O caderno digital de Tatyana Casarino. Aqui você encontrará textos e poesias repletos de profundidade com delicadeza.









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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Transverberação




A alma tem muitas moradas,
mas uma única flecha de fogo 
é capaz de penetrar o coração.
Senhor, deixe-me ser tua bem-amada. 

Bem-aventurados os que choram,
pois eles serão consolados.
As feridas da Tua Justiça, Senhor,
são as minhas graças de amor.

A mente não alcança o céu,
mas o coração voa até o paraíso.
As chagas do Senhor são como mel:
dores que precedem doces sorrisos.

Agora tudo é revelado à alma,
incluindo a causa da angústia.
A angústia é a dor do coração
quando se separa da divina redenção.

Estive longe de Ti, Senhor,
em moradas superficiais da alma.
Mas, agora penetro mais fundo em mim,
sentindo a glória que vem de Ti.

Quando não estamos em comunhão,
quando não nos casamos com o Cristo interno,
o diabo lança os seus loucos redemoinhos
e somos como engaiolados passarinhos.

O nosso Deus não é o da confusão,
nosso Deus é o da ordem e o da clareza:
Ele é a suave intuição daquela beleza
que traz paz dentro do nosso coração.

O diabo, por sua vez, ama a confusão.
Ele é aquele que lança maus pensamentos,
turva a visão e angustia o coração.
Atentemos, pois, aos nossos sentimentos.

Poderíamos dizer que a paz é divina
e a angústia uma louca usurpadora.
O paraíso dos homens é a paz no coração,
como afirmava sabiamente Platão.

Mas, existe uma dor que é boa
e não causa temor nem confusão.
Essa dor que vem do Altíssimo
é uma flecha de fogo ao coração.

A dor da verdade é reta e clara,
a verdade dói, queima e purifica.
As dores que vem retas são do Senhor,
pois as boas dores nos santificam.

Enquanto o diabo, com o seu tridente,
lança perturbações que giram em círculos,
retas flechas caem do Deus onipotente
que lança dores de luz ao caminho.

Como eu amo a dor da verdade, Senhor!
Como eu amo a luz da Tua Justiça!
Infelizmente, as pessoas fogem dessa dor
e preferem vendar os lindos olhos da Justiça.

Atinja-me com as tuas flechas de luz,
queima as minhas entranhas, Senhor!
Faça do meu coração o seu supremo lar
e ensina-me a intensamente a amar.

O fogo do Teu amor rasga a pele,
perfura o coração como uma flecha.
E, quando as minhas entranhas queimam,
suspiro profunda pela doce dor em festa.

Essa é a boa dor da flecha,
o fogo que vem do Altíssimo.
A transverberação é uma festa
que os anjos fazem no espírito.

Aproxima-te, oh! meu anjo, agora
e acerta em meu coração essa flecha.
Já chegou a minha doce e profunda hora
de penetrar nessa dor divina e terna.

É a flecha que penetra na alma?
Ou a alma que penetra na dor?
A fé é fogo que, como o amor,
arde sem se ver, oh! esplendor!


Poesia escrita por Tatyana Casarino.


           


*Transverberação é o fenômeno místico experimentado por alguns santos, tais como São Francisco de Assis, Santa Teresa D'Avila e São Pio de Pietrelcina. Nesse fenômeno, serafins com flechas incandescentes visitam as almas amantes de Cristo. 

*A imagem da postagem é a famosa escultura chamada "O Êxtase de Santa Teresa" de Gian Lorenzo Bernini localizada na Igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma. 

Tatyana Casarino é Especialista em Direito Constitucional, advogada, escritora e poetisa. Tatyana escreve poesias místicas e religiosas. 


             


"Amar pelo bem de ser amado é próprio do ser humano, mas amar pelo bem do amor é próprio dos Anjos." Alphonse de Lamartine, poeta francês (1790-1969). 

"Ao dar-se a Deus, o coração não perde sua natural ternura, pelo contrário, essa ternura cresce ao tornar-se mais pura e mais divina." Santa Teresinha do Menino Jesus (1873-1897). 

                     



        Essa poesia foi inspirada no fenômeno espiritual da transverberação, uma experiência mística onde a flecha de um anjo atravessa o coração de uma pessoa, causando-lhe grande ferida. A dor da transverberação é espiritual e corporal ao mesmo tempo, mas também é um êxtase onde a pessoa atinge um novo estado de consciência e fica "abrasada" no imenso amor de Deus. 
     A transverberação mais famosa da história da Igreja Católica é a de Santa Teresa D'Avila (1515-1582), a primeira mulher que se tornou Doutora da Igreja. Segundos os seus relatos, um anjo de face bela e reluzente apareceu diante dela com um dardo de ouro cuja ponta de ferro apresentava fogo. Ela sentiu o anjo perfurando o seu coração com o dardo diversas vezes ao mesmo tempo em que se sentia abrasada pelo imenso amor de Deus. O seu coração se expandia em amor e ela alcançou o ápice de sua evolução espiritual e o ponto supremo de sua vida, sua obra e sua santidade. 
      Apesar da dor da transverberação ser grande a ponto de causar desconforto no coração e gemidos, não é uma dor angustiante ou confusa. Tal dor é sublime, suave e amorosa e representa o contato mais supremo de Deus e de seu caloroso amor com uma alma. Passamos a expandir o amor de Deus em nosso próprio coração. Como nosso coração, por vezes, é pequeno (literalmente e espiritualmente) para manifestar o fogo do amor de Deus, é preciso que uma ferida o atravesse para que ele possa expressar todas as potências do amor. 
     A santa espanhola Teresa D'Avila (não confundir com a santa francesa Teresinha) jurou fazer sempre o que fosse perfeito e agradável a Deus e sua vida altamente contemplativa atuou intensamente durante a Contra Reforma. Juntamente com São João da Cruz, fundou a Ordem dos Carmelitas descalços (coincidentemente, a Ordem da qual fez parte outra santa chamada Teresa: a santa Teresinha do Menino Jesus séculos depois na França). 

