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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Resumo do filme da Barbie e uma teoria especial sobre a primeira menstruação

 

*Um resumo do filme da Barbie e uma mensagem final interessante: e se tudo também for uma metáfora para a primeira menstruação de uma menina?


*Observação: análise holística sobre um fator biológico da vida das mulheres. A minha teoria é diferente e o meu texto possui detalhes do enredo e do final do filme. Saiba que o meu blog tem Spoiler! Se você aceita Spoiler, boa leitura!


  




 

 No filme da Barbie, tudo começa em Barbieland. Em Barbieland, a terra das Barbies, a Barbie tem a vida perfeita: a casa perfeita, o carro perfeito e o cotidiano perfeito. Todas as Barbies têm profissões maravilhosas e momentos de lazer incríveis nas festas e na praia.

  As mulheres dominam o mundo cor-de-rosa de Barbieland: todos os serviços são feitos predominantemente por mulheres. A presidente de Barbieland é uma Barbie negra e há diversas Barbies em atividades de destaque: a cientista, a advogada, a escritora, a astronauta, as juízas e as ganhadoras de prêmios (prêmio Nobel inclusive).

  Já os Kens não têm muitas profissões de destaque e costumam se concentrar na praia. O Ken principal é apaixonado pela Barbie, mas ela nunca dá uma chance para ele. Todas as noites são dedicadas para celebrar festas femininas em Barbieland, e o Ken nunca consegue namorar a Barbie.

  O cenário é bem lúdico e colorido, destacando a artificialidade do mundo da Barbie. Os movimentos da atriz principal são bem caricatos como a de uma boneca.


     


   Basicamente, a rotina da personagem é essa: a Barbie protagonista se levanta, toma banho, toma o seu café da manhã artificial (ela finge que toma leite, mas a caixa de leite é de brinquedo e os seus movimentos são perfeitamente artificiais), coloca uma roupa maravilhosa (apenas abrindo o guarda-roupa de forma mágica), flutua da casa até o carro (quando a gente era criança, a gente pegava a boneca Barbie no ar e fazia a boneca flutuar sem obedecer a gravidade mesmo) e celebra a vida ao lado dos seus amigos.

 Todos os dias da Barbie são iguais e perfeitos até que um dia ela começa a ter pensamentos intrusivos sobre a morte, algo bem incomum para uma boneca feita de plástico e supostamente imortal no imaginário.

  Após ter a mente invadida por pensamentos estranhos, a Barbie protagonista perde a perfeição: os seus pés ficam chatos (os pés das bonecas devem ser arqueados, assim como os pés das Barbies da nossa infância eram), ela adquire celulite e passa a ter mau hálito. E a sua vida também deixa de ser perfeita: o banho fica gelado, o leite fica estragado e ela conhece a lei da gravidade (quando ela tenta flutuar, ela acaba caindo no chão).

 Ao perder a perfeição, a Barbie é expulsa da Barbieland por não combinar mais com a terra perfeita das bonecas. Antes de ser expulsa, ela deve conhecer a Barbie estranha, uma espécie de “curandeira” e conselheira sábia das bonecas estranhas.

  Essa parte é, particularmente, bem mística: a Barbie mais sábia é a que foi “machucada” pela vida real. Apenas uma Barbie machucada e imperfeita pode curar outra Barbie nessa situação ou apontar um caminho em direção à solução (bem mística e profunda a mensagem, né?).


            


  Isto me lembra muito o mito de Quíron, um centauro imortal ferido por uma flecha que se tornou médico, professor e curandeiro. Quíron passou a ter habilidades de cura de tanto estudar a própria ferida, sendo o único centauro capaz de curar as feridas dos outros. Como era imortal, a sua ferida não matou o seu corpo, mas sempre foi causa de dor física e espiritual para ele. O destino de Quíron foi o seguinte: ele passou a curar os outros centauros feridos, mas nunca foi capaz de curar completamente a própria ferida.

