Hoje eu inauguro no blogue a minha nova coluna "Experiência de Fé", onde vou compartilhar com vocês a minha jornada de fé com todas as suas principais experiências. Primeiramente, vou falar da minha experiência com a penitência que fiz na Quaresma de São Miguel Arcanjo no ano passado (período que abrangeu do dia 15 de Agosto de 2019 ao dia 29 de Setembro de 2019). Relato a experiência somente agora, pois quis fortalecer a humildade e a penitência ficando calada a respeito dela ano passado. Divulgo a experiência de fé para incentivar os leitores a fortaleceram a sua relação com Deus dentro da Religião Católica.
Surpreendentemente, a minha maior tentação durante tal penitência não ocorreu dentro de lojas de roupas e maquiagens, mas dentro das livrarias. Entrar em uma livraria e sair de mãos vazias é um sacrifício grande para mim. Entretanto, ficar mais de 40 dias sem compras foi uma das melhores experiências da minha vida do ponto de vista espiritual. Quer saber a força que senti após a experiência e como ela preparou a minha alma para encarar a quarentena atual? Confira o texto! Boa leitura!
A quaresma tradicional da vida do cristão é a quaresma que antecede à Páscoa, porque imita os quarenta dias de Jesus Cristo no deserto. A reflexão sobre a Paixão de Cristo e os sacrifícios Dele por nós inspira uma conduta mais modesta e um espírito de sacrifício para que possamos ser pessoas melhores na Páscoa. Acontece que, dentro da fé católica, existem outros períodos "quaresmais" que ocorrem antes de algumas festas de santos e procissões. Uma quaresma bastante querida entre os católicos é a de São Miguel Arcanjo, padroeiro da Santa Igreja Católica e príncipe do exército celeste que luta contra as forças do mal.
A festa litúrgica de São Miguel Arcanjo é celebrada no dia 29 de Setembro com uma grande procissão. Desde o dia 15 de Agosto, o católico se prepara para a chamada "Quaresma de São Miguel". Para se preparar para essa Quaresma, é necessário:
*Acender uma vela abençoada diante de uma imagem ou estampa de São Miguel Arcanjo;
*Oferecer uma penitência durante o período quaresmal (15 de Agosto até 29 de Setembro);
*Fazer o sinal da cruz;
*Rezar todos os dias a Oração Inicial de São Miguel, a Ladainha de São Miguel Arcanjo e a Consagração a São Miguel -- Você encontra mais instruções da Quaresma de São Miguel e das orações necessárias para fazer nesse período ao clicar no texto do site católico Canção Nova:
A quaresma não durou exatamente 40 dias, mas 46 dias. É preciso lembrar que as orações para São Miguel e a vela acesa para o Santo Arcanjo ocorrem todos os dias do período quaresmal (15 de Agosto a 29 de Setembro é o período da Quaresma de São Miguel todos os anos), exceto nos domingos. Nos domingos, ao invés de rezar para São Miguel, concentramos todas as nossas forças em Jesus Cristo, pois domingo é o dia dedicado ao Senhor na Santa Missa da Igreja Católica.
Durante a Quaresma de São Miguel Arcanjo do ano passado, eu e a minha avó escolhemos um local de oração para São Miguel e um horário específico para a oração diária de São Miguel (21:30 era a nossa hora da oração). É muito importante ter a disciplina de criar uma rotina de oração em um mesmo horário e no mesmo local todos os dias, porque a disciplina fortalece o hábito da oração. Eu e minha avó acendíamos uma vela branca todos os dias diante da imagem de São Miguel Arcanjo e rezávamos as orações de São Miguel diante da imagem do Santo Arcanjo. Quanto à penitência, eu escolhi ficar sem compras durante o período da Quaresma de São Miguel Arcanjo.
Muitos devem se perguntar qual é a importância da penitência nos dias de hoje. A penitência parece algo fora de moda e, às vezes, causa espanto nas pessoas que não são religiosas. Quem não está acostumado com a penitência pensa em coisas terríveis como autoflagelação, sacrifícios e masoquismo. Contudo, penitência não tem nada a ver com masoquismo. O masoquismo e a automutilação são inclusive heresias proibidas para o cristão, porque o nosso corpo deve ser respeitado e cuidado como um sagrado templo do Espírito Santo.
