O colunista Mateus Bülow preparou uma matéria perfeita para o Halloween. Ele analisou os pontos positivos e negativos de um jogo que mistura fantasia e os elementos sombrios da literatura gótica. Confiram! Boa leitura!
The Incredible Adventures of Van Helsing. –
Análise.
Durante
minha experiência como um jogador (bem ruim) de videogame, quase sempre
dediquei mais espaço aos Games de Estratégia Militar e aos Arcades, sem contar
os clássicos de plataforma do Game Boy Color, como Super Mario. Salvo por um
teste ligeiro na casa de algum conhecido, eu nunca me aventurei muito longe em
outros gêneros, embora tivesse curiosidade a respeito deles, numa jornada da
qual preciso falar antes de alcançarmos o objeto de nossa análise de hoje.
Quanto eu comecei a faculdade, conheci um RPG de Ação
chamado Torchlight, onde era possível controlar o personagem com o mouse, num
ângulo de visão que lembrava os games de estratégia militar. Em Torchlight, o
objetivo do jogador era proteger uma cidade dos monstros saídos das extensas
minas de Ember, uma pedra com poderes místicos. Alguns anos depois, Torchlight
teve uma continuação, e consegui completar ambos os games.
Graças ao Torchlight eu me apeguei a um gênero de RPG chamado
Isométrico, onde se enxerga tudo como se a câmera estivesse sobre o cenário e
os personagens, num ângulo meio diagonal. No jargão popular dos jogadores, os
RPGs Isométricos são conhecidos como “Diablo Clones”, pois o primeiro título de
sucesso nesse ramo foi Diablo, lançado em 1997; até hoje o primeiro game da
série é considerado um clássico absoluto do gênero.
Depois de completar o segundo Torchlight, conheci
outros RPGs Isométricos, e me aventurei por eles. Minha aquisição mais recente
no gênero foi Grim Dawn, lançado em 2016 e adquirido em 2023 (eu costumo
demorar a adquirir um game novo, porque gosto de esperar o preço cair com a
passagem do tempo). Mas existe outro RPG Isométrico do qual eu guardo um espaço
reservado no coração: The Incredible Adventures of Van Helsing.
Lançado em 2013 pela empresa húngara NeocoreGames, The
Incredible Adventures of Van Helsing mistura elementos fantásticos como o
Steampunk, mitologia do Leste Europeu e a literatura gótica do Século XIX. Os
três games iniciais contam a história do filho e herdeiro de Abraham Van
Helsing, o cientista que enfrentou Drácula no livro de Bram Stoker. O quarto
game da série é uma “versão do diretor”, que junta todas as histórias de seus
antecessores e adiciona conteúdos extras.
Após receber um pedido de socorro, Van Helsing Filho
parte em direção a um país do leste europeu chamado Borgóvia, acompanhado do
fantasma de uma princesa borgoviana chamada Lady Katarina. O conflito em
Borgóvia ocorre devido ao crescente antagonismo entre a magia tradicional e a
ciência, com facções criando exércitos e lutando pelo poder; Van Helsing e Lady
Katarina buscarão a resolução dos problemas, enquanto desvendam segredos e
mistérios do passado da Borgóvia.
Tive essa ideia para um artigo, porque sempre desejei
falar de ao menos um dos RPGs Isométricos que joguei. Como estou empacado em
Grim Dawn, e como o Dia das Bruxas está próximo, eu decidi que The Incredible
Adventures of Van Helsing seria o game do qual eu falarei nesse mês de outubro.
Apanhe seu chapéu de abas largas, o sabre longo e o par de pistolas: Borgóvia
espera por nós! Boa leitura!
Pontos Positivos:
1-A História é complexa, a
despeito da simplicidade do jogo.
https://www.youtube.com/watch?v=IfhWAsUQaHg
Toda a incrível aventura de Van Helsing se passa no
Reino da Borgóvia, e não existem cenas entre os eventos mais importantes,
apenas narrações por parte do protagonista. Isto não significa que estamos
diante de algo simples, muito pelo contrário: cada jogo trata de um desafio
diferente no caminho do herói ao lado de sua “charmosa companheira”, como ele
próprio chama Lady Katarina.
