Barbie: um filme hipnótico, espontâneo,
imaginativo, surreal e sem muita coerência narrativa tal como uma bela brincadeira
de criança.
Considerando que o filme da Barbie recebeu oito indicações em sete categorias do Oscar (a cerimônia do Oscar acontecerá no dia 10 de Março de 2024), resolvi publicar um texto com uma análise ampla e justa do enredo sem as críticas clichês da polarização política.
Infelizmente, os conservadores demonizaram o filme de forma injusta por causa das palavras feministas do roteiro. Por outro lado, os progressistas mais "radicais" e até mesmo as feministas mais "radicais" acusaram a Barbie de simplificar demais a discussão feminista e pregar um feminismo de plástico (o mundo está ficando chato demais e eu tenho saudade do tempo que eu brincava de Barbie e de como o mundo era naquela época - risos). No meu texto, fiquei longe de ambas as críticas.
Com uma visão ampla e sem contaminações ideológicas, busquei reunir os elementos mais importantes do filme (e até encontrei elementos conservadores nele). Boa leitura!
*Advogando pela Barbie: por que
os cristãos podem assistir ao filme e gostar da Barbie?
*Observando a Barbie de
maneira ampla, holística e equilibrada.
*Cuidado! A minha análise do filme da Barbie
tem Spoiler, pois eu conto alguns detalhes do enredo. Assista ao filme primeiro
com o coração aberto e sem preconceitos antes de ler a análise caso você queria
uma experiência mais emocionante e enriquecedora.
*Uma perspectiva ampla e justa
de Barbie.
Barbie
é um filme extremamente irônico e polissêmico. Ele tem piadas de duplo sentido
e interpretações com múltiplas perspectivas. Não tem como colocá-lo numa caixa.
Sou cristã (católica) e não me senti ofendida
com o filme da Barbie, pois ele não ataca o cristianismo em si de jeito nenhum.
É verdade que ele ataca o patriarcado e a forma como a sociedade se organiza,
mas não de um jeito “comunista” nem “radical”.
O enredo de Barbie ataca o mundo real e todas
as suas aflições (conflitos, machismo, problemas psíquicos, injustiças e os
maiores sofrimentos das mulheres). Como cristã, eu me lembrei do que Cristo
disse "Eu disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo
vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo (João 16:33)”.
Barbie é ligeiramente feminista, mas não é nem
de longe um filme feminista marxista ou comunista radical. É o momento mais
capitalista do cinema e o marketing mais pesado dentro do livre mercado que eu
já vi, razões que eliminam qualquer rótulo socialista para ele.
O feminismo tem várias correntes, mas podemos
dizer que as correntes que mais têm rivalidades é a liberal x a marxista. Podemos
dizer que o feminismo “radical” não gosta de Barbie, porque ele buscar
descontruir a feminilidade (e todos os padrões) de maneira belicosa enquanto
Barbie é doce, feminina, pacífica, bela e até sexy (todas as virtudes que mais
irritam o radicalismo).
O feminismo radical busca quebrar os padrões
de gênero enquanto Barbie é o epítome do prazer de ser mulher. As correntes
esquerdistas mais radicais e alguns teóricos da ideologia de gênero detestam
associações entre cores e gêneros, mas Barbie mostra, definitivamente, que o
cor-de-rosa é feminino.
Quem acusa a Barbie de sempre ter sido feminista
nunca estudou a sua história nem a do feminismo. Diversas feministas foram as
grandes inimigas da Barbie ao longo de muitas décadas, porque elas acusavam a
boneca de oferecer padrões clássicos e até mesmo inatingíveis de beleza além de
se enquadrar na feminilidade conservadora.
Muitas mães feministas não deixaram as suas
filhas brincar de Barbie, por exemplo. Quem mais comprou Barbie para as suas
filhas? A mãe conservadora e do lar que, enquanto cuidava da casa, deixava a
sua filha brincando de Barbie, estudando e sonhando com diversas profissões
além do lar.
Sempre
foram as famílias cristãs que davam bonecas para as suas filhas, pois as
famílias com outras ideologias não se importavam com brinquedos tipicamente
femininos. Eu brincava de Barbie com as minhas primas católicas e são as minhas
amigas cristãs as que mais têm memórias afetivas com a Barbie. Eram as meninas
católicas que brincavam de Barbie nas tardes ensolaradas de domingo após a
missa. A maioria das feministas nem sequer fala o nome da boneca.