Salienta-se que há uma belíssima passagem bíblica a respeito do nosso corpo como templo do Espírito Santo: Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus (1 Coríntios 6:19,20).
Sendo assim, a Igreja é totalmente contrária à mutilação de si mesmo e ao suicídio, graves pecados do mundo moderno. Jogos masoquistas como a "Baleia Azul", que matou dezenas de jovens em 2017, são contrários à lei de Deus e tremendamente diabólicos. Dentro do Catecismo da Igreja Católica, vemos o quanto a vida é sagrada e o quanto é preciso ter um justo amor por si mesmo que incentive o cuidado e o zelo pela própria vida:
O SUICÍDIO
2280. Cada qual é responsável perante Deus pela vida que Ele lhe deu, Deus é o senhor soberano da vida; devemos recebê-la com reconhecimento e preservá-la para sua honra e salvação das nossas almas. Nós somos administradores e não proprietários da vida que Deus nos confiou; não podemos dispor dela.
2281. O suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a sua vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, em relação às quais temos obrigações a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.
2282. Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, sobretudo para os jovens, o suicídio assume ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária no suicídio é contrária à lei moral.
Não fazemos penitência com espírito "masoquista" -- não é esse o espírito da verdadeira penitência. O espírito da penitência é a vontade de fortalecer a nossa união com Deus pelo bem da nossa alma. O espírito da penitência visa o nosso bem e não o nosso mal. A penitência foca, especialmente, no nosso bem espiritual. O paradoxo da penitência é que ela visa uma mortificação carnal para fortalecer a nossa vida espiritual. A penitência exige um sacrifício pessoal sim, mas ela é contraditória, pois a sua última finalidade é o nosso próprio bem. Na penitência, não há um sofrimento masoquista e depressivo que visa apenas flagelar a si mesmo. Na penitência, há um sofrimento que vai purificar a alma para poder abençoar a própria alma e abrir espaço para o amor de Deus em nós.
Na penitência, não há o masoquismo que leva o ser humano a agir de forma doentia contra si mesmo até conduzir o seu próprio caminho para o inferno (as drogas, por exemplo, têm o espírito masoquista e diabólico do Inimigo onde a pessoa age contra si própria e passa a ser a própria inimiga). Na penitência, existe um sacrifício que vai favorecer a minha alma espiritualmente e levá-la para o céu depois. Na verdadeira penitência, há o espírito da santidade que vai provocar um sofrimento carnal inicial para poder trazer grandes alegrias à alma no final. Apesar da modéstia e dos freios da penitência, a verdadeira penitência liberta a alma e traz paz e alegria espiritual.
Não fazemos penitência pela dor nem tomados pela rejeição doentia de si mesmo, mas pelo amor: amor a Deus, amor à vida espiritual e amor pela alma. Rejeitamos o ego, mas não rejeitamos a nós mesmos em nossa totalidade. Rejeitamos a parte pecadora em nós para aumentar a vida da nossa parte santa. Mortificamos de um lado para florescer a vida do outro lado. Percebeu o espírito profundo e verdadeiro da penitência?
Sendo assim, devemos tomar cuidado com medidas exageradas na hora da penitência quaresmal. Não podemos apelar para espécies de jejuns e penitências grandiosos nem podemos praticar penitências e jejuns que façam mal para a nossa saúde. O respeito pela nossa saúde e pela nossa integridade corporal está presente no Catecismo da Igreja Católica:
O RESPEITO PELA SAÚDE
2288. A vida e a saúde física são bens preciosos, confiados por Deus. Temos a obrigação de cuidar razoavelmente desses dons, tendo em conta as necessidades alheias e o bem comum.
Fonte: Catecismo da Igreja Católica presente no Arquivo Online do Vaticano --
Não podemos confundir penitência com um desejo mórbido de infligir sofrimento a si mesmo. A penitência verdadeira é o desejo de ser mais humilde e mais amigo de Deus. A verdadeira penitência beneficia a alma espiritualmente apesar dos sacrifícios e não traz qualquer angústia mórbida, masoquista ou diabólica. Além do mais, a penitência não precisa de grandes atos exteriores, pois ela está mais vinculada à vida interior. A penitência é a disposição de fazer um sacrifício pessoal para Deus, o qual pode incluir jejuns, orações, esmolas, vigílias e peregrinações. Tal sacrifício comunica o anseio de expiar os nossos pecados e mortificar o nosso orgulho para receber de forma interiorizada, silenciosa e humilde as graças de Deus em uma alma mais pura.