No primeiro jogo nós vemos o início da resistência
patriótica borgoviana contra o reinado de terror do Professor Fulmigatti, um
cientista maluco que descobriu enormes portais entre o mundo terreno e as
terras místicas ocultas (no game, essas terras são chamadas de Inks, ou
“Tintas” na tradução), além de criar um terrível exército de monstros e
máquinas mortais. Cabe ao Van Helsing auxiliar a resistência, ao lado de um
vampiro chamado Conde Vlados, antes do duelo final contra Fulmigatti e seu
autômato gigante.
A história fica mais complexa no segundo game, com a
ampliação da guerra civil na Borgóvia, e o surgimento de um novo antagonista, o
General Harker. Esse novo vilão cooptou diversos subordinados do falecido
Professor Fulmigatti, além de capturar Conde Vlados e outros aliados. Nessa
escalada da luta, Van Helsing é obrigado a se tornar um líder militar e se
envolver nas batalhas, ao lado dos civis que desejam proteger sua terra.
Durante a escalada da guerra civil borgoviana, surge
um novo aliado, o Prisioneiro Número 7. Essa estranha criatura auxilia o
protagonista na busca por respostas, culminando em uma terrível batalha final
contra o exército de Harker e as criaturas ancestrais que defendem o
subterrâneo da Borgóvia. No final do segundo game, Van Helsing é enganado pelo
Prisioneiro Número 7, que se utilizou do conflito para recuperar seu poder.
O terceiro game começa com Van Helsing caçando o
Prisioneiro Número 7, além de lidar com um culto à sua figura. Nessa etapa da
aventura, Van Helsing e Lady Katarina precisam atravessar cenários ainda mais
insanos do que os encontrados até então, como as ruínas da Atlântida e o Mundo
dos Mortos. Na luta final nós descobrimos a verdadeira identidade do
Prisioneiro Número 7: Koschei, o Imortal (falamos dessa figura sombria e
macabra na lista das 10 Lendas da Rússia, neste mesmo blog).
Como podemos ver nesses parágrafos, o enredo de
Incredible Adventures of Van Helsing é mais complexo do que aparenta à primeira
vista. Mas nenhuma história está completa sem bons personagens para movê-la
adiante, e agora veremos os dois protagonistas dessa aventura.
2-O Protagonista.
O personagem-título dispensa maiores apresentações, ao
menos quanto ao seu nome, mas o jovem Van Helsing se destaca em comparação com
outros personagens jogáveis dos RPGs Isométricos. Geralmente esses heróis
costumam ser desprovidos de personalidade, porque teoricamente isto auxiliaria
na “identificação” com o jogador. Não é o que acontece aqui: A despeito da
ampla liberdade na customização do personagem, Van Helsing possui sua própria
identidade, diferentemente dos heróis “mudos” tradicionais no gênero.
Treinado desde a juventude, o herói é especialista no
ocultismo, e também na arte do combate. Apesar de sua frieza e a voz seca, Van
Helsing é honesto e se preocupa em proteger os inocentes dos perigos em seu
caminho. Em alguns diálogos e situações o herói revela desconforto quando os
civis borgovianos descobrem que ele não é o mesmo Van Helsing que derrotou os
vampiros no passado; a percepção de viver sob a sombra do antecessor é forte,
mas não ao ponto de atrapalhar sua missão.
O lado mais severo do protagonista não esconde a
faceta gentil, que em duas ocasiões se revela diante de Saffi, uma garota
cigana aliada da resistência. Uma das missões secundárias envolve coletar
flores para uma poção, e Van Helsing sente-se constrangido pela tarefa, ao que
Lady Katarina afirma: “Você não consegue negar algo a uma garota bonita”. Mais
tarde, é possível levar uma flor azul para Saffi, em troca de um colar com
habilidades místicas.
No primeiro game da série, apenas uma classe de
jogador está disponível: o Caçador armado de espada, pistola e espingarda. No
segundo game surgiram o Taumaturgo, um equivalente do Mago, e o Engenheiro,
especializado em máquinas e bombas. No terceiro e último game da série, assim
como na versão do diretor, existem seis classes de personagem: Guerreiro,
Caçador de Recompensas, Mago dos Elementos, Espadachim das Sombras, Construtor
e até mesmo uma espécie de Ciborgue.
