Como advogada e cidadã, fico perplexa diante das barbáries dos crimes passionais. Parecem loucuras inimagináveis as frases doentias do tipo: "Eu te odeio, mas por favor não me deixe". Homens que não são capazes de ouvir um "não" de suas namoradas ou que preferem matar a mulher a suportar o fim de um relacionamento assustam a sociedade. Mulheres que agem de forma tóxica e manipuladora quando um homem termina o relacionamento com elas são igualmente doentias. Pessoas que matam as outras em nome do "amor" geram perplexidade. Mas, em nome de qual "amor" as pessoas matam?
O amor não mata. É totalmente ilógico e irracional dizer que alguém matou "por amor". São as paixões que matam. Por isso, o nome desses crimes se refere à paixão e não ao amor. Crime "passional": notem que a sua expressão vem da paixão. E, quando dizemos "paixão", vamos nos aprofundar no sentido amplo dessa palavra. Não é simplesmente a "paixão" entre um homem e uma mulher ou o sentimento de estar "apaixonado". Paixão quer dizer impulso, excesso de sentimento, descontrole emocional e tudo o que é relacionado a natureza corruptível do ser humano como, por exemplo, os seus vícios.
Uma pessoa passional é uma pessoa que age sem pensar, que coloca as suas paixões acima da razão. Uma pessoa passional é aquela que fica "cega" quando sente ira, gula, luxúria, orgulho, inveja e etc. Passional é quem age de acordo com o seu lado "animal" e não sabe colocar "freios" em suas ações. É a pessoa "pecadora" no sentido católico do termo, porque a natureza corruptível do ser humano e com inclinações para o mal passou a existir a partir do momento que o pecado entrou no mundo.
Podemos observar que, geralmente, os sentimentos ruins que provocam as más ações e os crimes também são considerados "pecados capitais" para a teologia católica (orgulho, ira, inveja e etc). O pecado capital leva esse nome por ser a "cabeça", ou seja, a origem de todos os outros pecados ou ações más. Esses sentimentos passionais, além de serem considerados "pecados", são altamente destrutivos quando desordenados.
Independentemente de você crer na teologia católica ou não, o fato é que esse estudo sobre o "pecado" ou sobre a nossa natureza no sentido místico pode ajudar o mundo jurídico a compreender o porquê da nossa natureza criminosa. E digo "nossa" natureza criminosa, porque todos nós temos um bandido escondido no inconsciente. A razão pela qual o noticiário sangrento fascina e vende é por extravasar o lado feio e sujo do nosso inconsciente. Quando vemos o outro ser humano cometendo coisas ruins, ficamos apavorados. Diante disso, o pavor não é somente o medo de ser vítima de um bandido qualquer, mas também o medo do que eu sou capaz de fazer enquanto ser humano. Até onde vai a maldade humana? Temos medo do nosso próprio livre-arbítrio e da possibilidade de praticar o mal.
Quando sentimos medo do mal, também sentimos medo da possibilidade de praticar o mal e do livre-arbítrio que foi dado para nós. Como o filósofo Sartre dizia, estamos "condenados a ser livres". A responsabilidade diante da escolha entre o bem e o mal pesa nos nossos ombros, porque não existe liberdade de escolha sem a responsabilidade das consequências -- eis o paradoxo da vida.
Uma prova de que temos medo de praticar o mal quando nos deparamos com o abismo da nossa natureza e com os "demônios" que habitam a mente humana, é o crescente número de pessoas que admitem sofrer de "fobia de impulsão". Sabe-se que a fobia de impulsão é o medo extremo de seguir um impulso, perder o controle e fazer mal a si mesmo ou aos outros.
Por que temos tanto medo assim de nossos impulsos? Por que não confiamos na nossa capacidade de domar a nós mesmos? Se o ser humano se orgulha tanto de ser o único animal racional do planeta, por que ele segue sendo o mais passional? Qual é a origem de nossos medos?
Acredito que a origem de nossos medos esteja em nossa insegurança. Somos inseguros, porque ainda não sentimos que temos as "rédeas" adequadas para domar a nós mesmos. E, sem rédeas, faremos bobagem diante da mínima frustração. Precisamos ser fortes a ponto das frustrações e rejeições do mundo lá fora não nos atingirem mais. E essa força de resiliência diante das frustrações só é adquirida a partir de uma profunda segurança interior baseada no amor-próprio. O desenvolvimento do amor-próprio é um dever de todo cidadão. Cidadãos com amor-próprio não vão enlouquecer diante de uma rejeição amorosa nem serão propensos aos crimes passionais.
Quando uma pessoa diz que matou em nome do "amor", ela está dizendo que matou em nome do amor que ela julga não ter recebido do outro. Se alguém é capaz de matar o outro por não se sentir amado por ele, isso significa que a sua alma é isenta de amor-próprio. E a falta de amor-próprio quebra as "rédeas" da alma, deixando o ser humano mais suscetível aos seus excessos e às suas paixões desordenadas.
Quando temos amor-próprio, o amor é uma troca saudável de bons sentimentos e não uma dependência emocional. Se há crimes passionais ocorrendo na sociedade, podemos afirmar que temos uma sociedade que ainda confunde amor com dependência. O crime passional indica que a sociedade ainda está em um nível muito "infantil" e imaturo de compreensão do amor.
Costumamos pensar que as pessoas carentes são isentas de orgulho por causa do complexo de vítima delas e da aparência de "coitadas". Entretanto, não existe nada mais perigoso para a sociedade do que uma pessoa carente. Explico: a pessoa carente costuma misturar ódio com amor e fazer da mágoa uma fonte de cólera (ira). E essa mistura de ódio, amor, mágoa e ira é a raiz dos crimes passionais. E essa é a mistura mais orgulhosa que existe. Uma pessoa carente, apesar das aparências, é a pessoa mais orgulhosa que existe. A carência é o orgulho em alto grau: é a ambição de ser totalmente amada por todos sempre e, caso alguém não goste dela, ela vira um monstro.