O filme da Barbie é um filme irônico e nem
todo mundo tem uma sensibilidade inteligente para captar ironias. Ele defende a
Barbie e zomba do próprio feminismo, porque passa, em suas entrelinhas, o
seguinte: “o feminismo criticou a Barbie injustamente, tendo em vista que a
Barbie sempre quis libertar a mulher em vez de proclamar padrões”. Por mais que
a diretora seja feminista e critique o patriarcado, ela também abraçou a causa
da Mattel e defendeu os bons aspectos da Barbie nas entrelinhas.
Infelizmente, quando pensamos na palavra
“feminismo”, logo nos lembramos daquelas mulheres extremamente belicosas e radicais,
fazendo passeatas destrutivas e cometendo atitudes transgressoras (inclusive
contra a Igreja).
Mas, nós não podemos generalizar o
movimento: inicialmente, ele só pretendia igualdade de direitos entre homens e
mulheres sem qualquer agressividade transgressora. Há feministas boas e más,
assim como há conservadoras boas e más e pessoas boas e más em todos os
lugares, religiões e espectros políticos.
Ocorre que a palavra “feminismo” virou um “veneno”
por culpa das más atitudes das próprias feministas radicais que marcaram
negativamente o inconsciente coletivo. Eu mesma nem uso mais essa palavra e
prefiro proferir a palavra “humanitarismo” quando eu quero abordar os direitos
das mulheres e os direitos humanos.
Se você quiser deixar o mundo um pouquinho
melhor, faça a diferença sendo uma pessoa humanitária e filantropa. A
generosidade é universal e não precisa de espectros políticos. Infelizmente, a
palavra feminismo assusta e deve ser evitada, principalmente em ambientes
conservadores. Em verdade, as pessoas associam essa palavra aos piores aspectos
do movimento e não aos melhores.
É melhor dizer que você é humanitária do que
feminista, porque a palavra "humanitária" é bem aceita e você pode lutar pelas
causas que quiser (inclusive causas humanitárias que envolvem os direitos das
mulheres...).
A diretora Greta Gerwing, no entanto, não teve medo de usar
palavras políticas fortes, razão pela qual está sendo julgada. Contudo, eu
acredito que a sua direção criativamente anárquica e sem filtro fez parte do
seu show de humor.
*Barbie
não critica apenas o patriarcado: ela critica o mundo todo (incluindo o
feminismo).
Barbie
é uma grande festa, onde todos nós somos convidados e todos nós somos zombados:
pessoas de direita, pessoas de esquerda, pessoas que gostam da Barbie, pessoas
que não gostam da Barbie, homens e mulheres.
Apenas não vi a Barbie zombando da religião.
Aliás, o filme nem tocou a esfera religiosa embora utilize palavras políticas
sem filtro. Acredito que, se a Barbie se agarrasse numa religião, talvez ela
tivesse mais esperança e não caísse em depressão ao se deparar com as mazelas
da realidade.
Vamos combinar que o nosso mundo sem
religião seria intragável? Sair de um mundo perfeito e cor-de-rosa para entrar
em nosso mundo sem qualquer perspectiva além da matéria é uma experiência bastante
depressiva realmente.
Também creio que a Barbie seria facilmente
“evangelizada” se viesse ao nosso mundo pelo seu perfil delicado e idealista,
mas isto é um assunto infinito. Ela não se enquadrou em nenhuma filosofia
mundana, razão pela qual creio que apenas a religião poderia saciar a sua sede
existencialista pelo sentido da vida.
Em vez de atacar a Barbie, o verdadeiro
cristão apresentaria Jesus Cristo para ela. Se você é cristão, você pode assistir
ao filme da Barbie e abrir a criatividade da mente para fazer reflexões
bíblicas sobre o mundo real.
Uma Barbie religiosa não teria pensamentos
de morte, pois iria crer na vida eterna. Só Cristo oferece a verdadeira
felicidade que cura a tristeza do mundo. E a felicidade que resgataria a Barbie
não é a de plástico, mas a celeste.
Por que toda pessoa religiosa e conservadora
deve ser necessariamente amante do patriarcado ou concordar com tudo o que há
no mundo? Quem disse que o patriarcado é perfeito ou que o mundo é perfeito? O
reino de Deus não é desse mundo e nós somos chamados a transformar o mundo
através do amor, sendo sal na terra e luz no mundo (Mateus 5, 13-14).