            


   
    Após a partida de Teresa D'Avila para a morada celeste (sua morte ocorreu em 1582), a autópsia revelou que havia a cicatriz de uma profunda ferida. Em 1591 -- quase dez anos após a sua morte e vinte anos depois da transverberação -- exumaram o seu corpo e perceberam que ele estava incorrupto. Mas, então, a pedido de um bispo, o coração de Teresa foi retirado e analisado, sendo exposto na cidade de Alba de Tormes, onde ela morreu. 
         Para a surpresa da população, havia em seu coração uma ferida cicatrizada e com sinais de cauterização -- essa é uma das grandes provas da transverberação. O mais milagroso do fenômeno é o fato de que uma ferida dessa estirpe no coração não matou a santa, a qual conviveu com essa ferida por dez anos. 
                 Muito embora a parte corporal do fenômeno chame a atenção e seja uma importante prova da existência dos milagres e dos acontecimentos místicos, o mais importante de todo e qualquer fenômeno espiritual está no que ocorre no interior da alma do santo. No processo de santificação, o mais importante é o que acontece com o espírito e não o que acontece no corpo. Alguns santos experimentaram chagas espirituais, mas raros foram aqueles que experimentaram chagas corporais também. As chagas corporais, no entanto, são apenas reflexos das chagas da alma. 
              Consoante São João da Cruz, quanto mais intenso é o deleite, e maior a força do amor que produz a chaga dentro da alma, tanto maior é também o efeito produzido na chaga corporal, e crescendo um, cresce o outro. Tal constatação do santo eleva a importância dos fenômenos místicos interiores. Nesse sentido, apesar dos fenômenos corporais parecerem mais fantásticos, os fenômenos espirituais são as forças mais fantásticas que os santos experimentam e as verdadeiras causadoras das chagas do corpo. 
               A santa Teresa D'Avila foi abençoada com os dois fenômenos místicos: o do espírito (aquele que atingiu seu coração espiritual e expandiu o amor e a caridade em sua alma) e o corporal (aquele que atingiu o seu órgão cardíaco de fato). 
       Por fim, salienta-se que a transverberação ocorre quando a alma é completamente invadida pelo amor divino. Deus age na alma para aumentar a caridade nela. É como se fosse um ardente chamado para o amor fraterno, uma ardente vocação para amar o próximo independentemente de como ele seja.


                     


          Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a santidade não é atingida após o exercício de um longo "perfeccionismo moralista", mas sim com uma entrega absoluta ao fogo ardente do amor de Deus que supera todo e qualquer entendimento ou moralismo. Em verdade, o caminho da santidade é o caminho do progresso do amor, onde almejamos uma perfeita caridade dentro do coração. Para alcançar esse estágio, é preciso driblar a mágoa, o medo, a revolta diante da rejeição e a tendência a pensar mal de nossos inimigos. 
       Muitos podem pensar que o caminho do amor é um caminho fácil e sentimentalista se comparado ao caminho da penitência. Todavia, o caminho do amor é difícil e grandioso a ponto de abranger todas as glórias e penitências: amar pela dádiva do amor sem esperar recompensa é uma glória e amar os próprios inimigos -- suportando as injúrias e as rejeições com serenidade -- não deixa de ser a mais alta e nobre das penitências. O amor exige que superemos a nós mesmos -- trabalho árduo digno dos santos. 
              Se você se acha mais virtuoso que os seus inimigos ou pares, você ainda não alcançou a suprema e verdadeira virtude da caridade. E não adianta ser virtuoso e isento de caridade na alma para a evolução espiritual e santidade. Se você despreza os pecadores e rejeita quem pensa diferente de você, você está longe de Deus e não perto das graças Dele. O maior sinal de que você está realmente na presença de Deus é um profundo amor por todas as pessoas, incluindo as mais pecadoras. Esse amor é como uma ferida no peito suave e profunda que, embora pareça lânguida, é a força mais suprema do universo. 

Tatyana Casarino. 




Leitura: Carta de São Paulos aos Coríntios. 



1 Coríntios 13 
1 Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
2 E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
3 E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
4 O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
5 Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6 Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
7 Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8 O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
9 Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
10 Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11 Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
12 Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13 Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.


Saiba mais sobre o fenômeno místico da transverberação, acessando esse link com explicação do Padre Paulo Ricardo:

https://padrepauloricardo.org/episodios/o-que-e-a-transverberacao
Saiba mais sobre as "Moradas da Alma" ou etapas da vida mística segundo Santa Teresa D'Avila:

https://pt.aleteia.org/2016/04/23/moradas-da-alma-as-etapas-da-vida-mistica-segundo-santa-teresa-de-avila/



Saiba mais sobre o "Livro das Moradas" também chamado de "Castelo Interior" e de "As moradas do Castelo Interior", obra escrita por Santa Teresa D'Avila: 

https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Castelo_Interior

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