A pessoa carente é um saco sem fundo. Por mais que ela receba amor, ela nunca estará satisfeita: sempre faltará "algo". Só que ela não pode exigir que o outro preencha todos os cantos de sua alma com o amor, pois existe uma parte de nós que apenas será preenchida com amor-próprio. Quando temos amor-próprio e segurança emocional, sabemos aceitar com sabedoria a rejeição dos outros. Sabemos que é impossível sermos amados por todos e abrimos mão do controle. Não podemos controlar o que o outro sente por nós. É preciso humildade para compreender a rejeição. E a maior contradição reside nesse ensinamento: para termos humildade, precisamos ter amor-próprio.
Equivocadamente, costumamos pensar que as pessoas com amor-próprio são vaidosas, metidas e narcisistas. Entretanto, elas são amáveis, generosas, humildes e incapazes de matar por causa do "amor", já que elas se amam e não precisam implorar o amor dos outros nem machucar alguém por causa de carência. Existe uma grande diferença entre amor-próprio e narcisismo. O justo amor por si mesmo é saudável e constrói a nossa saúde mental e emocional. O narcisismo, por sua vez, é doentio e egocêntrico.
Aquele que se ama de forma saudável sabe acolher a si mesmo sem precisar da aprovação alheia. O narcisista, por sua vez, tem uma compulsão patológica por ser o centro das atenções e necessita de aplausos, afeto e aprovação alheia a todo instante.
Aquele que se ama de forma saudável sabe acolher a si mesmo sem precisar da aprovação alheia. O narcisista, por sua vez, tem uma compulsão patológica por ser o centro das atenções e necessita de aplausos, afeto e aprovação alheia a todo instante.
Toda virtude, na verdade, está no equilíbrio. O caminho da sabedoria é o equilíbrio entre magnificência e humildade ou entre a modéstia e o amor-próprio. E não é preciso ser genial para perceber que há algo mais narcisista no carente do que naquele que se ama: o carente quer atenção para si mesmo sempre para suprir as suas inseguranças (existe algo mais narcisista e orgulhoso do que isso?), mas aquele que se ama dispensa a bajulação alheia. Por incrível que pareça, torno-me mais generosa amando a mim mesma. Ao estar bem comigo mesma, sinto-me mais disposta a ajudar o próximo naquilo que o outro necessita. Entendendo e curando a mim mesma, posso entender e curar o outro com mais empatia, respeito e amor. Quando tenho uma autoestima saudável, expresso estima pelo próximo de forma mais terna e compassiva. Desse modo, torno-me uma pessoa mais doce e agradável para o convívio. E todos nós gostamos de pessoas gentis e agradáveis.
O paradoxo da pessoa carente é que a falta de amor-próprio torna a sua personalidade amarga, o que afasta os outros e, consequentemente, torna a pessoa ainda mais carente e perdida. A única maneira de romper esse círculo vicioso e paradoxal é amando a si mesma de modo a expandir uma energia mais agradável e, assim, atrair a genuína afeição do próximo.
O segredo da felicidade e das relações saudáveis está num círculo de amor puro e genuíno: devo amar o próximo como a mim mesma. Ao amar o próximo como a mim mesma, estou abraçando a lei do amor verdadeiro. Deixo de criar expectativas e deixo de depender do amor do outro para suprir as minhas carências. Sendo assim, passo a ser íntegra no amor: o amor me abastece por inteira e extravasa a ponto de abranger o próximo. O amor deixa de ser uma necessidade doentia de recebimento e passa a ser uma genuína escolha de doar afeto.
O amor é sobre doar afeto e não sobre receber. O maior paradoxo é que, quando aprendo a doar amor do jeito certo sem a expectativa da recepção, passo a receber muito mais amor dos outros também. Quem reclama que muito dá e pouco recebe não aprendeu a doar amor do jeito correto e ainda está muito agarrado ao seu ego.
É claro que devemos ter equilíbrio nas nossas relações, e a nossa doação tem de estar em harmonia com o que recebemos. Mas, se julgamos que recebemos "menos" amor, ainda não abraçamos a totalidade do amor e ainda estamos medindo o amor. Como dizia Santo Agostinho, a medida do amor é amar sem medida. Se medimos o amor com "fitas métricas", ainda não nos entregamos totalmente ao que o amor significa.
É certo que, nas nossas relações pessoais, escolheremos pessoas que também nos amam e que querem estar ao nosso lado. Mas, nesse texto, estou indo além: falo do amor enquanto sentimento universal. Atravessei as fronteiras de "Vênus", a deusa do amor pessoal, a bela Afrodite, e mergulhei nas brumas de "Netuno", no oceano do amor no sentido mais místico do termo. Nesse texto, expresso sobre a nossa missão de emanar um sentimento doce e calmo de amor e perdão inclusive sobre aqueles que não nos amam. É só amando quem me rejeita que venço a mágoa, a ira e a semente passional do ódio que habita em mim.
É importante saber amar a si mesmo e expandir esse amor aos outros --incluindo aqueles que não merecem amor. O perdão também é uma face do amor que precisa ser cultivada em nós. Se sou carente e dependente do amor do outro, vou odiá-lo diante do menor gesto de rejeição (e isso não é amor). Como o amor pode se transformar em ódio de uma hora para outra só por causa de um gesto que me feriu ou por causa de uma suposta rejeição? Isso só denuncia o quanto o amor nunca foi verdadeiro.
O amor verdadeiro ultrapassa a mágoa e perdoa quem nos rejeita. O amor verdadeiro liberta o outro. O amor verdadeiro anda ao lado da liberdade. O amor verdadeiro não faz macumba para prender o outro nem quer o ex de volta dentro de três dias. Tudo isso é fruto do pecado, da natureza passional. O verdadeiro amor não tem nada a ver com isso.
Não estou dizendo para ficar ao lado de quem nos rejeita nem para ficar sofrendo a falta do amor. Se o outro não quer mais a nossa presença na vida dele, vamos embora com um sorriso tranquilo e doce no rosto. Estou dizendo apenas para não amaldiçoar quem nos rejeita nem ficar com ódio daquele que não nos ama. Nós não precisamos disso. O ódio que nasce diante de uma rejeição é a causa do crime passional como vimos no início do texto. É perigoso pensar que esse tipo de sentimento estraga a humanidade e está na raiz dos crimes mais bárbaros do mundo.