 Na Barbieland, a “Barbie estranha” é a única Barbie capaz de consertar as imperfeições das outras Barbies (uma espécie de Barbie Quíron hehehe). Ela mora numa parte isolada da Barbieland e sofre preconceito por sua aparência estranha, sendo procurada apenas quando alguma boneca precisa de ajuda. A sua casa é colorida, criativa e quase “psicodélica”.

  A Barbie estranha representa aquela Barbie que teve os cabelos cortados e o rosto rabiscado pelas canetinhas de alguma criança. Ela costumava ser a Barbie mais bonita, mas ficou esquisita de tanto a criança brincar com ela.


              


  A Barbie estranha diz para a Barbie que a única solução para o caso dela é viajar para o mundo real e encontrar a criança que brinca com ela. Barbie vai para o mundo real com o Ken para procurar a menina que brinca com ela (inicialmente, ela iria viajar sozinha, mas o Ken se escondeu no carro dela hehehe).

  No mundo real, Barbie descobre que o poder está nas mãos dos homens e que há conflitos, injustiças, angústia e sofrimento (bem diferente do matriarcado cor-de-rosa repleto de alegria, harmonia, paz e perfeição do seu mundo de boneca). Ela também descobre que as pessoas do mundo real têm ideias diferentes sobre a Barbie, destruindo a ilusão de que seria amada por todos.   

 Ela vê um casal brigando na praça, pessoas de todos os estilos e uma vida real bem “cinzenta” e difícil. A maioria das pessoas parece cabisbaixa e sem autoestima. Nada parece doce nem cor-de-rosa na realidade. Barbie passa a ter empatia pelas pessoas e a sentir tudo o que os humanos sentem. Ela descobre as lágrimas pela primeira vez e todas as sensações humanas.


                   


  Barbie se senta no banco de uma praça, encontra uma senhora simpática e é gentil com ela. Barbie diz: “você é linda” para a senhora. Quando a senhora responde “eu sei”, Barbie percebe que aquela mulher é diferente e que tem a mesma autoestima de uma Barbie (a senhora seria a Barbara Handler, a filha de Ruth Handler que inspirou a criação da Barbie).

 No banco da praça, Barbie fecha os olhos e sente uma conexão emocional com a menina que é sua “dona”. Ela descobre que a menina está em uma escola e que se chama Sasha. Barbie pensa que será recebida com ternura por Sasha e por suas amigas, já que é um ícone do universo feminino. Ocorre que Sasha recebe a Barbie muito mal e detona a boneca com um discurso feminista.


                


 Barbie saí da escola de Sasha chorando. Em seguida, a Mattel descobre a sua localização e encaminha a boneca para o prédio da empresa. Na empresa, a Barbie descobre que os empresários por trás do seu mundo cor-de-rosa são homens.

  O presidente da Mattel, ao ser questionado pela Barbie diante da quantidade de homens na empresa, responde dizendo que já houve duas mulheres em posições de poder. O presidente cita somente duas mulheres que já passaram pela presidência da empresa como se estivesse declarando um grande avanço (aqui a crítica ao machismo do nosso mundo foi feita de uma maneira inteligente e bem-humorada).

 Barbie se apavora com o patriarcado da vida real, enquanto Ken, obviamente, fica deslumbrado com a ideia da existência do poder nas mãos dos homens. Ken estuda o patriarcado e volta para Barbieland com um plano de poder: ele quer ser um usurpador.

 Barbie foge da Mattel para não ser presa numa caixa. Durante a sua fuga, ela é ajudada por uma das únicas mulheres que trabalham na Mattel: a Gloria, uma mãe de família que parece exausta com a sua rotina. Gloria é a mãe de Sasha por coincidência.