Voltando ao filme, o enredo tem aquele humor
clássico do qual eu sentia falta: um humor que é doce e ácido ao mesmo tempo
enquanto zomba de todos de forma apoteótica. É um filme que “rasga” o verbo sem
o “mimimi” atual. Ora, não estávamos sentindo falta de um humor sincero e
escrachado no maior estilo “Casseta & Planeta”? Por que algumas pessoas conservadoras
se ofenderam tanto? Esse é o tipo de humor mais autêntico que existe!
O enredo todo é uma crítica ácida para o
mundo e para a realidade social que lava a alma da mulher que já foi ferida
pela dureza da realidade quando deixou de brincar de bonecas para encarar o
mundo lá fora.
O filme da Barbie critica ironicamente o
próprio feminismo em alguns pontos:
*o feminismo já acusou a Barbie de ser um
objeto sexual masculino por sua beleza, mas a boneca detestou ser vista como
objeto quando visitou a vida real, é sexualmente inocente e não tem sequer uma
vagi** por ser de plástico;
*o feminismo já afirmou que a Barbie pode
prejudicar a autoestima das meninas, mas a Barbie sempre quis elevar a autoestima
das meninas (Barbie inclusive reconhece a senhora sentada no banco da praça
como a sua inspiração apenas pela autoestima dela);
*muitas feministas enxergam a Barbie como uma
figura feminina fútil, mas o filme mostra o poder da inteligência feminina e o
quanto a Barbie também pode ser existencialista, filosófica e profunda (não há
nada fútil ou bobo nela);
*no filme, a personagem Sasha
é a típica adolescente rebelde (e chata) americana que deixa de brincar de
Barbie e de conversar com a mãe após estudar o feminismo na escola (a
personagem mais “feminista” do filme tem alguns traços de vilã incialmente,
detona a Barbie de maneira injusta e todo o seu discurso é uma representação
irônica do que a Barbie já foi acusada pelo feminismo).
*A luta contra a visão
sexualizada sobre a mulher: a rara luta em comum de feministas e conservadores
mais religiosos.
Sempre me incomodei com as grosserias do
machismo. Homens que fazem piadas contra as mulheres, defendem a infidelidade e
olham para nós de forma constrangedora e lasciva nos espaços públicos sempre
demonstraram desrespeito contra nós.
Sempre me senti angustiada com as baixas
vibrações desse mundo tão carnal e ignorante, seus conflitos, desigualdades,
injustiças, impurezas, grosserias e machismo.
E essa minha angústia existencial (parecida
com a angústia da Barbie vendo os conflitos da vida real) dentro do meu coração
feminino não me levou ao feminismo, mas me levou para o caminho religioso com
mais profundidade de espírito. Na religião, eu encontrei devoção, pureza,
esperança, delicadeza e respeito diante da feminilidade que Deus me deu: tudo o
que o meu espírito ama e precisa para ser feliz.
No caminho da espiritualidade, eu descobri
que nós devemos “purificar” o mundo de um jeito divino. É preciso sensibilizar
o ser humano, educar o homem e levar mais sabedoria ao mundo para que haja mais
santidade e menos pecado. Não acredito que o caminho para um mundo com mais
respeito seja através de qualquer espectro político, mas através da sabedoria e
da sensibilidade.
Eu sempre gostei da pureza. E não falo
“pureza” num sentido puritano, mas num sentido virtuoso e espiritual. Segundo o
mestre espiritual Yogananda (eu também leio mestres de outras culturas e religiões),
Deus brilha através de uma alma pura e transparente. Pureza tem a ver com
elegância, delicadeza, ternura, castidade e harmonia (valores bem cristãos).
Quando você tem uma alma muito feminina e delicada,
o contato com o mundo real dói muito mais. As vibrações impuras do mundo e a
energia predominantemente masculina da sociedade não entram em sintonia com a
mulher que carrega fortemente o divino feminino e a sensibilidade dentro de si.
Barbie é essa mulher extremamente feminina
que vive num mundo cor-de-rosa delicado. Sendo assim, é óbvio que a
indelicadeza e a energia masculina do mundo iriam incomodar a sua
personalidade.
Engana-se quem pensa que apenas o feminismo
quer mudar a visão do homem sobre a mulher. O cristianismo defende a castidade
e considera até mesmo um pecado a construção de um objeto sexual diante da
figura da mulher. Na religião cristã, a família, a castidade, a fidelidade e o
respeito diante da dignidade da mulher são pilares bem importantes.