Não foi à toa que o Mestre dos Mestres disse: "Ama o próximo como a ti mesmo." O nosso Salvador nunca dizia alguma frase à toa. Tudo o que Jesus dizia era repleto de significados profundos e representava os caminhos de cura para a alma humana. Jesus foi o Mestre em todos os sentidos e também foi o maior Mestre no ensinamento sobre amar e perdoar mesmo após a rejeição.
Jesus foi rejeitado no tempo Dele, apedrejado, injuriado, caluniado, agredido, julgado injustamente e até mesmo crucificado. E, mesmo na cruz, ele perdoa os inimigos, continua amando a todos e diz para o seu Pai: "Perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem." Jesus nos ensinou como devemos agir diante de uma rejeição -- até mesmo na mais cruel e injusta.
Jesus foi capaz de suportar uma cruz e continuar sereno, íntegro, vigilante e amoroso, pois tinha plena consciência de Sua missão. E nós? Como nós somos? Enquanto Jesus foi forte em todos os momentos da sua Paixão, nós ficamos fracos e temos atitudes mesquinhas, desesperadas e passionais diante da mínima rejeição. Jesus enfrentou uma coroa de espinhos, pregos nos pés e nas mãos com fortaleza de espírito. E nós somos fracos diante de uma mísera rejeição no Whatsapp. Nós ficamos furiosos diante de uma boba mensagem visualizada e não respondida e perdemos a razão diante de um mínimo olhar agressivo do outro. Por que somos tão fracos?
É impossível sermos santos de uma hora para outra e passarmos a agir como Jesus em igual fortaleza de espírito. Mas é plenamente possível tomarmos consciência da nossa fraqueza espiritual e trabalharmos para sermos pessoas mais serenas e fortes a cada dia.
Vejo em Cristo o exemplo a ser seguido diante das rejeições. Podemos tentar nos aproximar a cada dia de Cristo em cada gesto e em cada atitude. Podemos respirar fundo antes de perdemos o controle e olharmos para a Cruz Dele que dissolve todo o nosso sofrimento. Perto do que Ele passou, tudo o que passamos fica pequeno e perde o sentido. Não há motivo para se enfurecer por bobagens de maneira tão passional e violenta.
Podemos concluir que Jesus passou pela Paixão para curar a nossa natureza passional e pecadora. Se decidirmos seguir os ensinamentos de Jesus, não haverá mais crimes passionais em nossa sociedade. O perdão que Cristo pregou é a chave para a paz social. Podemos criar leis através do Direito, mas não podemos impedir os sentimentos violentos dos seres humanos. Apenas o desenvolvimento de uma consciência espiritual no ser humano pode domar a sua violência interior e fazer com que a sociedade cumpra as leis de maneira mais substancial. Quem ama o próximo como a si mesmo não mata o próximo na primeira decepção ou rejeição.
Pode ser que a rejeição mexa com pontos vulneráveis do ego humano e com feridas ocultas, razão pela qual ela desperta sentimentos tão violentos e até mesmo crimes passionais. A rejeição talvez seja uma das piores provas espirituais que o ser humano passa. E não importa o quanto você seja bonito, amável, inteligente, generoso e gentil, pois, apesar de todas as suas virtudes, você também vai passar pela rejeição -- essa é a cruz da qual ninguém escapa.
Se nem mesmo Deus feito carne em Jesus escapou da rejeição humana, por que nós meros mortais teríamos a tola esperança de agradar a todos? Nem Jesus agradou a todos -- e Ele era perfeito. Seria orgulho da nossa parte não aceitar a experiência da rejeição -- experiência que até mesmo Jesus passou. Quando aceitamos a rejeição como possibilidade, deixamos de nos desesperar diante dela.
Ser virtuoso não é garantia de total aceitação social. Ao contrário: em um mundo corrompido pelo pecado, quem prega a sabedoria, a virtude e a luz pode ser rejeitado por muitos. Devemos ser quem nós somos sempre e termos plena consciência da nossa missão e da nossa jornada de vida para caminharmos serenos e justos ainda que a rejeição ocorra em alguma etapa da jornada.
Não adianta negar quem nós somos para agradar os outros -- essa é outra armadilha que só trará rejeições piores e sofrimentos mais duros até você aprender a ser você mesmo com força e coragem. Independentemente de quem você for, você sofrerá a rejeição de muitos, porque o mundo é repleto de pessoas diferentes e que pensam de maneira diferente. Então, por que não ser você mesmo logo? A vida é curta demais para usar máscaras que não combinam com a sua essência. Todos nós temos o direito e o dever de sermos verdadeiros com a nossa própria essência. Ser verdadeiro consigo mesmo é ser verdadeiro com os outros também e contribuir para uma sociedade mais justa e verdadeira.
Encontrar o equilíbrio entre expressar minhas verdadeiras opiniões e, ao mesmo tempo, ser gentil e evitar ferir o outro desnecessariamente é uma longa estrada. Muitas vezes, ficamos perdidos entre dois caminhos: sufocar a essência de forma doentia para agradar os outros (e, quando a essência escapa de vez, ela vira um bicho feroz e se manifesta em atitudes loucas) ou mostrar a essência de forma combativa com um excesso de sinceridade que vira grosseria (o que também leva à loucura). O bom senso é o equilíbrio entre verdade e diplomacia.
E a sabedoria por trás da rejeição é justamente lapidar a alma e mostrar ao ser humano que é impossível agradar a todos. A rejeição pode ser uma ferida emocional que destrói a sua autoestima ou pode ser a mola propulsora de uma autoestima ainda mais elevada: decidir continuar se amando mesmo quando os outros não me amam mais revela uma profunda maturidade na relação consigo mesmo.
Ainda somos muito infantis e baseamos o nosso amor-próprio no que os outros sentem por nós. Se alguém nos ama menos, nós passamos a amar menos a nossa personalidade. Mas nós não mudamos. Quem mudou foi o outro. Se o outro passou a me amar menos, o problema é dele e não meu. Seguirei me amando, porque o amor-próprio é a base da saúde emocional. O amor-próprio é uma escolha. Não tenho controle do que o outro sente por mim, mas posso e devo ter controle sobre o que sinto por mim. Não tenho controle sobre as atitudes do outro, mas posso ter controle sobre a minha reação. Tudo é responsabilidade minha no final das contas.