            


  Gloria revela que fazia desenhos da Barbie para se distrair da rotina enquanto tinha pensamentos de morte e celulite. Barbie descobre que são os pensamentos de Gloria que estavam afetando o seu mundo em vez das brincadeiras de Sasha. Então, ela resolve levar Gloria e Sasha para Barbieland. Há teorias que dizem que a verdadeira "dona" da Barbie é a Gloria (a mulher adulta e não a adolescente). 

  Chegando em Barbieland, a Barbie percebe que o Ken é um usurpador e que ele tomou a sua casa depois de fazer lavagem cerebral nas suas amigas. Barbieland foi dominada pelos Kens e virou uma bagunça na sua ausência. Barbie e Gloria devem recuperar Barbieland. A única coisa que desperta as Barbies da lavagem cerebral é um discurso de Gloria sobre o que é ser mulher.

 Gloria faz um discurso belíssimo sobre as dificuldades de uma mulher real. Ela diz que uma mulher deve parecer magra, mas nunca dizer que quer ser magra (deve dizer que quer saudável). Que uma mulher deve ser bonita para os homens, mas não tão bonita a ponto de ser uma ameaça para outras mulheres (deve sempre ser simpática para a sororidade). Que deve gostar de ser mãe, mas não falar dos filhos o tempo todo. Que deve ter uma carreira, mas cuidar de pessoas o tempo todo. Que deve sempre ser extraordinária para ocupar um lugar no mundo, mas, mesmo assim, nunca recebe reconhecimento e sempre sente que fez algo errado. Esse monólogo da atriz America Ferrera é bem emocionante e deixa lágrimas nas mulheres dentro do cinema.

 Gloria consola Barbie sobre as dificuldades da vida real, já que a vida sempre traz mudanças e nunca é do jeitinho que a gente gostaria que ela fosse. Mesmo com tantas pressões sobre ser mulher, é incrível ser uma mulher humana e descobrir a sua autenticidade na vida real.

  Primeiramente, a Barbie se revolta com as dificuldades apresentadas pelo mundo humano e com as angústias da mulher humana. Ela deseja, por um instante, que tudo volte a ser perfeito como antes.

 Mas, a descoberta humana é um caminho sem volta: mesmo depois de recuperar Barbieland, escrever a Constituição de sua terra ao lado das Barbies e curar as suas amigas da lavagem cerebral, a Barbie descobre que o seu lugar é no mundo humano.

 Barbie vai para o mundo humano após um encontro emocionante com a sua criadora, a Ruth Handler. O Ken, por sua vez, fica em Barbieland para descobrir quem ele é sem a Barbie. No final do filme, eles não ficam juntos. Mas, isso não significa um final triste: cada um deve trilhar um caminho de autoconhecimento antes de realizar qualquer romance.


             


 Quando ela decide pertencer ao mundo humano, a Barbie sente a emoção de todas as meninas que já brincaram com a boneca numa cena cheia de empatia e sensibilidade. A primeira atitude que a Barbie toma ao ganhar o corpo de uma mulher humana é a seguinte: ir ao ginecologista. Em vez de roupas chamativas e sapatos de salto, Barbie usa roupas simples e calçados confortáveis para ir ao médico.

 A ida ao ginecologista é uma piada sobre a Barbie ter uma vag*** pela primeira vez, mas também deixa uma metáfora no ar. E se ela estiver representando a primeira menstruação de uma menina?

  Quando uma menina fica menstruada pela primeira vez (por volta dos 12 anos, a mesma idade da classificação indicativa do filme), ela deixa de brincar de boneca e passa a observar a vida real com mais seriedade. Nessa idade, descobrimos que o mundo lá fora não é cor-de-rosa como o da Barbie. Também ficamos mais irritadas com os meninos e passamos por uma fase rebelde diante do machismo e das injustiças do mundo.

  Na primeira Tensão Pré-Menstrual, algumas garotas passam a ter pensamentos mais melancólicos. Em vez de pensar nas bonecas, muitas começam a pensar sobre a vida real (e também sobre a morte). 