O cristianismo ensina o homem a respeitar a
mulher. Jesus nos ensina que devemos arrancar o olhar de pecado e construir um
olhar santo sobre o mundo (Mateus 5, 29). Em vez de olhar a mulher de forma
exageradamente sexualizada, já chegou a hora do homem e da sociedade
conseguirem um novo olhar diante da mulher: um olhar puro, santo e que respeite
a sua dignidade humana.
Barbie é uma mulher bonita e pura. Ela gosta
de ser charmosa e de encantar as pessoas com a sua beleza, mas ela não gosta de
ver a sua beleza transformada num objeto sexual. No filme, tudo indica que
Barbie é virgem (há piadas do início ao fim sobre essa informação). Ela vive
num mundo tão feminino que não há espaço para namorar o Ken em sua rotina.
Barbie se parece com aquelas mulheres castas,
“alienadas” e assustadas com o mundo que viviam no final da década de 50 (época
em que a Barbie foi criada e que antecedeu a revolução sexual dos anos 60). O
filme até pode ser feminista, mas foram a beleza, a feminilidade, a pureza e a
delicadeza (qualidades valorizadas pelos cristãos) da Barbie que mais chamaram
a atenção do público e da mídia.
A personagem Barbie, em si, tirando o
contexto feminista do roteiro, é mais parecida com as cristãs (e moças castas
do século passado) do que com as feministas atuais. Até as roupas de Barbie são
elegantes, charmosas e lembram o século passado. Não entendo como uma Barbie
virgem, incomodada com o assédio sexual e assustada com os aspectos ruins da
vida real pode incomodar os puritanos.
*A Barbie não ataca os homens
de forma destrutiva, mas oferece críticas construtivas (e divertidas!) sobre alguns
comportamentos que eles podem ter e defende o caminho do autoconhecimento para
os homens.
A Barbieland (ou “terra da Barbie” se
preferir) é um mundo invertido, pois é um espelho que reflete o contrário do
nosso mundo real. Na vida real, o princípio masculino predomina e isto fica
evidente nos elementos que dominam o mundo: mercado financeiro, patriarcado,
aspectos materialistas, ceticismo e raciocínio lógico.
Ocorre que, na Barbieland, o princípio
feminino é o predominante por causa dos elementos mais chamativos de lá:
feminilidade, sonho, imaginação, matriarcado, aspectos surreais, crença
metalinguística e pensamento fantástico.
À primeira vista, poderíamos dizer
simplesmente que o filme é feminista. Mas, ele não é apenas um filme que
critica o mundo real sob a ótica feminista. Esse filme vai muito além disso:
ele critica o desequilíbrio de ambos os mundos e prega o caminho do meio.
A Barbie é a protagonista de Barbieland
enquanto o Ken é um coadjuvante: o mundo cor-de-rosa de plástico gira em torno
dela e só dá palco para o Ken quando a Barbie olha para ele. Isto não é
menosprezar o personagem masculino (e todo mundo que viu o filme sabe o quanto
o Ken de Ryan Gosling roubou a cena e se tornou um personagem central), mas
fazer uma sátira do mundo da Barbie (realmente, as pessoas não interpretam
sátiras...).
Quando éramos garotas e brincávamos de Barbie,
a Barbie era, de fato, a personagem principal da nossa brincadeira. Nem todas
as meninas tinham condições financeiras para ter a Barbie e o Ken. Entre a
Barbie e o Ken, todas escolhiam a Barbie. Apenas comprávamos o Ken quando
tínhamos boas condições financeiras e quando queríamos um complemento na
brincadeira. O Ken era como um “brinde”, algo que tornava a brincadeira mais
especial.
No mundo da Barbie, o Ken era apenas o
“namorado” da Barbie e o “companheiro bonitinho” que complementa a brincadeira.
Se, na Barbieland, o Ken não era reconhecido pelo seu real valor por ser visto
como mero acessório da Barbie, na nossa vida real, sabemos que, muitas vezes,
são as mulheres que sofrem com o preconceito machista de serem vistas como
meros objetos bonitos e complementares dos homens em vez de serem valorizadas
em sua totalidade e integridade humana.
O filme reflete sobre o papel da mulher no
mundo real e o papel dos Kens na Barbieland. Na vida real, muitas mulheres são
carentes e dependem emocionalmente dos homens. Mas, na Barbieland, o Ken é
carente e depende emocionalmente da Barbie.
Na vida real, as mulheres ainda não ocupam
todos os lugares de poder e comando. Na Barbieland, os Kens se sentem
injustiçados por não ocuparem mais espaços e por não terem tantas profissões
como as Barbies (perceberam o espelho invertido?).