É infantilidade querer culpar o outro sobre os maus sentimentos que brotam em nós sobre o outro, sobre a vida ou ainda sobre nós mesmos. Nós somos responsáveis por construir bons sentimentos em relação ao outro, a nós mesmos e à vida. Nós somos responsáveis por tudo. Essa noção de responsabilidade pode doer, mas é a partir dessa consciência que alcançamos a liberdade verdadeira por mais contraditório que isso possa parecer. Quando deixo de depender do outro para me sentir bem comigo mesma, conheço a verdadeira liberdade. Quando deixo de culpar a sociedade pelo mal no mundo e passo a fazer o bem de modo independente, por exemplo, conheço outro nível de liberdade em que me desenvolvo pessoal e espiritualmente.
Além do mais, boa parte da dor da rejeição vem de fantasias vitimistas. Quando somos rejeitados, criamos novelas em nossas cabeças onde somos coitados injustiçados por causa de "vilões". O vitimismo é uma fantasia mental. Quando sou rejeitada, não sou uma coitada. Afasto a tendência de fazer drama com a minha situação. Eu sou um ser humano forte, livre e independente que não encaixa mais na vida de fulano ou beltrano. Simples assim. Tudo bem se alguém sair da minha vida ou der sinais de rejeição, pois o problema é do outro e não meu. A maior "vingança" é manter-se intacto, livre e indiferente diante da rejeição. Afasto-me da vida do outro com elegância e com um sorriso no rosto ao invés de me descabelar.
O certo seria continuar transmitindo sentimentos de amor fraterno ao outro como Cristo ensinou e perdoá-lo, mas, caso eu não consiga sentir amor por quem me feriu (o que pode ser muito difícil para nós humanos), vou ter um sentimento de compaixão por ele pelo menos (compaixão pelo simples fato do outro ser um ser humano, já que o amor pessoal acabou). Quando o amor pessoal acaba, o amor universal, fraternal e cristão deve entrar em cena, senão o ódio humano toma conta e até mesmo barbáries podem ocorrer. Independentemente de tudo, devo seguir respeitando o outro, porque o respeito é universal.
Por mais que o outro não mereça, devo continuar transmitindo compaixão a ele. Chega um momento onde quem ama o outro dentro de mim é Cristo, pois já não sou capaz de amá-lo pessoalmente. Nesse sentido, é tão importante o desenvolvimento de uma consciência espiritual e fraternal. A expansão da consciência amorosa é muito importante na construção de uma sociedade com mais paz. Quando não sou mais capaz de amar uma pessoa por causa de uma situação, que Cristo reine em mim e a ame por mim. É para Cristo que devo dar o meu coração e não para o ódio passional nem para a mágoa.
Tudo depende da maneira com a qual encaramos a rejeição. E não falo aqui somente da rejeição de um namorado ou de uma namorada, mas da rejeição de um amigo, de um primo, de um irmão, de um tio, de uma tia, de uma neta, de um avô e etc. A rejeição também pode vir dos colegas da sala de aula, do professor e dos amigos. E, por falar em rejeição em sala de aula, nunca vimos tantos casos de violência nas escolas. Até pouco tempo atrás, alunos com armas matando colegas e professores eram incomuns -- tais crimes ocorriam em poucas partes do planeta ou só ouvíamos falar de crimes assim nos Estados Unidos. Hoje temos violência nas escolas em todos os cantos do planeta, incluindo o Brasil.
O massacre na escola de Suzano (SP), por exemplo, chocou o Brasil. O Bullying e a rejeição são marcas indeléveis que, caso não sejam sanadas com sabedoria e amor-próprio, podem tornar a pessoa um monstro capaz das vinganças mais injustas e cruéis da história. E a raiz de crimes escolares não está no porte de arma, mas nos sentimentos do ser humano por trás da arma. Colocar a culpa no videogame violento e no porte de armas é fugir da verdadeira raiz do problema: a incapacidade do ser humano lidar com a rejeição.
E não basta fazer campanhas contra o Bullying, é preciso ensinar cada pessoa a fortalecer a alma para enfrentar as rejeições da vida. Sofrer injúrias e rejeições é algo inevitável da vida. Se não sofro com injúrias na escola, vou me deparar com elas em algum momento da minha vida. A responsabilidade de suportar as injúrias com equilíbrio e se defender delas com elegância e lucidez (sem violência) é de cada ser humano. Devemos encarar as rejeições de forma mais lúcida e menos dramática. Apenas parando de dar importância para quem nos rejeita e dirige injúrias contra nós, poderemos crescer em sabedoria e amor-próprio e teremos uma sociedade mais sábia e leve.
Podemos encarar a rejeição de um modo desastroso ou como o caminho da nossa sabedoria. Quem me rejeita pode ser um mestre capaz de me mostrar as chaves da sabedoria. Quem me rejeita pode me ensinar coisas -- o que é bastante provável, pois tudo na vida é ensinamento. Antes de cair em lástimas, pergunte-se: o que essa situação dolorosa quer me ensinar?
Algumas respostas podem chegar diante dessa pergunta. Posso aprender a ser mais humilde. Posso aprender a ser mais amável. Posso aprender a ser mais forte. Posso aprender a ser mais independente. Posso aprender coisas infinitas. Posso extrair coisas boas dos males que sofri. Posso transformar a minha dor em paz e alegria dentro de mim. E essa responsabilidade é só minha.
A maior sabedoria por trás da rejeição é elevar a consciência espiritual que habita em nós. Citei Cristo no texto, pois sou católica, mas quase todas as religiões falam sobre amor universal e manter-se forte diante dos males da vida. Quase todas as religiões falam de uma responsabilidade pessoal e intransferível sobre os sentimentos de nossa alma. Além do cristianismo, o budismo também defende o exame de consciência. No cristianismo, pedimos perdão pelos nossos pecados e tentamos purificar o que mancha o nosso interior. E, no budismo, vemos as ilusões do ego por meio da meditação e almejamos alcançar uma mente serena, clara e límpida.