Lembrando que não importa o tamanho do sacrifício, pois pequenos sacrifícios podem fazer grandes preparos espirituais na alma e trazer grandes mudanças positivas e espirituais. Santa Teresinha do Menino Jesus, por exemplo, deixou grandes ensinamentos sobre a "pequena via" de santidade, onde podemos oferecer pequenos sacrifícios a Deus com grande amor no coração.
Os pequenos gestos de bondade feitos com grande amor podem conduzir o nosso bom caminho quando praticados com frequência. Os pequenos gestos de amabilidade em relação ao próximo, por vezes, valem mais que grandes declarações de amor. Existem sacrifícios que parecem pequenos aos olhos humanos, mas que são grandiosos e valiosos aos olhos de Deus. Santa Teresinha disse certa vez uma célebre frase: "Nada é pequeno se feito como amor."
Existem pequenos gestos de bondade que podemos cultivar em relação ao próximo não somente em períodos de quaresma, mas por toda a nossa vida, tais como: conduzir a cadeira de rodas de um amigo cadeirante, guiar uma pessoa deficiente visual, dar aulas gratuitas para um colega com dificuldade de aprendizado, dar bons conselhos a um amigo que passa por uma fase ruim na vida, instruir as pessoas no caminho do bem, visitar os doentes, visitar as pessoas idosas, cobrir as pessoas antes do seu sono com um bom cobertor para elas não passarem frio, dar água e alimentos aos mais humildes, doar roupas às pessoas humildes e etc. Posso escrever um novo texto falando apenas dos pequenos gestos de amor e do anjo das "pequenas amabilidades" a partir da visão do monge beneditino alemão Anselm Grün e da visão que obtive a partir das minhas experiências espirituais.
Contudo, hoje o foco desse texto é a penitência enquanto sacrifício pessoal (focarei na caridade e nos gestos de amabilidade em um texto futuro). Podemos fazer algumas pequenos sacrifícios pessoas durante uma quaresma, tais como:
*Ficar sem comer a guloseima favorita;
*Restringir o tempo que passa no celular;
*Ficar sem usar as redes sociais por quarenta dias;
*Trocar o conforto do carro pela caminhada e ir à pé até os lugares que precisamos frequentar;
*Optar por móveis menos confortáveis durante a quaresma e treinar a nossa postura;
*Ficar o tempo da quaresma sem ouvir um determinado gênero musical por ser mundano demais ou para sacrificar um hobbie que gostamos;
*Ficar sem tomar refrigerantes;
*Ficar sem fazer compras de itens supérfluos, adquirindo só o necessário para a nossa sobrevivência e dando o dinheiro que economizamos durante a quaresma para a caridade ou para a família;
Etc.
O padre José Eduardo de Oliveira e Silva dá 30 sugestões de penitência para a quaresma divididas em três grupos: penitências gastronômicas, penitências corporais e penitências morais. Veja os exemplos a seguir:
1) Penitências gastronômicas.
Muitos acham que devemos fazer pelo menos uma penitência deste tipo, pois o jejum nos coloca dentro de um padrão bíblico. Sugestões:
– Trocar a carne por peixe, ovos ou queijo (ou mesmo comer puro);
– Comer menos arroz, feijão, pão, macarrão, para sair da mesa com um pouco de apetite;
– Eliminar todos os doces, refrigerantes, chocolates e demais guloseimas;
– Nas refeições, acrescentar algo que seja desagradável, como diminuir a quantidade de sal ou colocar um condimento que quebre um pouco o sabor;
– Comer algum legume ou verdura que não se goste muito;
– Diminuir ou mesmo tirar as refeições intermediárias (como o lanche da tarde);
– Tomar café sem açúcar, ou água numa temperatura menos agradável;
– Reservar algum dia para o jejum total ou parcial.
2) Penitências corporais.
Apenas para ajudar a não perdermos o sentido do sacrifício ao longo do dia, a não sermos relaxados, devendo ser pequenas e discretas. Seguem as sugestões:
– Dormir sem travesseiro;
– Sentar-se apenas em cadeiras duras;
– Rezar alguma oração mais prolongada de joelhos;
– Não usar elevadores ou escadas rolantes;
– Trabalhar sem se encostar na cadeira;
– Cuidar da postura corporal;
– Descer um ponto antes do ônibus e fazer uma parte do caminho à pé;
– Deixar de usar o carro e pegar um transporte coletivo.