Assim como um espelho invertido, o Ken é
mais sensível e se sente “deslocado” no mundo paralelo. Sabemos que, quando a
mulher é forte, poderosa e tem boa autoestima como a Barbie (mesmo passando por
uma crise existencial e depressiva, ela representa essas qualidades), ela atrai
homens mais sensíveis e com o espírito mais emocional (isto acontece na vida
real também, pois existem mulheres fortes no nosso mundo apesar das
desigualdades).
O Ken é o típico personagem engraçado que
passa o tempo inteiro tentando conquistar a Barbie sem sucesso (como um
pretendente chato e pedante), mas que vai crescendo ao longo da trama até
cativar a Barbie e todo o público.
Ken tem o seu valor oculto e é injustamente
subestimado pela Barbie. E isto acontece também na vida real: quantas vezes
deixamos de dar atenção para o sujeito certo? Nesse ponto, vejo o quanto o
filme traz reflexões para as mulheres também, visto que devemos valorizar os
homens certos e observar melhor as pessoas ao nosso redor.
Não é só a vida real que peca por causa do seu
machismo: a Barbie também “peca” em seu egocentrismo feminino e cor-de-rosa. Ao
valorizar apenas as amigas e deixar o Ken de lado, ela faz de Barbieland um
mundo desequilibrado também e tão desigual quanto o mundo real (só que num
sentido invertido: Barbieland é injusta com os homens).
E, agora, abro espaço para as mulheres
refletirem: vocês conseguem observar que algumas mulheres são “tóxicas”,
desequilibradas e egocêntricas em nosso mundo? Quantas mulheres deixam de olhar
para os aspectos emocionais dos homens com empatia? Será que não falta empatia
de ambas as partes? Será que o nosso desequilíbrio e os conflitos entre homens
e mulheres não são desencadeados por falta de compreensão?
Quando o Ken viaja com a Barbie para o mundo
real e descobre o quanto os homens são poderosos fora de Barbieland, ele fica
deslumbrado e leva um projeto de poder patriarcal para o seu mundo de plástico
assim que volta para lá (o Ken tentando dominar a terra da Barbie parece o
Cebolinha tentando “roubar” o protagonismo da Mônica com os seus planos
infalíveis nos gibis).
Para quem leu gibis na infância (eu brinquei
muito de Barbie e lia muitos gibis da Turma da Mônica), a rivalidade entre
meninos e meninas no mundo animado é comum. Quem não se lembra do Clube da
Luluzinha x Clube do Bolinha? Quem não se lembra do Cebolinha fazendo planos
“infalíveis” para ser o dono da rua? No mundo dos gibis, Luluzinha e Mônica
sempre foram personagens femininas fortes que inspiravam as meninas a confiarem
em si mesmas na vida real.
As cenas do Ken percebendo o quanto o nosso
mundo real é patriarcal e dá privilégios aos homens são polêmicas e engraçadas,
provocando risadas em algumas pessoas (e a ira de outras). Ao voltar para o seu
mundo de boneco, ele faz uma espécie de “lavagem cerebral” nas amigas da Barbie
e toma a casa da Barbie como um típico usurpador (muda a decoração e até o nome
da casa dela para Mojo Dojo Casa House hahaha).
Inicialmente, percebemos que o Ken não era
machista: ele era apenas um personagem que amava uma bela mulher que não o
amava de volta. Ken se torna machista e usurpador após enfrentar a dor da
rejeição.
E,
quantas vezes não é a rejeição o maior gatilho da fúria dos homens? Ken é
apenas um personagem engraçado, mas a fúria dos homens, na vida real, não é
nada engraçada. Na vida real, o machismo mata e muitos homens cometem crimes
bárbaros contra as mulheres quando se sentem rejeitados por elas.
Na minha perspectiva, tudo o que o Ken fez na
Barbieland foi só para chamar a atenção da Barbie e se vingar de cada momento
em que ela o rejeitou. É caricata a representação masculina de Barbieland, mas
não creio que o filme quis passar a mensagem de que todos os homens são idiotas
para o seu público tão inteligente. O filme passa a mensagem de que os homens
podem cair em padrões equivocados de comportamento se não forem espertos e
vigilantes.
Todos nós sabemos que há bons homens
(inclusive bons patriarcas), bons pais de família e homens sábios na vida real
(nem todos os homens são maus, bobos e machistas). Um filme que prega tanto a
riqueza da diversidade não quis generalizar preconceitos contra qualquer grupo
(nem mesmo contra os homens!). Entretanto, muitas vezes, os homens se comportam
como bobos quando ainda não têm a identidade bem definida e segura
(principalmente os garotos na fase da adolescência!).