Mergulhos sinceros em nossa alma precisam ser feitos. Exames de consciência sempre são feitos em qualquer religião. Podemos fazer um exame de consciência agora: o que desperta sentimentos ruins e passionais de mágoa em mim e como posso trabalhar o meu interior e me libertar de tudo isso? Deixo esse exame de consciência para o leitor. Independentemente de sua religião (ou até mesmo se você não tem religião e é ateu), busque a expansão da consciência. Sempre vale a pena tornar a nossa mente mais lúcida e libertá-la da escravidão dos sentimentos passionais. Enquanto católica, Cristo é meu exemplo de lucidez.
Para mim, a maior prova da Divindade de Cristo está na lucidez com a qual enfrentou a Cruz sem manifestar qualquer sentimento de mágoa em relação aos seus carrascos (Ele foi muito elevado para o padrão sentimental humano, demonstrando a serenidade e a lucidez total de Deus). Nenhum ser humano reagiria à humilhação, à tortura injusta e à crucificação de modo sábio, lúcido e sem perder o controle. A prova do Divino em Jesus está aí. A Cruz revelou a Sua Glória ao mundo.
Nesse sentido, quem é cristão tem a obrigação de seguir a Jesus e de viver de acordo com Ele inclusive nos momentos de rejeição. Se Jesus perdoou quem o crucificou, quem sou eu para não perdoar uma mísera mágoa? Nossos sofrimentos e nossas mágoas tornam-se pequenos diante da Paixão de Cristo. Todo o Cristianismo está baseado no perdão. Quando Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?", Jesus revelou essa verdade: "Não até sete, mas ate setenta vezes sete." O perdão também está na oração do Pai-Nosso: "Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido..."
O paradoxo da pessoa carente é que a falta de amor-próprio torna a sua personalidade amarga, o que afasta os outros e, consequentemente, torna a pessoa ainda mais carente e perdida. A única maneira de romper esse círculo vicioso e paradoxal é amando a si mesma de modo a expandir uma energia mais agradável e, assim, atrair a genuína afeição do próximo.
O segredo da felicidade e das relações saudáveis está num círculo de amor puro e genuíno: devo amar o próximo como a mim mesma. Ao amar o próximo como a mim mesma, estou abraçando a lei do amor verdadeiro. Deixo de criar expectativas e deixo de depender do amor do outro para suprir as minhas carências. Sendo assim, passo a ser íntegra no amor: o amor me abastece por inteira e extravasa a ponto de abranger o próximo. O amor deixa de ser uma necessidade doentia de recebimento e passa a ser uma genuína escolha de doar afeto.
O amor é sobre doar afeto e não sobre receber. O maior paradoxo é que, quando aprendo a doar amor do jeito certo sem a expectativa da recepção, passo a receber muito mais amor dos outros também. Quem reclama que muito dá e pouco recebe não aprendeu a doar amor do jeito correto e ainda está muito agarrado ao seu ego.
É claro que devemos ter equilíbrio nas nossas relações, e a nossa doação tem de estar em harmonia com o que recebemos. Mas, se julgamos que recebemos "menos" amor, ainda não abraçamos a totalidade do amor e ainda estamos medindo o amor. Como dizia Santo Agostinho, a medida do amor é amar sem medida. Se medimos o amor com "fitas métricas", ainda não nos entregamos totalmente ao que o amor significa.
É certo que, nas nossas relações pessoais, escolheremos pessoas que também nos amam e que querem estar ao nosso lado. Mas, nesse texto, estou indo além: falo do amor enquanto sentimento universal. Atravessei as fronteiras de "Vênus", a deusa do amor pessoal, a bela Afrodite, e mergulhei nas brumas de "Netuno", no oceano do amor no sentido mais místico do termo. Nesse texto, expresso sobre a nossa missão de emanar um sentimento doce e calmo de amor e perdão inclusive sobre aqueles que não nos amam. É só amando quem me rejeita que venço a mágoa, a ira e a semente passional do ódio que habita em mim.
É importante saber amar a si mesmo e expandir esse amor aos outros --incluindo aqueles que não merecem amor. O perdão também é uma face do amor que precisa ser cultivada em nós. Se sou carente e dependente do amor do outro, vou odiá-lo diante do menor gesto de rejeição (e isso não é amor). Como o amor pode se transformar em ódio de uma hora para outra só por causa de um gesto que me feriu ou por causa de uma suposta rejeição? Isso só denuncia o quanto o amor nunca foi verdadeiro.
O amor verdadeiro ultrapassa a mágoa e perdoa quem nos rejeita. O amor verdadeiro liberta o outro. O amor verdadeiro anda ao lado da liberdade. O amor verdadeiro não faz macumba para prender o outro nem quer o ex de volta dentro de três dias. Tudo isso é fruto do pecado, da natureza passional. O verdadeiro amor não tem nada a ver com isso.
Não estou dizendo para ficar ao lado de quem nos rejeita nem para ficar sofrendo a falta do amor. Se o outro não quer mais a nossa presença na vida dele, vamos embora com um sorriso tranquilo e doce no rosto. Estou dizendo apenas para não amaldiçoar quem nos rejeita nem ficar com ódio daquele que não nos ama. Nós não precisamos disso. O ódio que nasce diante de uma rejeição é a causa do crime passional como vimos no início do texto. É perigoso pensar que esse tipo de sentimento estraga a humanidade e está na raiz dos crimes mais bárbaros do mundo.
Não foi à toa que o Mestre dos Mestres disse: "Ama o próximo como a ti mesmo." O nosso Salvador nunca dizia alguma frase à toa. Tudo o que Jesus dizia era repleto de significados profundos e representava os caminhos de cura para a alma humana. Jesus foi o Mestre em todos os sentidos e também foi o maior Mestre no ensinamento sobre amar e perdoar mesmo após a rejeição.