3-Lady Katarina.
https://www.youtube.com/watch?v=N5h_e0E7aj4
Eu
já havia falado da companheira de Van Helsing na lista de 10 Princesas dos
Videogames, e não canso de elogiar essa figura curiosa. Outrora uma donzela dos
tempos medievais, Lady Katarina foi assassinada num ritual macabro, sendo
liberta do castelo onde “vivia” pelo pai do herói, que a transformou numa
guardiã do clã. Ao contrário do protagonista sério e centrado, Lady Katarina é bem-humorada
e sarcástica.
Durante o combate, Lady Katarina luta ao lado do
herói, mas sem o controle direto do jogador. Assim como Van Helsing, a princesa
fantasma possui suas próprias habilidades e níveis de evolução, cabendo ao
jogador decidir se prefere deixar a garota mais focada no combate ou na defesa.
Lady Katarina pode atacar com as garras, lançar relâmpagos, congelar inimigos,
explodir a si mesma para matar monstros e absorver parte do dano recebido por
seu mestre, entre outros poderes.
É possível equipar Lady Katarina com os mesmos
acessórios do protagonista, mas no terceiro game (e consequentemente na versão
do diretor) a princesa fantasma possui seu próprio equipamento diferenciado,
incluindo corsets e luvas com garras. Quando eu era um novato no game, eu
cometi um erro muito engraçado: tentei equipar botas na Katarina, mas logo me
lembrei de que a personagem não tinha pés...
Maiores detalhes da história de Lady Katarina aparecem
na terceira parte da incrível aventura, quando descobrimos a irmã gêmea dela,
Lady Irina. Numa interessante (e irônica) desconstrução do clichê sobre irmãs
gêmeas, Katarina é a irmã malvada, e acabou morta num ritual após enganar
Irina, que deveria morrer em seu lugar. Com isso, toda a sua família foi
amaldiçoada, incluindo a desafortunada Irina, que virou rainha da Terra dos
Mortos e ainda guarda muito rancor pelo incidente.
A confissão de Lady Katarina a Van Helsing é dolorosa,
e ela também revela o temor de perder seu mestre no combate com Irina. Mesmo
com a limitação nas cenas, devido ao baixo orçamento na produção do game, é
inegável que os dubladores fizeram um excelente trabalho neste diálogo, com a
dupla de heróis falando de suas inseguranças e receios.
4-Bom Humor, mesmo num clima
soturno.
Apesar dos temas pesados e sombrios, acompanhados de
uma melancolia em alguns eventos, Incredible Adventures of Van Helsing não é um
game de terror, e sequer possui momentos assustadores. Desde o momento em que
Van Helsing pisa na Borgóvia, o clima geral é de aventura, exploração e muitas piadas
e gozações, algumas delas cínicas e macabras, porém não menos engraçadas.
Boa parte das brincadeiras se deve aos diálogos entre
Van Helsing e Katarina, que até soam como se fossem um casal discutindo
assuntos diferenciados, apesar de não haver relação romântica entre a dupla (ao
menos não abertamente). Às vezes eles discordam das atitudes a serem tomadas em
algumas ocasiões, o que rende situações hilárias.
O humor no game também se alimenta de referências a
diversas obras da cultura pop, tais como Guerra nas Estrelas, o Exterminador do
Futuro, Godzilla, Zorro, Tartarugas Ninja, O Mágico de Oz, Batman, Doctor Who,
Senhor dos Anéis, entre outras propriedades intelectuais famosas. Também
existem referências a games, como Super Mario, Fallout, Half-Life e Warhammer;
na maior cara-de-pau, os produtores da NeocoreGames puseram referências a um
game sobre o Rei Arthur, feito pela mesma empresa alguns anos antes.
