Resenha
do livro “A Horda – Contos Errantes” da escritora Gisela Biacchi.
Recebi
o livro “A Horda – Contos Errantes” com imensa alegria. O recebimento de um
livro da Gisela vai muito além da literatura, pois ela tem um jeito único de embalar
e preparar mimos para o leitor. Amei o capricho e o carinho do pacote que
incluiu um lindo cartão, brindes da Editora Medusa e um lindo marcador de
páginas.
Com purpurinas, brindes, adesivos e um
envelope que parece mágico, abrir um pacote de um livro da Gisela já é um acontecimento
artístico e criativo por si só. Acredito que é muito importante elogiar também
o modo de enviar um livro para o leitor, porque receber um livro em casa é o
nosso primeiro contato com o universo mágico do autor.
A autora Gisela Biacchi escreve contos de
suspense e é uma querida amiga de longa data. Acompanho o seu trabalho desde a
publicação do livro “Contos de Fome e de Sangue”. O seu novo livro “A Horda”
apresenta contos com um estilo bastante peculiar: o estilo literário neorromântico-gótico-simbolista.
Os contos são bem distribuídos e
independentes. Logo, podem ser lidos na ordem mais desejada pelo leitor. Eu li
os contos de forma aleatória e não na sequência dos capítulos, pois quis
absorver cada narrativa mágica com calma durante o inverno. Todos os contos
estão bem escritos, mas alguns conquistaram mais o meu coração de leitora.
É difícil escolher um conto favorito, pois
muitos contos marcaram a minha leitura de maneira especial. Contudo, posso
citar os contos que mais me agradaram: Batismo de Fogo, Fortaleza, Laço de
Sangue, O Último Baile e Réstia de Luz.
O que mais me chamou a atenção nos contos da
Gisela é o elemento “surpresa” dentro da vida dos personagens: os personagens
são, geralmente, humildes e levam vidas pacatas até conhecerem o mundo extraordinário
através de algum evento sinistro. Esta sequência narrativa do tédio dentro da vida
comum do personagem até a emoção sinistra é bem representada e bem construída
pela autora num cenário que conta com um ritmo adequado e qualidade na coesão
do texto.
A autora desenvolveu mais os personagens,
mostrando uma evolução na narrativa desde a publicação do seu primeiro livro de
contos. Dentro da “Horda”, o leitor conhece melhor o contexto em que cada
personagem vive, a sua personalidade, os seus anseios e até mesmo a sua
linhagem ancestral. Esse desenvolvimento foi muito importante, pois a orfandade
de alguns personagens, as frustrações e a presença da bruxaria na
ancestralidade são algumas características centrais para o entendimento e a
emoção transmitida por cada conto.
A autora é muito mais que uma escritora de
contos góticos. E não estou falando da sua formação intelectual e tradicional
na área do Direito, mas dos ofícios “mágicos” que ela desempenha na sua
literatura: arqueologia e história. Ela mistura descobertas históricas,
elementos esquecidos da cultura do nosso povo e tradições com ficção.
A impressão que eu tive é a de que a autora
é uma “arqueóloga” literária que busca os elementos sinistros escondidos nas
profundezas da nossa cultura. Nesse sentido, os seus contos, por mais que sejam
sobrenaturais, deixam o leitor refletindo sobre a possível veracidade deles.
Sabe aquela história trágica que pode ter
acontecido com o seu vizinho ou num passado longínquo e apagado dos livros de
história? Os contos da Gisela deixam essa sensação de lenda misturada com
veracidade, que carrega a mesma naturalidade de uma criança contando casos de
terror para os amigos em volta da fogueira e a mesma qualidade profissional de
um arqueólogo sério.
O seu estilo também vai muito além do gótico,
pois tem traços do terror clássico, do suspense, do místico, do mistério e até
mesmo da aventura. Vale lembrar que a cultura gaúcha marca o seu espaço dentro
da literatura da autora muitas vezes. O estilo
da Gisela é bem peculiar, tem valor íntegro e identidade única. Sendo assim, não
é possível prender o seu modo de escrita em uma classificação simples ou num rótulo
qualquer.
Confesso
que não sou uma leitora amante do terror nem uma grande especialista neste
gênero. Não gosto de filmes de terror nem dos livros do terror clássico. Mas,
curiosamente, gostei dos contos da Gisela.
Então, qual o motivo da escrita desse tipo
de terror e suspense gótico ter agradado a minha perspectiva de leitora? Bem,
vários motivos explicam o fato da escrita da Gisela ter me conquistado:
*a
escrita dela é elegante;
*o
susto surge na hora certa;
*diferentemente
dos filmes de terror sangrentos e deselegantes, os contos da Gisela estão
submersos numa atmosfera gótica elegante e sedutora;
*a
estética é agradável e harmônica (a estética é algo muito valorizado na literatura
por mim);
*o
terror é um elemento contextualizado dentro dos contos;
*o
terror não é o único elemento e sempre está permeado por outros elementos bem
versáteis;
*a
parte sinistra do conto está bem elaborada e entrelaçada com revelações místicas,
mágicas e sobrenaturais.