Para mim, o filme retrata as descobertas de
identidade no período da puberdade. Embora os atores sejam adultos entre a
faixa dos 30 e 40 anos, Barbieland é uma maravilhosa caricatura da
adolescência. Crises existenciais, a descoberta da vocação, a primeira paixão e
a luta por um lugar no mundo são temas bem adolescentes. As cenas da praia de
plástico e dos Kens tentando conquistar as Barbies lembram a novela “Malhação”
e aqueles filmes adolescentes da “Sessão da Tarde”.
Muitas pessoas falam que o filme é para os
adultos curarem a sua “criança interior”, mas, na internet, já existem algumas
pessoas comentando que o filme, em verdade, veio para curar o nosso
“adolescente interior”. Há indivíduos que chegaram perdidos na vida adulta e
ainda não conseguiram encontrar o seu lugar no mundo (especialmente os adultos
da minha geração). Talvez essas pessoas não tenham amadurecido o suficiente e
precisam resgatar algumas questões da sua adolescência.
Ken é
inseguro como um rapaz adolescente tentando conquistar a sua primeira paixão e,
ao mesmo tempo, descobrir quem ele é. Muitas vezes, o rapaz inseguro adota um
comportamento bobo e machista para chamar a atenção das moças.
Parece óbvio que os Kens adotariam atitudes
bobas e machistas depois de sofrerem tantas rejeições pelas Barbies de
Barbieland e serem contaminados pelas informações do funcionamento patriarcal
do nosso mundo.
O plano
maluco e usurpador do Ken deu certo: a Barbie passou a prestar mais atenção
nele enquanto tentava salvar as amigas da lavagem cerebral e tomar a sua casa
de volta. Por que a Barbie não tratou melhor o Ken quando ele era bonzinho e
solícito? Aqui também fica uma reflexão para as mulheres: precisamos valorizar
os homens sensíveis e que nos amam para impedir o crescimento do machismo.
É bonita a cena em que a Barbie recupera a
sua casa: ela dialoga com o Ken e descobre que o sonho dele era dividir a casa
igualmente com ela e não tomar a casa para si como um usurpador. Nessa cena,
vemos que o Ken não é machista, mas um rapaz com o coração ferido pela
rejeição.
Barbie tem um diálogo profundo e
existencialista com o Ken, convidando o namorado para um mergulho no
autoconhecimento. Essa é uma das minhas cenas prediletas, pois Barbie diz para
o Ken que ele não é a namorada, a praia nem nada que ele pensa definir a sua
identidade.
Ele é apenas o Ken e precisa descobrir a si
mesmo antes de tentar conquistar o amor dela. A sabedoria de Barbie é a de que
precisamos nos amar primeiro antes de buscar preencher o nosso vazio e a nossa
carência com o amor dos outros.
Quando Barbie decide voltar para uma
experiência humana na vida real e ocupar o seu espaço como mulher no nosso
mundo, há um acordo interessante entre Barbies e Kens: os Kens passam a ter
mais direitos e mais profissões dentro da Barbieland também, sugerindo um belo
equilíbrio de poder entre homens e mulheres no mundo paralelo.
Sendo assim, por mais que as Barbies
recuperem o seu poder em Barbieland no final do filme, escrevam a sua
Constituição (sim, tem até direito constitucional no filme da Barbie e a mensagem
de que o poder está nas mãos de quem escreve as leis) e dominem o território,
os Kens passam a ter mais destaque no mundo de plástico também.
Quanto à terra das Barbies, é preciso fazer
algumas observações: Barbieland não é uma subversão socialista nem um mundo
feminista radical. Barbieland é apenas um grande matriarcado cor-de-rosa com
mulheres sendo protagonistas em tudo, assim como uma grande brincadeira de uma
menina sonhadora e ambiciosa. Além do mais, Barbieland é bem capitalista: cada
Barbie tem propriedade privada e ostenta a própria casa e o próprio carro
(risos).
*As reflexões psicológicas são
universais.
Muitas pessoas estão falando que o filme da
Barbie traz reflexões políticas tendenciosas, mas eu acredito que o lado
político do filme é mais sarcástico do que tendencioso e que a verdadeira
mensagem do filme é psicológica e universal.