  Existem mulheres que têm pensamentos de morte durante toda a Tensão Pré-Menstrual, a qual também apresenta cólicas, sintomas de depressão, desejo de isolamento, ansiedade e insegurança emocional. Muitas vezes, é preciso ir ao ginecologista para tratar dos sintomas psicológicos do ciclo menstrual também. 

  Na puberdade, o nosso corpo feminino se desenvolve, ganha curvas e beleza, mas também adquire estrias e celulites com o rápido crescimento. Os nossos pés crescem e não cabem mais nos sapatos infantis. 


          


   Ao visitar a Barbie estranha, a Barbie protagonista reclama dos seus pés chatos e descobre celulites em seu corpo, representando bem o início da adolescência de uma garota. Começamos a pensar mais na estética do mundo feminino e na nossa vocação. O nosso lugar no mundo é um assunto predominante nessa fase. E também vamos ao ginecologista pela primeira vez (a última cena de Barbie é a entrada no consultório de um ginecologista). 

 Na adolescência, começamos a descobrir a nossa vocação e a lutar pelo nosso lugar na sociedade. Sem dúvidas, a juventude é uma época de intensa necessidade de autoconhecimento. A menina começa a ponderar sobre a maneira correta de concretizar os seus sonhos na realidade. Na sua reflexão, toda menina observa qual é o sonho que pode ser realizado no mundo lá fora e qual é o sonho que virou uma utopia no seu universo feminino.


             


 Para mim, Barbie é uma representação lúdica da adolescência com uma mensagem sábia sobre a importância de conhecer a si mesmo. Afinal, não pode existir um final feliz em qualquer caminhada se não houver um belo mergulho no autoconhecimento. 

  O processo do autoconhecimento é uma alquimia interior, onde descobrimos as faces quentes, frias, alegres, melancólicas, extrovertidas e introvertidas da nossa personalidade. Barbie, quando descobre o lado imperfeito e melancólico da vida, usa roupas azuis em vez de vestir o clássico cor-de-rosa (ela está de azul quando não consegue flutuar pela primeira vez e quando visita a Barbie estranha). Enquanto o cor-de-rosa invoca a alegria, a ternura e a feminilidade no estado mais puro, o azul é uma cor que convida a personagem para a profundidade misteriosa do autoconhecimento. 


            


  Na arte, o azul é uma cor fria que representa a melancolia. No misticismo, o azul é verdadeiramente uma cor feminina (e não o cor-de-rosa), porque representa a passividade, a receptividade, a serenidade e a ternura do princípio feminino (podemos associar o azul ao manto de Nossa Senhora na Religião Católica, por exemplo). O vermelho, por sua vez, é a cor masculina por excelência, representa o lado quente do guerreiro, a atividade no mundo exterior, o sangue "fervendo" e o planeta Marte (o planeta vermelho, na astrologia, é o regente simbólico da guerra e do princípio masculino).  

  Barbie, de certa forma, é até pedagógica: ensina as garotas que o mundo lá fora não é cor-de-rosa como uma brincadeira de bonecas (conselho que já escutamos de nossas mães), mas que é possível ser autêntica e desbravar um caminho novo (livre de pressões sociais e padrões). Ocorre que, para ser livre das pressões do mundo lá fora e mais segura de si, investir no autoconhecimento é fundamental. 

 

Texto escrito por Tatyana Casarino.


*Observação:


  


                                       



 *Para quem gosta de contos que simbolizam os ciclos de uma mulher, recomendo o conto "Laço de Sangue". Este conto é uma metáfora sobre os ciclos internos de uma mulher desde a primeira menstruação até a menopausa e está no livro "A Horda - Contos Errantes" da autora Gisela Biacchi. 


 *Acesse a resenha sobre a Horda (é só clicar no link abaixo): 


https://poetisataty.blogspot.com/2023/07/resenha-do-livro-horda-contos-errantes.html