Jesus foi rejeitado no tempo Dele, apedrejado, injuriado, caluniado, agredido, julgado injustamente e até mesmo crucificado. E, mesmo na cruz, ele perdoa os inimigos, continua amando a todos e diz para o seu Pai: "Perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem." Jesus nos ensinou como devemos agir diante de uma rejeição -- até mesmo na mais cruel e injusta.
Jesus foi capaz de suportar uma cruz e continuar sereno, íntegro, vigilante e amoroso, pois tinha plena consciência de Sua missão. E nós? Como nós somos? Enquanto Jesus foi forte em todos os momentos da sua Paixão, nós ficamos fracos e temos atitudes mesquinhas, desesperadas e passionais diante da mínima rejeição. Jesus enfrentou uma coroa de espinhos, pregos nos pés e nas mãos com fortaleza de espírito. E nós somos fracos diante de uma mísera rejeição no Whatsapp. Nós ficamos furiosos diante de uma boba mensagem visualizada e não respondida e perdemos a razão diante de um mínimo olhar agressivo do outro. Por que somos tão fracos?
É impossível sermos santos de uma hora para outra e passarmos a agir como Jesus em igual fortaleza de espírito. Mas é plenamente possível tomarmos consciência da nossa fraqueza espiritual e trabalharmos para sermos pessoas mais serenas e fortes a cada dia.
Vejo em Cristo o exemplo a ser seguido diante das rejeições. Podemos tentar nos aproximar a cada dia de Cristo em cada gesto e em cada atitude. Podemos respirar fundo antes de perdemos o controle e olharmos para a Cruz Dele que dissolve todo o nosso sofrimento. Perto do que Ele passou, tudo o que passamos fica pequeno e perde o sentido. Não há motivo para se enfurecer por bobagens de maneira tão passional e violenta.
Podemos concluir que Jesus passou pela Paixão para curar a nossa natureza passional e pecadora. Se decidirmos seguir os ensinamentos de Jesus, não haverá mais crimes passionais em nossa sociedade. O perdão que Cristo pregou é a chave para a paz social. Podemos criar leis através do Direito, mas não podemos impedir os sentimentos violentos dos seres humanos. Apenas o desenvolvimento de uma consciência espiritual no ser humano pode domar a sua violência interior e fazer com que a sociedade cumpra as leis de maneira mais substancial. Quem ama o próximo como a si mesmo não mata o próximo na primeira decepção ou rejeição.
Pode ser que a rejeição mexa com pontos vulneráveis do ego humano e com feridas ocultas, razão pela qual ela desperta sentimentos tão violentos e até mesmo crimes passionais. A rejeição talvez seja uma das piores provas espirituais que o ser humano passa. E não importa o quanto você seja bonito, amável, inteligente, generoso e gentil, pois, apesar de todas as suas virtudes, você também vai passar pela rejeição -- essa é a cruz da qual ninguém escapa.
Se nem mesmo Deus feito carne em Jesus escapou da rejeição humana, por que nós meros mortais teríamos a tola esperança de agradar a todos? Nem Jesus agradou a todos -- e Ele era perfeito. Seria orgulho da nossa parte não aceitar a experiência da rejeição -- experiência que até mesmo Jesus passou. Quando aceitamos a rejeição como possibilidade, deixamos de nos desesperar diante dela.
Ser virtuoso não é garantia de total aceitação social. Ao contrário: em um mundo corrompido pelo pecado, quem prega a sabedoria, a virtude e a luz pode ser rejeitado por muitos. Devemos ser quem nós somos sempre e termos plena consciência da nossa missão e da nossa jornada de vida para caminharmos serenos e justos ainda que a rejeição ocorra em alguma etapa da jornada.
Não adianta negar quem nós somos para agradar os outros -- essa é outra armadilha que só trará rejeições piores e sofrimentos mais duros até você aprender a ser você mesmo com força e coragem. Independentemente de quem você for, você sofrerá a rejeição de muitos, porque o mundo é repleto de pessoas diferentes e que pensam de maneira diferente. Então, por que não ser você mesmo logo? A vida é curta demais para usar máscaras que não combinam com a sua essência. Todos nós temos o direito e o dever de sermos verdadeiros com a nossa própria essência. Ser verdadeiro consigo mesmo é ser verdadeiro com os outros também e contribuir para uma sociedade mais justa e verdadeira.
Encontrar o equilíbrio entre expressar minhas verdadeiras opiniões e, ao mesmo tempo, ser gentil e evitar ferir o outro desnecessariamente é uma longa estrada. Muitas vezes, ficamos perdidos entre dois caminhos: sufocar a essência de forma doentia para agradar os outros (e, quando a essência escapa de vez, ela vira um bicho feroz e se manifesta em atitudes loucas) ou mostrar a essência de forma combativa com um excesso de sinceridade que vira grosseria (o que também leva à loucura). O bom senso é o equilíbrio entre verdade e diplomacia.
E a sabedoria por trás da rejeição é justamente lapidar a alma e mostrar ao ser humano que é impossível agradar a todos. A rejeição pode ser uma ferida emocional que destrói a sua autoestima ou pode ser a mola propulsora de uma autoestima ainda mais elevada: decidir continuar se amando mesmo quando os outros não me amam mais revela uma profunda maturidade na relação consigo mesmo.
Ainda somos muito infantis e baseamos o nosso amor-próprio no que os outros sentem por nós. Se alguém nos ama menos, nós passamos a amar menos a nossa personalidade. Mas nós não mudamos. Quem mudou foi o outro. Se o outro passou a me amar menos, o problema é dele e não meu. Seguirei me amando, porque o amor-próprio é a base da saúde emocional. O amor-próprio é uma escolha. Não tenho controle do que o outro sente por mim, mas posso e devo ter controle sobre o que sinto por mim. Não tenho controle sobre as atitudes do outro, mas posso ter controle sobre a minha reação. Tudo é responsabilidade minha no final das contas.
É infantilidade querer culpar o outro sobre os maus sentimentos que brotam em nós sobre o outro, sobre a vida ou ainda sobre nós mesmos. Nós somos responsáveis por construir bons sentimentos em relação ao outro, a nós mesmos e à vida. Nós somos responsáveis por tudo. Essa noção de responsabilidade pode doer, mas é a partir dessa consciência que alcançamos a liberdade verdadeira por mais contraditório que isso possa parecer. Quando deixo de depender do outro para me sentir bem comigo mesma, conheço a verdadeira liberdade. Quando deixo de culpar a sociedade pelo mal no mundo e passo a fazer o bem de modo independente, por exemplo, conheço outro nível de liberdade em que me desenvolvo pessoal e espiritualmente.
