas, golfinhos e baleias.

           

As galinhas e os porcos eram os animais mais importantes à população pobre, devido à facilidade de manter um bom número desses animais sem necessidade de extensas pastagens. Outra vantagem está no ciclo reprodutivo: Enquanto vacas e ovelhas costumam ter uma cria por vez, uma porca consegue ter dez ou mais leitões em apenas uma gestação, e uma galinha nunca para de botar ovos.
Os porcos eram animais significativos à economia medieval, pois eles serviam para tudo: Os pelos são bons para fazer pincéis, enquanto a gordura é usada na fabricação de velas, sabão e até óleo lubrificante para rodas de carroças. Havia certo orgulho entre os cristãos ao comerem porco, pois judeus e muçulmanos eram proibidos de consumir esse animal.





Animais caçados forneciam outra fonte importante de proteína, ao lado dos animais domésticos, e essas ocasiões muitas vezes uniam nobres e plebeus na busca pelo jantar. Lebres e javalis eram as presas mais comuns, porém praticamente todo bicho era aproveitado, de uma forma ou outra. As caçadas eram excelentes oportunidades para se demonstrar força e coragem, com destaque para a caçada de javalis.

9-“Todas as expedições à Terra Santa resultaram em retumbantes fracassos, com exceção da Primeira Cruzada”.



Nenhum evento marcaria a Idade Média como as Expedições de Cristo, chamadas tardiamente de Cruzadas pela historiografia moderna. Na verdade, as Cruzadas não ficaram restritas à Terra Santa, indo de lugares tão distantes como o norte da Europa e a Península Ibérica. Como ocorreram inúmeras guerras entre cristãos, islâmicos e pagãos, falarei apenas das principais aventuras europeias no Levante, somando oito expedições.
O estopim da primeira Expedição de Cristo foi o pedido de socorro do imperador bizantino Aleixo I, cujo reinado se encontrava sob a ameaça dos turcos Seljúcidas.  Muitos fatores levariam à reconquista de Jerusalém, tais como devoção religiosa, desejo de adquirir terras, proteger peregrinos e combater inimigos do cristianismo. Havia ainda a preocupação do papa Urbano II com a violência entre cavaleiros; Urbano II acreditava que usar a agressividade dos guerreiros contra inimigos da cristandade faria bem aos fiéis.



O estabelecimento do Reino de Jerusalém e de outros estados cristãos no Outremer (literalmente, “Além-Mar” em francês medieval) marcou o fim da Primeira Cruzada, mas a defesa dos frágeis territórios dependia dos cavaleiros e peregrinos vindos do ocidente. A necessidade de defender a região levaria ao surgimento de ordens de cavaleiros, como os Templários, os Hospitalários, os Teutônicos, entre outros grupos.
A Segunda Cruzada foi iniciada pela queda do Condado de Edessa diante do exército islâmico de Imadadim Zengi, fundador da dinastia que leva seu nome. A expedição cristã para libertar Edessa foi derrotada, mas influenciou o rumo da Reconquista Ibérica: O exército combinado de cruzados vindos de toda a Europa auxiliou o rei Afonso I de Portugal a expulsar os islâmicos de Lisboa. Imadadim Zengi, por sua vez, não teria tempo de aproveitar sua vitória, sendo assassinado por um escravo logo após vencer os cruzados.



Com o fim de Zengi, outra dinastia islamita surgiria na região, chamada Aiuíbida; o fundador desse império foi Saladino, o primeiro muçulmano a reconquistar Jerusalém, após anos de supremacia cristã. Muitos reis participaram da Terceira Cruzada, com destaque para Richard I da Inglaterra, o único adversário nunca derrotado por Saladino. A “Cruzada dos Reis” terminou em vitória militar para os cruzados e com o estabelecimento de um domínio cristão na cidade de Acre, porém Jerusalém continuaria com os islâmicos; Saladino se comprometeu a respeitar peregrinos cristãos.
Mais Cruzadas ocorreriam no futuro, e nenhuma delas repetiria os feitos das primeiras expedições. A Quarta Cruzada terminou em tragédia, com o saque de Constantinopla e o enfraquecimento do Império Bizantino, enquanto a Quinta Cruzada terminou em outra derrota militar para os cristãos. A Sexta Cruzada terminaria com vitória diplomática de Frederico II do Sacro Império Germânico, sem necessidade de invadir Jerusalém. Tanto a Sétima Cruzada como a Oitava Cruzada foram lideradas pelo rei Luís IX da França, sem obter sucesso.
Vendo em retrospecto, o primeiro impulso é imaginar que as Cruzadas não passaram de perda de tempo, recursos, energia e vidas. Entretanto, os domínios cristãos no Outremer compuseram o primeiro caso de colonialismo europeu em terras distantes, e as viagens além-mar tornaram os europeus mais familiarizados com diversas especiarias do oriente, como o açafrão, a noz moscada, a canela, a cânfora e o cravo da índia. A Era das Navegações deve muito ao período cruzadista e à valentia dos cavaleiros, nobres, clérigos, mercadores e camponeses que largaram tudo para retomarem Jerusalém.

10-“Os cavaleiros sumiram após o fim da Era Medieval”.