A
mensagem do filme é a seguinte: independentemente do sistema político do mundo,
do patriarcado ou dos padrões que tentam impor a você, seja você mesmo. Não
busque seguir qualquer padrão estético, político ou filosófico (nem mesmo o
padrão estético da Barbie), mas siga a sua própria alma.
A autenticidade é a grande mensagem do filme
ao lado de uma dica poderosa sobre a necessidade de cuidar da nossa saúde
mental. Dependência emocional (a que o Ken sente pela Barbie), ansiedade,
depressão, Transtorno Obsessivo Compulsivo e pensamentos intrusivos sobre a
morte são algumas reflexões psicológicas universais que o filme aborda de
maneira inteligente e divertida ao mesmo tempo.
Ao sair do filme, ficamos com conselhos
poderosos gravados no coração (parecem até conselhos de mãe): devemos buscar o autoconhecimento,
o amor-próprio, a autoaceitação e cuidar da nossa saúde mental com zelo.
*Barbie não prejudica a
família: ela une as famílias.
Não estou vendo a Barbie prejudicando as
famílias. Na prática, o efeito do filme da Barbie tem sido bom para as
famílias: irmãs adolescentes (antes separadas pela tecnologia) resolveram
brincar de Barbie de novo, mães resolveram ir ao cinema com as suas filhas e
até maridos resolveram ver um filme feminino para agradar as suas esposas.
Na estória da Barbie, o filme retrata uma mãe
reconstruindo laços de afeto com a sua filha adolescente e rebelde por causa da
Barbie. Então, não vejo qualquer apologia à destruição da família tradicional
sinceramente.
No filme, a atriz America Ferrera tem uma
família bem tradicional (marcada por marido, mulher e filha) e uma profissão
bem tradicional (ela trabalha na empresa Mattel). Essa é a atriz de maior
destaque dentro do filme e que possui o monólogo mais poderoso sobre mulheres.
Ela interpreta uma mulher comum, uma mãe de família tradicional.
Gostaria de informar que a atriz transexual
Hari Nef não ostenta nenhuma cena polêmica em Barbie. O seu papel é natural, leve, divertido e não há qualquer “bandeira” para a sua orientação sexual.
Aqueles que dizem que a presença dela, por si só, afronta a família estão
propagando uma falácia, um argumento raso, falso e preconceituoso. Uma mente
verdadeiramente conservadora e inteligente sabe que a diversidade na arte ajuda
a família a acolher os filhos que se sentem diferentes na vida real em vez de destruir a família.
A mensagem feminista de Barbie não almeja
destruir a família tradicional, mas levar reflexões sobre o papel da mulher na
sociedade. Do que adianta fazer a sua filha sonhar com grandes papéis enquanto
brinca de Barbie se a realidade não oferecerá tantos cargos de poder para ela
quando ela crescer? Esta é a verdadeira reflexão que precisa estar presente na
família.
Devemos salientar que nem toda feminista é
esquerdista: há feministas de direita, feministas liberais e até mesmo
feministas cristãs. Nem toda feminista é abortista, pois há feministas que
defendem a família. Além do mais, o feminismo de Barbie jamais será abortista. Uma
empresa que vende brinquedos precisa de crianças nascendo a cada ano para
sobreviver.
Também não estou vendo o filme da Barbie
descontruir a figura da mulher (como o feminismo radical costuma fazer
infelizmente). Eu nunca vi uma ostentação tão grande da feminilidade: de
repente, usar salto alto, passar maquiagem e colocar uma bela roupa cor-de-roupa
estão em alta. A moda Barbie e a cantora Lana Del Rey estão colocando a
feminilidade no pedestal que ela merece dentro da cultura pop de novo.
E ter
um marketing sobre a feminilidade na cultura pop é bom para a família
tradicional, pois isto significa que mais mulheres vão se interessar pela descoberta
da sua própria essência feminina.
*A criadora da Barbie se
parece mais com uma vovó conservadora do que com uma feminista radical.
Observe bem a criadora da Barbie, pois uma
imagem diz mais que mil palavras. Ela lembra mais a sua vovó conservadora ou a
sua professora feminista? A verdadeira criadora da Barbie, a Ruth Handler, não
queria fazer política quando imaginou a boneca. Ela queria apenas vender
brinquedos e colocar as suas ideias criativas em prática no mundo dos negócios.
Todas as discussões políticas, estéticas e
filosóficas em torno da Barbie não foram desencadeadas intencionalmente pela
Ruth, mas pelas mentes de algumas pessoas da sociedade. A intenção da Ruth, ao
criar uma boneca com corpo de mulher para crianças, não era destruir a
maternidade nem as bonecas com formatos de bebês. Ela mesma gostava da maternidade
e foi mãe de dois filhos: Ken Handler e Barbara
Handler (Barbie é o apelido de Barbara).