Além do mais, boa parte da dor da rejeição vem de fantasias vitimistas. Quando somos rejeitados, criamos novelas em nossas cabeças onde somos coitados injustiçados por causa de "vilões". O vitimismo é uma fantasia mental. Quando sou rejeitada, não sou uma coitada. Afasto a tendência de fazer drama com a minha situação. Eu sou um ser humano forte, livre e independente que não encaixa mais na vida de fulano ou beltrano. Simples assim. Tudo bem se alguém sair da minha vida ou der sinais de rejeição, pois o problema é do outro e não meu. A maior "vingança" é manter-se intacto, livre e indiferente diante da rejeição. Afasto-me da vida do outro com elegância e com um sorriso no rosto ao invés de me descabelar.
O certo seria continuar transmitindo sentimentos de amor fraterno ao outro como Cristo ensinou e perdoá-lo, mas, caso eu não consiga sentir amor por quem me feriu (o que pode ser muito difícil para nós humanos), vou ter um sentimento de compaixão por ele pelo menos (compaixão pelo simples fato do outro ser um ser humano, já que o amor pessoal acabou). Quando o amor pessoal acaba, o amor universal, fraternal e cristão deve entrar em cena, senão o ódio humano toma conta e até mesmo barbáries podem ocorrer. Independentemente de tudo, devo seguir respeitando o outro, porque o respeito é universal.
Por mais que o outro não mereça, devo continuar transmitindo compaixão a ele. Chega um momento onde quem ama o outro dentro de mim é Cristo, pois já não sou capaz de amá-lo pessoalmente. Nesse sentido, é tão importante o desenvolvimento de uma consciência espiritual e fraternal. A expansão da consciência amorosa é muito importante na construção de uma sociedade com mais paz. Quando não sou mais capaz de amar uma pessoa por causa de uma situação, que Cristo reine em mim e a ame por mim. É para Cristo que devo dar o meu coração e não para o ódio passional nem para a mágoa.
Tudo depende da maneira com a qual encaramos a rejeição. E não falo aqui somente da rejeição de um namorado ou de uma namorada, mas da rejeição de um amigo, de um primo, de um irmão, de um tio, de uma tia, de uma neta, de um avô e etc. A rejeição também pode vir dos colegas da sala de aula, do professor e dos amigos. E, por falar em rejeição em sala de aula, nunca vimos tantos casos de violência nas escolas. Até pouco tempo atrás, alunos com armas matando colegas e professores eram incomuns -- tais crimes ocorriam em poucas partes do planeta ou só ouvíamos falar de crimes assim nos Estados Unidos. Hoje temos violência nas escolas em todos os cantos do planeta, incluindo o Brasil.
O massacre na escola de Suzano (SP), por exemplo, chocou o Brasil. O Bullying e a rejeição são marcas indeléveis que, caso não sejam sanadas com sabedoria e amor-próprio, podem tornar a pessoa um monstro capaz das vinganças mais injustas e cruéis da história. E a raiz de crimes escolares não está no porte de arma, mas nos sentimentos do ser humano por trás da arma. Colocar a culpa no videogame violento e no porte de armas é fugir da verdadeira raiz do problema: a incapacidade do ser humano lidar com a rejeição.
E não basta fazer campanhas contra o Bullying, é preciso ensinar cada pessoa a fortalecer a alma para enfrentar as rejeições da vida. Sofrer injúrias e rejeições é algo inevitável da vida. Se não sofro com injúrias na escola, vou me deparar com elas em algum momento da minha vida. A responsabilidade de suportar as injúrias com equilíbrio e se defender delas com elegância e lucidez (sem violência) é de cada ser humano. Devemos encarar as rejeições de forma mais lúcida e menos dramática. Apenas parando de dar importância para quem nos rejeita e dirige injúrias contra nós, poderemos crescer em sabedoria e amor-próprio e teremos uma sociedade mais sábia e leve.
Podemos encarar a rejeição de um modo desastroso ou como o caminho da nossa sabedoria. Quem me rejeita pode ser um mestre capaz de me mostrar as chaves da sabedoria. Quem me rejeita pode me ensinar coisas -- o que é bastante provável, pois tudo na vida é ensinamento. Antes de cair em lástimas, pergunte-se: o que essa situação dolorosa quer me ensinar?
Algumas respostas podem chegar diante dessa pergunta. Posso aprender a ser mais humilde. Posso aprender a ser mais amável. Posso aprender a ser mais forte. Posso aprender a ser mais independente. Posso aprender coisas infinitas. Posso extrair coisas boas dos males que sofri. Posso transformar a minha dor em paz e alegria dentro de mim. E essa responsabilidade é só minha.
A maior sabedoria por trás da rejeição é elevar a consciência espiritual que habita em nós. Citei Cristo no texto, pois sou católica, mas quase todas as religiões falam sobre amor universal e manter-se forte diante dos males da vida. Quase todas as religiões falam de uma responsabilidade pessoal e intransferível sobre os sentimentos de nossa alma. Além do cristianismo, o budismo também defende o exame de consciência. No cristianismo, pedimos perdão pelos nossos pecados e tentamos purificar o que mancha o nosso interior. E, no budismo, vemos as ilusões do ego por meio da meditação e almejamos alcançar uma mente serena, clara e límpida.
Mergulhos sinceros em nossa alma precisam ser feitos. Exames de consciência sempre são feitos em qualquer religião. Podemos fazer um exame de consciência agora: o que desperta sentimentos ruins e passionais de mágoa em mim e como posso trabalhar o meu interior e me libertar de tudo isso? Deixo esse exame de consciência para o leitor. Independentemente de sua religião (ou até mesmo se você não tem religião e é ateu), busque a expansão da consciência. Sempre vale a pena tornar a nossa mente mais lúcida e libertá-la da escravidão dos sentimentos passionais. Enquanto católica, Cristo é meu exemplo de lucidez.