3)Penitências Morais.
São as mais importantes. Que tal escolher mais de uma?
– Não reclamar das contrariedades do dia, mas agradecer e louvar a Deus;
– Sorrir sempre, mesmo quando haja um nervoso;
– Moderar a frequência às redes sociais, celular e computador (reduzir a poucas vezes ao dia);
– Desligar as notificações do celular;
– Fazer os serviços mais incômodos na casa e no trabalho, ajudando os outros;
– Acordar mais cedo para fazer oração;
– Não ouvir música no carro;
– Não assistir TV, mas dedicar este tempo à leitura;
– Não usar jogos eletrônicos, caso seja viciado;
– Fazer algum trabalho voluntário;
– Rezar mais pelos outros, do que por si mesmo;
– Reservar dinheiro para dar esmolas, mas sobretudo atenção aos mendigos;
– Não se defender quando alguém lhe acusa;
– Falar bem das pessoas que se gostaria de criticar;
– Ouvir as pessoas incômodas sem as interromper;
– Dormir no horário, mesmo sem vontade.
Pe. José Eduardo de Oliveira e Silva é sacerdote da Diocese de Osasco, pároco da Paróquia São Domingos, licenciado em filosofia, doutor em Teologia Moral, conferencista e autor do livro “Minha Mãe Aparecida”. Veja o texto completo dele sobre as sugestões de penitência no link:
*Observação: Você pode escolher 1 penitência dessa lista de sugestões ou mais. Você também pode escolher 1 penitência de cada grupo como, por exemplo, trocar a carne por peixe (1 penitência gastronômica), usar escadas ao invés de elevador (1 penitência corporal) e sorrir sempre e ser gentil com as pessoas mesmo com angústias internas (1 penitência moral). Há várias outras combinações que você pode fazer entre as penitências.
Lembrando que as penitências morais e interiores são as mais importantes. Não adianta passar fome no jejum nem ser rígida com o próprio corpo se você continuar cultivando sentimentos ruins por dentro em relação ao próximo. Portanto, o mais importante é a postura de humildade e aperfeiçoamento interno. As penitências externas são apenas complemento de uma atitude interior e do desejo de ser uma pessoa melhor e mais cumpridora dos preceitos bíblicos, divinos e dos mandamentos de Deus. Lembre-se: Jesus tem sede de ver o aperfeiçoamento moral dos seus filhos cristãos. Cada vez que você se aperfeiçoa com a penitência é como se você estivesse dando um copo d'água ao Nosso Senhor como a mulher samaritana.
Perceberam como a penitência é mais simples do que parece? Ela é rígida por impor o nosso aperfeiçoamento moral, pessoal e espiritual, mas existem "exercícios" de penitência que são simples e podem ser feitos por qualquer pessoa. Quando falamos em penitência, as pessoas logo imaginam um católico dando chicotadas nas próprias costas ou algo do tipo (risos), mas o masoquismo não tem nada a ver com a nossa doutrina (existem até mesmo penitências corporais rígidas efetuados por religiosos em estágios profundos de vida espiritual, mas o intuito das mesmas é uma proximidade muito mais profunda com Deus no exercício da oração que nossa vã filosofia não consegue compreender e que nada tem a ver com masoquismo).
Por que fazer penitência e submeter-se a pequenos sacrifícios? Porque a penitência fortalece a alma, a qual fica mais repleta da graça de Deus e pronta para enfrentar as contrariedades do cotidiano. Quando surge uma "penitência" natural da vida na forma de um obstáculo cotidiano, quem pratica penitência tem muito mais resiliência, força e capacidade para enfrentar as adversidades do dia a dia. São Francisco de Sales, por exemplo, dizia que o verdadeiro espírito da penitência não seria escolher sacrifícios nem fazer sacrifícios voluntários, mas suportar com paciência as penitências naturais que a vida traz para nós.
Hoje em dia, vemos o quanto as pessoas estão fracas psicologicamente e espiritualmente. O número de suicídios aumentou, o número de depressão aumentou, o número de ansiedade aumentou e as pessoas seguem frágeis e extremamente desesperançosas e desesperadas diante das mínimas contrariedades cotidianas.