Uma das referências mais engraçadas envolve uma missão
secundária do segundo game, onde Van Helsing e Katarina devem resgatar um
soldado chamado Bryan, numa clara referência ao filme O Resgate do Soldado
Ryan. Curiosa como sempre, Katarina pergunta ao rapaz se ele possui uma mensagem
secreta; na verdade, Bryan é o melhor cozinheiro do exército rebelde, e os
generais amam o bolo de chocolate dele. Nas palavras do protagonista: “Cumpri
com o resgate, e terei uma conversa com o alto comando”.
5-Chefiando a Rebelião.
O combate é apenas uma parte da tarefa espinhosa de
Van Helsing na Borgóvia, pois é preciso cumprir com a boa administração de seu
exército de insurgentes. Esse aspecto do game fica mais notável na segunda
parte da aventura, durante a defesa do esconderijo da Resistência contra o
exército do General Harker.
Nessa etapa, Van Helsing também se envolve no comando
de outros caçadores, cientistas e guerreiros. É preciso explorar as capacidades
de seus subordinados, pois alguns são melhores no combate, outros são bons
negociadores, enquanto outros possuem poderes místicos que lhes permitem
cumprir tarefas impossíveis a outros personagens. Assim como o protagonista e
sua companheira de viagem, os combatentes a serviço da Resistência também podem
receber equipamentos e upgrades.
Existem dois minigames que reforçam a ideia de liderar
a rebelião. Um deles é uma “defesa da torre”, onde é possível equipar máquinas
e recrutar monstros na proteção da base principal. O arsenal é variado nessa
etapa, assim como os estranhos “soldados”: Bombas, metralhadoras, lançadores de
chamas, moedores gigantes, lobisomens, gigantes de fogo e gelo... Esse minigame
ficou tão bom que a NeocoreGames lançou outro jogo baseado nessa etapa em 2015,
chamado Deathtrap.
O segundo minigame envolve um monstro chamado Quimera,
encontrado num laboratório secreto. O bicho se parece com uma cruza de urso,
cachorro e réptil, e se alimenta de magia e essências; é possível usar a
Quimera na busca de essências úteis, capazes de oferecer poderes às suas armas
e equipamento.
6-Mitologia Eslava e Steampunk.
A pesquisa no âmbito mitológico foi proveitosa durante
a produção de Incredible Adventures of Van Helsing, e a “fauna” de Borgóvia é
composta de inúmeras criaturas que já foram citadas na lista das 10 Lendas da
Rússia, neste mesmo blog. Devido à proximidade e à semelhança cultural, as
figuras mitológicas são comuns em outros países, como a Polônia, Hungria, a Romênia
e a Ucrânia.
Alguns monstros e criaturas ficaram diferentes de suas
descrições habituais, em nome do gameplay. Como exemplos, temos as Rusalkas,
que se parecem mulheres-sapos no game, e os Leshys, descritos como gigantes,
mas retratados como homens-bodes. Outro exemplo é o Vrikolak, uma criatura
descrita como um tipo de vampiro romeno (Varcolac, no original); no game, o
Vrikolak/Varcolac é uma espécie de Lobisomem-Ciborgue.
A criatura mitológica que aparece com mais frequência
nos games é o Domovoy, um tipo de gnomo protetor de lares. Na série, os
Domovoys são anões cinzentos (Van Helsing os descreve como “esses baixotes”)
com uma expressão bizarra, decorrente da poluição na Borgóvia. Os Domovoys são apaixonados
por dinamite, e uma das missões secundárias envolve auxiliar um “desses
baixotes” a explodir um encanamento que está poluindo um rio.
Nem todas as criaturas são baseadas na mitologia do
leste europeu, pois também existem robôs e construtos servindo o exército do
Professor Fulmigatti (e mais tarde do General Harker), além de autômatos
imensos. Os soldados-robôs a serviço de Fulmigatti são chamados Warknecht, um
neologismo juntando War (“Guerra” em inglês) com Knecht, uma palavra alemã para
“Servente”.
7-Trilha Sonora.
É inegável que a NeocoreGames se esmerou nesse
departamento, durante a produção de todos os jogos, com trilhas que remetem ao
Gótico do Século XIX, e referências aos filmes mais sombrios da Universal e da
Hammer. As melhores trilhas sonoras pertencem ao Menu principal dos três jogos,
e ao esconderijo da Resistência Borgoviana.