As intenções da Ruth eram artísticas,
criativas, empresariais e econômicas. Ela desejava expandir as suas ideias,
aumentar os seus negócios e criar mais uma brincadeira para as meninas. Ela
queria dar mais uma opção de boneca para as meninas além da boneca em formato
de bebê (que servia para a menina brincar com a ideia de maternidade desde
cedo), pois, ao observar a sua filha brincando com bonecas de papel, ela
percebeu que algumas meninas gostavam de brincar com papéis adultos e imaginar outras
funções femininas da vida real além da maternidade.
Assim como a personagem que interpreta a Ruth
afirma no filme, a Ruth não teve controle sobre as consequências da sua criação
na vida real. Ela não teve controle sobre as críticas nem sobre todas as
discussões políticas em torno da Barbie.
Uma das falas mais emocionantes do filme é
quando a atriz que interpreta a Ruth fala para a Barbie: “eu não tenho controle
sobre você, assim como não tive controle sobre a minha filha”.
A partir do diálogo entre a criadora da
Barbie e a Barbie, a boneca ganha livre-arbítrio para percorrer a sua própria
experiência na vida humana. Essa é mais uma passagem com uma reflexão
psicológica profunda sobre desapego. Afinal, os pais não têm controle sobre a
caminhada dos seus filhos e os criadores não têm controle total sobre as suas
obras criativas.
Quando criamos um produto, não temos a
percepção plena de todos os impactos que ele vai gerar na sociedade. No filme, Barbie
pensava, inocentemente, que seria amada por todas as meninas na vida real. Todas
as críticas que ela recebeu assustaram o seu coração de boneca e fizeram com
que ela conhecesse as lágrimas humanas pela primeira vez.
Também devo ressaltar que brincar de Barbie
não me impediu de brincar com bonecas em formato de bebê na infância. Eu brincava de
tudo quando eu era criança: de ser mamãe, de casinha e de Barbie. A Barbie
nasceu para ser mais uma opção de brinquedo e não a única opção.
As reflexões estéticas e filosóficas sobre a
Barbie estão nas mentes dos adultos e não nas mentes das crianças. Quando nós somos
meninas, ainda não pensamos muito em questões estéticas. O nosso corpo ainda
não se desenvolveu e o nosso foco ainda não é a beleza (a beleza de uma mulher
é uma espécie de “loteria” no período da puberdade).
Também não pensamos muito em questões
políticas e profissões, pois o nosso espaço social e a vocação ainda são
assuntos distantes na infância. Tudo o que uma menina quer é brincar. É como se
a Barbie fosse um mundo paralelo e oferecesse uma brincadeira de “casinha” mais
viva, onde as meninas são roteiristas de estórias de bonecas. A criança encara
tudo com simplicidade e naturalidade. As filosofias, os pecados e os tabus são
frutos das mentes insanas e inseguras dos adultos.
Quanto
ao papel social de uma mulher que trabalha no mundo lá fora, é preciso lembrar
que essa mulher jamais abandona a maternidade (nem se ela quiser). O princípio
maternal de uma mulher é tão forte que ela exerce uma espécie de “maternidade”
também no espaço público.
Barbie pode incentivar uma garota a sonhar
com profissões lindas e a ter ambições, mas nada disso impede a presença da
maternidade. Dá para conciliar trabalho e maternidade, assim como dá para levar
virtudes maternais para o trabalho.
Uma mulher que é funcionária pública vira a
“mãe” do seu setor. A mulher que é chefe de uma empresa também marca a sua
liderança como se fosse uma mãe. Uma médica é vista como uma “mãe” pelos seus
pacientes da área da saúde, assim como uma advogada é vista como uma “mãe” por
muitos clientes.
Barbie nunca foi contra a maternidade nem
contra a família conservadora. Uma linha de brinquedos que já produziu a “Happy
Family” (Família Feliz) não quer destruir a família tradicional. Barbie apenas deseja se adaptar ao mundo atual para conquistar novos consumidores e, no seu
caminho, fazer piada de tudo.
Texto escrito por Tatyana
Casarino, especialista em Direito Constitucional, advogada, escritora e poetisa.
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*Resumo do filme e teorias:
https://poetisataty.blogspot.com/2023/08/resumo-do-filme-da-barbie-e-uma-teoria.html