Para mim, a maior prova da Divindade de Cristo está na lucidez com a qual enfrentou a Cruz sem manifestar qualquer sentimento de mágoa em relação aos seus carrascos (Ele foi muito elevado para o padrão sentimental humano, demonstrando a serenidade e a lucidez total de Deus). Nenhum ser humano reagiria à humilhação, à tortura injusta e à crucificação de modo sábio, lúcido e sem perder o controle. A prova do Divino em Jesus está aí. A Cruz revelou a Sua Glória ao mundo.
Nesse sentido, quem é cristão tem a obrigação de seguir a Jesus e de viver de acordo com Ele inclusive nos momentos de rejeição. Se Jesus perdoou quem o crucificou, quem sou eu para não perdoar uma mísera mágoa? Nossos sofrimentos e nossas mágoas tornam-se pequenos diante da Paixão de Cristo. Todo o Cristianismo está baseado no perdão. Quando Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?", Jesus revelou essa verdade: "Não até sete, mas ate setenta vezes sete." O perdão também está na oração do Pai-Nosso: "Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido..."
Quantos crimes passionais seriam evitados com o perdão? Quantas violências escolares seriam evitadas com o perdão e a compaixão? Quanta paz seria acrescentada em nosso sociedade e em todo o mundo se cada coração humano começasse a perdoar as ofensas do próximo? A mudança que queremos ver no mundo começa dentro de nosso coração.
A sabedoria por trás da rejeição consiste em atingir outro nível de sabedoria, onde aprendemos a amar e a perdoar quem não nos ama mais. A nossa vaidade tende a amar somente aqueles que nos amam, mas isso ainda é uma forma muito imatura de amor. O amor cristão pede um amor maior, mais expansivo e universal. Esse caminho de amor é diário e pode parecer difícil, mas ainda é muito melhor do que o tortuoso caminho do orgulho e do ódio.
Quando alguém nos fere, nos rejeita e deixa de nos amar, parte de nós se sente menos amado e passa a se amar menos. Mas a falta de amor do próximo não pode afetar o amor que tenho em relação a mim mesmo nem pode afetar o amor que sinto pelos seres humanos em geral e a compaixão que devo continuar a sentir por ele. O ego ama alimentar um discurso vitimista e, para tanto, fantasia, dramatiza e cria a mágoa. A mágoa vira ira, ódio e leva à destruição.
Sendo assim, não basta fortalecer o amor-próprio para superar uma suposta "rejeição", é preciso se livrar do discurso vitimista dentro de nossa mente que diz que somos "bobos" por amarmos que nos rejeita. Amar quem não merece não faz ninguém mais bobo, mas pode fazê-lo mais santo e até mesmo aproximar-lhe do amor pedido por Jesus além de trazer mais sabedoria e expansão de consciência em sua vida.
Saiba que bobo é quem deixou o amor apodrecer dentro de si e perdeu a sua alma para a mágoa e para o ódio. O amor não é uma bobagem romântica, mas a única salvação verdadeira da alma. Afaste-se de quem não quer mais você e jamais aceite qualquer tipo de violência, mas cultive o amor e a compaixão em seu coração para si mesmo e para todos, incluindo aqueles que rejeitaram você.
Salienta-se que a autoestima vai além de considerar-se belo, virtuoso e reconhecer a própria luz. A autoestima profunda é ter plena consciência de quem você é e não deixar que a opinião alheia interfira nessa consciência. Jesus amou os inimigos, pois tinha plena consciência de quem Ele era e ainda perdoou-lhes ao saber que eles não tinham a mesma consciência plena de quem Ele era ou do que estavam fazendo contra Ele.
No Getsêmani, o apóstolo Pedro ficou revoltado ao ver os soldados romanos que levariam Jesus para cruz e cortou a orelha de um dos soldados, o Malco. Mas, Jesus diz para Pedro que aquele não era o caminho e ainda cura a orelha do soldado romano diante de Pedro. Jesus diz a Pedro: "Mete a tua espada na bainha; não beberei eu o cálice que o meu Pai me deu?"
Com essa passagem bíblica, podemos concluir que a violência e a revolta não são os caminhos corretos diante dos cálices amargos. Jesus tinha consciência do cálice amargo que tomaria e da Cruz pesada que carregaria, mas continuou amando a todos ao seu redor. É certo que a rejeição é um cálice amargo, mas não podemos sair por aí magoados e com a espada nas mãos. Mágoa e espada não combinam. Diante de uma rejeição, vamos guardar as nossas espadas na bainha e perdoar quem nos feriu -- só assim teremos a paz de Cristo e seguiremos em frente.
O ódio seria um caminho muito fácil e destruidor. Mas o ser humano não nasceu para o ódio e sim para o amor. Todas as vezes em que nos afastamos do amor e do perdão somos arrastados pelas nossas paixões desordenadas e destruídos por completo. Para amar a si mesmo após uma rejeição e continuar desejando o bem para aquele que nos rejeitou, é preciso ir além e ser mais profundo. É preciso ter a consciência de que tudo é amor e que, se o outro não vibra no amor, o problema é do outro e não seu. A rejeição é um veneno que só mata a sua alma se você tomá-lo com mágoa. Vamos vibrar no amor -- esse é o caminho, a verdade e a vida. A mágoa levará ao caminho dos falsos discursos vitimistas da mente, da destruição e da morte.
Os outros até podem pecar por falta de amor, mas nós não podemos. Quem despertou a consciência sente até compaixão por aquele que perdeu a capacidade de nos amar. Não vamos alimentar mágoas daqueles que nos rejeitam injustamente. Ao contrário, vamos rezar por eles para que eles um dia possam sentir o amor universal dentro de seus corações. A sabedoria por trás da rejeição é permitir que ela alargue o nosso coração ao invés de destruí-lo.
Texto escrito por Tatyana Casarino.
Tatyana Casarino é Especialista em Direito Constitucional, Advogada, escritora, poetisa, estudiosa de ensinamentos religiosos e aprendiz de assuntos que envolvem autoconhecimento.
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