Não sei se outros críticos de jogos já comentaram a
respeito, mas existe uma sintonia entre o tema do Menu principal e do
esconderijo da Resistência: No primeiro jogo, as duas músicas são melancólicas;
no segundo game elas ainda são meio tristes, mas não tanto como no primeiro; já
no terceiro jogo, elas estão mais alegres e otimistas. É como se cada versão
dos temas buscasse retratar o ânimo da população borgoviana, que começou a luta
pelo país sem grandes perspectivas, mas adquiriu confiança em meio à
dificuldade.
Outro aspecto curioso: As três músicas dos Menus
principais também servem como os respectivos temas da Lady Katarina. De certa
forma, essas trilhas sonoras refletem a jornada da princesa fantasma ao lado de
seu mestre, e o inevitável acerto de contas com o passado cruel de sua família.
*Para conferir a Trilha Sonora, clique nos Links a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=iRr5TWo0npk
*The Hero and the Ghost Lady
https://www.youtube.com/watch?v=_QgAM00YOXQ
https://www.youtube.com/watch?v=3IS-9Z-Si2s
*The Lair
https://www.youtube.com/watch?v=HeT2cs_o8mc
https://www.youtube.com/watch?v=folaiXIqKqA
https://www.youtube.com/watch?v=NGZwtEt1Ecg
8-Muitos Segredos a serem
descobertos.
O número grande de referências a serem encontradas
pelo jogador em seu caminho pela libertação da Borgóvia se reverte em bons
equipamentos e vantagens. Isso estimula a exploração dos cenários em busca de
mais tesouros, ou ao menos por umas boas risadas em meio à aventura.
Um bom exemplo de “piada longa” ocorre na escalada da
Montanha de Perun (nós também falamos desse Deus do Trovão na lista das lendas
russas), quando Van Helsing e Lady Katarina encontram um peixe dourado
congelado num rio:
“Rápido, Van
Helsing! Faça um pedido! Peixes dourados podem realizar desejos!”
“Bom, não custa
nada tentar... Eu desejo uma companheira fantasma sensível, meiga e que não me
trata com ironia e sarcasmo”.
“Ah, eu devia
saber! Seu humano arrogante!”
“Bom, a tentativa
foi válida...”.
Mais tarde, a dupla encontra uma fornalha na fundição
do exército do General Harker, e eles usam essa mesma fornalha para descongelar
o peixe dourado. Van Helsing pensa em utilizar os poderes do peixe dourado para
acabar com a guerra, mas Lady Katarina, como de hábito, se intromete na
situação:
“Uma boa ação
deve ser recompensada: Eu concedo um pedido a vocês”.
“Ei, não deveriam
ser três pedidos?” – Pergunta Lady Katarina.
“Oh, não! Não!
Estou cansado desses enganos! É apenas um pedido, e nada mais!”
“Apenas um pedido,
não é mesmo? Bom, nós poderíamos pedir pela paz na Borgóvia e o fim dessa
guerra, e...”.
“Quero um par de
brincos de diamante!”
“Desejo concedido.
Até mais!”
Sinal Amarelo: Tradução
disponível ao Português... De Portugal!
A dublagem de Incredible Adventures of Van Helsing é
toda em inglês, mas o número de linguagens disponíveis nas legendas é
impressionante: Alemão, Húngaro, Polonês, Francês Espanhol, Italiano e
Português. Entretanto, a grafia usada pertence ao idioma da “Terrinha”, com
seus maneirismos estranhos aos brasileiros.
Esse detalhe, entretanto, possui seu lado positivo: Os
diálogos em português de Portugal soam adequados nos personagens, afinal de
contas eles são europeus. Também é adorável ver Lady Katarina chamando Van
Helsing de “Parvo”, dizendo “Isto me parece bazófia”, ao questionar a
veracidade de uma situação apresentada, ou falando “que giro!” ao invés de “que
legal!”.
Pontos Negativos:
1-Enfraquecimento da História
no Último Terço.