Allhallowtide, por exemplo, é um conto dentro
da Horda que me fez gostar de terror e de levar susto de um jeito bem peculiar
e divertido. Posso dizer que aprendi a gostar de terror com a Gisela, pois ela
é muito talentosa e dona de uma escrita elegante.
Mas, para quem me conhece, é óbvio que eu
gostei mais dos contos com traços místicos, simbólicos e metafóricos. Laço de
sangue é um conto que reúne todos esses traços. Não foi por acaso que ele
conseguiu uma boa classificação num concurso literário, pois ele é um dos
melhores contos da Gisela.
Laço de sangue é um conto incrível que mistura
simbolismo e fantasia, captando a alma feminina através de uma criativa
metáfora sobre os ciclos internos que uma mulher atravessa desde a sua primeira
menstruação até a menopausa. Como sou uma entusiasta aprendiz do misticismo e
do sagrado feminino, esse conto me agradou muito.
Para quem gosta de uma linha mais mística e
delicada, os contos “Batismo de fogo” e “Fortaleza” agradam bastante. Batismo
de fogo representa a autenticidade da bruxaria ancestral enquanto “Fortaleza” demonstra
um equilíbrio perfeito entre melancolia e resiliência.
Como eu já disse, é difícil escolher um
conto favorito. Porém, curiosamente, posso afirmar que escolhi um favorito e
vou revelar a minha preferência no final desta resenha. O meu conto favorito é
o mais diferente do livro, considerando a construção da linha narrativa: Réstia
de Luz.
Escolher um conto favorito é questão de gosto
e vai muito além de qualquer crítica especializada em qualidade literária. É
óbvio que eu escolheria este conto com base nas minhas paixões pessoais, as
quais envolvem anjos, teologia, filosofia, estudo das religiões, esoterismo e
batalhas entre o bem e o mal.
Contudo, analisando este conto além das
minhas paixões, também acredito que ele carrega grande qualidade literária e
grande valor dentro da Horda. É um conto bem escrito, dinâmico, surpreendente e
que tem boa coesão. Os motivos por trás das ações do personagem são bem
contextualizados e profundos. Existe harmonia entre os elementos textuais e
tudo se encaixa perfeitamente nesse conto.
O conto retrata um anjo caído que, por mais
que seja um “vilão” para os olhares comuns, não deixa de carregar um pouco da
humanidade de cada leitor. O conto é moderno e possui um ambiente solar,
brasileiro e tropical como pano de fundo (a incrível cidade de Florianópolis) diferentemente
de outros contos da Gisela que exalam a frieza melancólica do inverno e a inspiração
na cultura europeia.
A modernidade do conto e o cenário
paradisíaco estão unidos com as raízes clássicas das histórias sobre a origem
do ser humano e dos anjos, retratando vários contrastes, incluindo o que existe
entre o mundo celestial e o mundo profano.
Réstia de Luz me tocou profundamente. Por um
instante, eu me identifiquei com Ferus. Não pelo sadismo dele, mas pelo cansaço
em fazer o bem. A noite escura da alma atravessada pelo personagem talvez seja
a mais profunda provação espiritual representada dentro de um conto gótico.
Não sei se a autora tinha alguma intenção de
levar reflexões esotéricas e morais, pois a linha literária dela é diferente da
minha (e eu sei que a escrita dela é mais gótica do que mística). Entretanto,
esse conto de Ferus transmitiu insights espirituais em mim que chegam a ser
mais profundos do que os livros místicos que eu costumo ler.
Amei a ironia do personagem e todas as
mensagens ocultas nas entrelinhas. O que levou o personagem Ferus a ser malvado
está bem explicado, “costurado” e coeso dentro da narrativa. No fundo, todo ser
humano que busca o bem e a luz tem uma sombra parecida com a de Ferus: a sombra
da fadiga espiritual, do cansaço e da desilusão que enlouquecem a alma no mundo
profano enquanto ela sonha com a alegria celestial.
Gosto de perceber que a escrita da Gisela
ultrapassa a linha maniqueísta que divide o bem e o mal em rótulos definidos.
Os seus personagens mais sombrios carregam uma luz sinistra.
A sombra egoísta e sádica de Ferus no mundo
profano é apenas o outro lado da sua luz generosa e serviçal no ambiente
celestial, assim como as gêmeas Circe e Selene de Allhallowtide são mais
doentias do que más. E isto é o mais fascinante na literatura gótica: a percepção
de que sombra e luz estão mais unidas do que os mortais comuns pensam.
Resenha
escrita por Tatyana Casarino.
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