E terminamos a lista com uma instituição que resistiu ao fim da Era Medieval, e ainda se encontra firme e forte, a despeito das mudanças radicais nos métodos de guerrear na Baixa Idade Média. Os cavaleiros perderiam sua importância nos campos de batalha conforme os exércitos europeus se tornavam forças profissionais, porém alguns símbolos tradicionais sobreviveriam ao advento da pólvora, ao menos durante alguns séculos.

        

Durante a transição entre a Era Medieval e a Idade Moderna, surgiram dois guerreiros a cavalo que ainda carregavam o legado de seus antecessores: Os Reiters e os Gendarmes. Os Reiters surgiram na atual Alemanha, e eram homens de armadura a cavalo levando pistolas e espingardas. Os Gendarmes, por sua vez, foram criados na França, e lembravam muito os cavaleiros de antigamente, armados com lanças e proteções pesadas.




Tanto os Reiters como os Gendarmes deixaram as armaduras de lado após o Século XVII, enquanto soldados a pé se tornavam a força dominante nos campos de batalha. No aspecto linguístico, os Gendarmes deixaram sua marca na palavra “Gendarmaria”, muitas vezes usada para se referir às polícias militares de alguns países.

        

Algumas ações de ordens de cavalaria posteriores à Idade Média são impressionantes, com destaque para os Cavaleiros Hospitalários diante do Império Otomano pelo domínio do Mar Mediterrâneo. Esses guerreiros foram um obstáculo ferrenho à expansão dos turcos, mesmo lutando em desvantagem numérica e de armamentos. Duas lutas dos Cavaleiros Hospitalários são dignas de nota, nas ilhas de Rodes e Malta.
A primeira batalha em Rodes ocorreu em 1522, e aos cavaleiros sobreviventes foi garantido o direito de saírem da ilha, sem serem perturbados pelos turcos. Os Hospitalários se instalaram na ilha de Malta, com ajuda do rei Carlos I da Espanha (falamos dele e de sua esposa, Isabel de Portugal, na lista dos 10 Casais da Realeza), e de sua nova base eles moviam ações contra piratas muçulmanos, além de atacarem portos no norte da África.

        

Em 1565, os Hospitalários e o Império Otomano entrariam em outra guerra. O Grande Cerco de Malta terminaria com a vitória dos Hospitalários e seus aliados malteses e espanhóis, a despeito da disparidade entre as forças (35000 turcos contra 9000 cristãos). A vitória da Ordem foi um dos eventos mais celebrados em sua época, e marcaria o início da retomada cristã no Mediterrâneo.




Nem todas as ordens mantiveram a condição militar: A moderna Ordem Teutônica, por exemplo, perdeu seu aspecto combativo em 1929, adotando caráter puramente católico. A Ordem Teutônica foi temporariamente abolida durante o período nazista na Alemanha e na Áustria, e alguns integrantes se juntaram às resistências civis ao regime. Ironicamente, a propaganda nazista utilizava os cavaleiros teutônicos como símbolos nacionalistas.
A despeito de muitas ordens terem se tornado instituições de caridade, como ocorreu com os Teutônicos, até hoje existem ordens militares e monásticas denominadas como “cavaleiros”. Alguns exemplos são a Ordem do Santo Sepulcro, da qual o próprio Papa é o Grão-Mestre, a Ordem de Malta (herdeira direta dos Hospitalários) e a Ordem de Avis, sendo essa última nativa de Portugal e liderada pelo presidente da república portuguesa.


Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bulow, gaúcho de Santa Maria/RS.

O autor desse texto, Mateus Bulow, tem vasto conhecimento de História. Ele é Bacharel em Direito, poeta, historiador nato e escritor com dois livros de fantasia publicados:





*Taquarê -- Entre a Selva e o Mar.






*Taquarê -- Entre um Império e um Reino. 



*Conheça mais a respeito dos livros dele nos seguintes Links:


https://www.skoob.com.br/taquare-entre-a-selva-e-o-mar-844417ed849687.html

http://tatycasarino.blogspot.com/2017/06/taquare-entre-selva-e-o-mar_68.html

http://tatycasarino.blogspot.com/2019/04/divulgacao-de-livro-taquare-entre-um.html 


*Confira mais textos do nosso colunista Mateus:


*10 Casais da Realeza


http://tatycasarino.blogspot.com/2018/09/10-casais-da-realeza.html

*10 Constituições Antigas que continuam em vigor


http://tatycasarino.blogspot.com/2019/06/10-constituicoes-antigas-que-continuam.html

*10 Curiosas Iconografias Cristãs

http://tatycasarino.blogspot.com/2018/07/10-curiosas-iconografias-cristas.html

*10 Governantes Tirânicos que poderiam ser vilões da Literatura

http://tatycasarino.blogspot.com/2018/04/10-governantes-tiranicos-que-poderiam.html

*10 Mitos sobre a História do Brasil

http://tatycasarino.blogspot.com/2019/08/10-mitos-sobre-historia-do-brasil.html

*Confira todas as postagens que o Mateus escreveu para colaborar com o Recanto da Escritora:

http://tatycasarino.blogspot.com/search/label/Mateus%20Ernani%20Heinzmann%20Bulow



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