Como alguém que jogou mais pela história do que o
próprio game, eu devo dizer que a terceira parte da aventura é a mais fraca no
âmbito narrativo. A história do terceiro game até começa bem, com o resgate do
Conde Vlados e as lutas contra o Culto ao Prisioneiro Número 7, mas essa
história logo é abandonada em proveito da caçada ao Koschei, que se apossa de
toda a narrativa.
Nessa etapa, Van Helsing soa como alguém sofrendo de
ideia fixa, além de ocorrer uma diminuição no auxílio à Resistência, com menos
missões a serem cumpridas em benefício da rebelião. É como se Van Helsing
estive obcecado em se vingar da traição do Prisioneiro Número 7, ao ponto de se
afastar da Resistência Borgoviana, quando ela ainda necessita de ajuda contra
os monstros e remanescentes do exército do falecido General Harker.
Acredito que a ideia desse núcleo narrativo mais coeso
foi enfatizar o confronto entre o herói e o vilão, mas não vemos muito do Culto
ao Prisioneiro Número 7 e os danos causados por eles na Borgóvia, então fica
difícil compreender sua real ameaça. Após a invasão de uma base dos cultistas,
os heróis exploram uma floresta, onde eles encontram ninguém menos que a Bruxa
da história de João e Maria (é divertido ver a Bruxa reclamando de “rumores
falsos espalhados por crianças”), e mais tarde eles lidam com vampiros na
capital.
O ponto mais divertido dessa etapa da aventura sem
dúvida é a luta no Circo mal-assombrado, onde Van Helsing e Katarina encontram
a médium Fata Morgana, uma velha conhecida da princesa fantasma. Graças a
Morgana, os heróis conseguem alcançar a Terra dos Mortos e enfrentar Lady
Irina, que finalmente é libertada de sua ocupação como líder do lugar, mas não
perdoa Katarina pelo acidente com o pônei, quando elas eram crianças.
Depois da luta contra Irina, os personagens visitam as
Ilhas do Vácuo, localizadas em dimensões paralelas e bizarras. Em comparação
com tudo visto na jornada até então, essa etapa é a mais “sem-graça” de toda a
série, pois as Ilhas do Vácuo possuem quase nenhuma relação com a travessia pessoal
dos heróis, servindo mais como um adendo que poderia ser dispensado sem maiores
problemas à narrativa.
2-Um Gostinho de “Quero Mais”.
https://www.youtube.com/watch?v=MCKCPVs3FO0
Esse ponto negativo revelará o final do terceiro jogo,
então leia por sua própria conta e risco. Após a derrota de Koschei, Van
Helsing decide liberar Lady Katarina do serviço prestado à família, e a
princesa fantasma afirma que não sairá de perto dele, pois “se aventurar ao
lado de um caçador é um bom jeito de passar a eternidade”. A garota ainda
afirma que dessa vez o herói não poderá ordená-la a se afastar dele, o que
tornará a coisa mais “interessante”.
Após a declaração de Lady Katarina, Van Helsing faz
sua última narração, comentando que Borgóvia sofreu muito na guerra, mas surgiu
uma oportunidade para a ciência bizarra e a magia tradicional trabalharem
juntas na recuperação do país. Nas palavras finais do herói, “minha tarefa aqui
está finalizada, e o que vier será uma jornada totalmente nova”.
Não estou afirmando que esse final é ruim ou
inadequado à trilogia, mas é impossível não sentir uma tremenda curiosidade
sobre o que virá depois: como ficará Borgóvia? Van Helsing e Katarina voltarão
à sua base no oeste da Europa, ou continuarão observando o país de perto, para
evitar mais abusos? Durante a narração do primeiro game, Van Helsing comenta
sobre a travessia dele ao lado de Lady Katarina, antes de alcançarem a
Borgóvia; que tal uma breve aventura se passando antes da história principal
sobre essa jornada?
O jogo possui conteúdo extra, chamado de Mapa da Aventura,
onde é possível cumprir missões pré-determinadas, como caçar um determinado
número de criaturas em um período cronometrado, eliminar totens amaldiçoados ou
mesmo procurar por Domovoys carregando bombas. Sem dúvida são atividades
divertidas, mas elas não oferecem mais história ao game, um ponto onde ele se
destaca com louvor.
3-Escasso Conteúdo à
Disposição em Outras Mídias.
https://www.youtube.com/watch?v=kSQ89femrJA
Esse aspecto está relacionado a uma triste realidade:
Incredible Adventures of Van Helsing não foi um grande sucesso, ou ao menos não
foi um fenômeno de vendas. As análises mais “generosas” descreveram o primeiro
game como “mediano”, e isto inevitavelmente afetou as vendas das continuações,
que foram maiores que seu precursor, mas não capazes de reverter a impressão
ruim do início da saga.
Quase todas as fotos disponíveis do game estão em
sites de análises, ou no próprio site da NeocoreGames, explicando a razão pela
qual coloquei vídeos em alguns trechos desse artigo. Essa dificuldade pode ser
atribuída à inexistência de uma base grande de fãs (descrita como fanbase no
jargão da internet) para mover a popularidade desse game.
Carregando a pecha injusta de ser mais um “Diablo
Clone”, Incredible Adventures of Van Helsing não gerou uma comunidade fiel,
daquele tipo que faz desenhos dos personagens ou escreve histórias de fã
(fanfic, no jargão da internet). Em geral, quem se aventurou por esse game é
aquele jogador que já passou por RPGs Isométricos em ocasiões anteriores, e não
costuma colocar esse game entre seus favoritos.
Uma das razões mais bizarras pela recepção morna de
Incredible Adventures of Van Helsing deveu-se a um trailer onde aparece um
design anterior do herói, o qual foi visto como “excessivamente afeminado” pelo
público. A NeocoreGames chegou ao ponto de fazer um anúncio oficial, afirmando
que mudariam o visual dele.
Essa situação constrangedora envolvendo o visual do
protagonista gerou uma piada no segundo game: Na Montanha de Perun é possível
encontrar o cadáver perdido de um caçador, descrito como “afeminado” pelo
protagonista. Segue o diálogo entre Van Helsing e Katarina diante da curiosa
figura:
“O que é isto? Menininhas
estão virando caçadoras?!”
“É um rapaz... E
ele até se parece contigo...”.
“Você só pode estar
de brincadeira...”.
E Bem, e o Resto (observações
finais)?
Disponível na plataforma Steam, e também no Xbox,
Incredible Adventures of Van Helsing está longe de ser um jogo perfeito, mas eu
recomendo para jogadores casuais, como é o meu caso (não me envergonho de
afirmar isso), e para os fãs dos gêneros Steampunk e Gótico “suave”, sem terror
explícito ou cruel. Sem contar que o preço de R$ 12,19 da versão do diretor que
junta os três games está bem acessível (ao menos da última vez que chequei no
site da Steam).
Com tantas reinterpretações já realizadas em filmes,
livros e outras mídias sobre o nosso ocultista preferido nascido na Holanda e
nêmeses do terrível Drácula, vale o esforço de explorar as vilas, florestas,
pântanos, cidades, fábricas e cavernas da Borgóvia. Mesmo para quem não é um
jogador habitual, também vale a pena dar uma conferida em Incredible Adventures
of Van Helsing.
Texto escrito por Mateus
Ernani Heinzmann Bülow.
Mateus é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor e colunista do blog "Recanto da Escritora". No blog, ele analisa videogames, livros, lendas urbanas e curiosidades históricas.
Mateus e Tatyana estudaram na mesma faculdade e se conheceram no Sarau "Entardecer Poético" da saudosa poetisa Ruth Larré. Nesse sarau, jovens poetas da cidade de Santa Maria (RS) recitaram as suas poesias e interpretaram as poesias favoritas da Ruth Larré. Ele é colunista do blog da Taty desde 2012 e também já gravou o Podcast "Literatura em Ação" junto com ela no YouTube e no Spotify.
*Primeiro texto do Mateus publicado no blog da Taty:
https://poetisataty.blogspot.com/2012/09/a-tragedia-do-rei-gelado.html
*Podcast Literatura em Ação:
*Mateus é o autor de dois
livros de fantasia publicados (disponíveis na Amazon):
*Taquarê: Entre a Selva e o Mar
*Taquarê: Entre um Império e um Reino
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