A meu ver, a fraqueza psicológica de hoje em dia é fruto da nossa sociedade hedonista que prega o prazer como o rei da vida. Se a pessoa não consegue obter o prazer, ela fica desesperada. As pessoas fogem da dor e não têm mais paciência para enfrentar as dores físicas e emocionais que a vida traz para elas. No menor sinal da dor, as pessoas buscam remédios. No primeiro sintoma de angústia, as pessoas correm para a psiquiatria em busca dos remédios psiquiátricos da moda e dos calmantes. Quase ninguém quer enfrentar uma jornada de autoconhecimento para fortalecer a si mesmo e enfrentar as dores da vida com transparência, verdade e resiliência. Quase ninguém quer enfrentar a dor. Quem busca enfrentar a dor por si mesmo é logo taxado de "masoquista".
Mas, os verdadeiros masoquistas são aqueles que, ao fugirem das próprias dores, alimentam a própria fraqueza e deixam de lado o cultivo da própria força espiritual. O desespero diante da dor e a frustração diante da ausência do prazer levam as pessoas aos caminhos malévolos das "fugas": drogas ilícitas, remédios psiquiátricos, álcool, tabagismo, baladas mundanas, sexo sem responsabilidade e relações sem amor para cobrir a carência (relações essas que só servem para aumentar a carência no final das contas). A única maneira de curar a nossa dor é enfrentá-la.
Quem tem um espírito penitente já está acostumado com a abstenção do prazer e com o sacrifício. Sendo assim, quando surge uma situação ruim que arranca alguns prazeres de sua vida ou impõe algum desconforto emocional, o penitente enfrenta tal situação sorrindo, pois já tem a graça de Deus para superá-la. Entendeu a importância da penitência? Além de ser mais forte nos momentos ruins, um espírito penitente aproveita com muito mais qualidade os momentos bons. Quando surgem momentos de prazer e alegria, eles não passam despercebidos, mas são louvados com um grande espírito de felicidade e gratidão a Deus. A resiliência, a força e a resistência aumentam diante dos momentos ruins em quem já faz penitência, assim como o entusiasmo e alegria aumentam diante dos momentos felizes.
Vocês já notaram como a carne e o chocolate apreciados no domingo de Páscoa parecem mais saborosos para o paladar quando ficamos a quaresma sem comer carne nem chocolate? Parece que o Ovo de Chocolate da Páscoa ganha um sabor incrível e que a carne é a mais maravilhosa do mundo. Damos mais valor aos bons "sabores" da vida após enfrentar as penitências. Quem faz penitência vive em eterna Páscoa. Do mesmo modo, quem se priva do prazer sexual na juventude, por exemplo, aproveita com muito mais qualidade o afeto e o prazer com o seu marido ou com a sua esposa do que aquele que tem uma vida desregrada e que acaba por banalizar o sexo. No espírito penitente, não se trata de abandonar o prazer por completo, mas saber equilibrar a alma para que ela saiba viver com qualidade tanto no prazer quanto na dor.
A nossa sociedade vive os seus instintos sob um parâmetro muito errado. O lema doentio da nossa sociedade é "foge da dor e busca o prazer." E é justamente esse lema que traz tanta ansiedade e dores emocionais para o mundo. Quando deixamos de fugir da dor e abrimos mão da busca desenfreada pelo prazer, alcançamos a paz interior e a resignação diante dos obstáculos. Resignação não quer dizer ficar de braços cruzados, mas tomar as atitudes conscientes que estão ao meu alcance e aceitar o que não posso mudar. As pessoas estão ansiosas, porque querem ter o domínio de tudo. Mas ninguém tem o domínio de tudo, exceto Deus. Ter uma religião retira a ansiedade, pois condiciona o comportamento a uma resignação transcendental.
Uma "penitência" que a minha mãe aplicava na minha educação quando eu tinha uma atitude emocional errada e chorava desnecessariamente diante de algumas situações era escrever dezenas de vezes esse trecho da oração da serenidade:
Concedei-me, Senhor a serenidade necessária
Para aceitar as coisa que não posso modificar.
Coragem para modificar aquelas que posso e
Sabedoria para conhecer a diferença entre elas.
Veja a oração da serenidade completa no link:
Eu escrevi inúmeras vezes esse trecho da oração da serenidade em meu caderno. Era o meu "castigo". E eu agradeço a mamãe intensamente por isso, pois sou uma pessoa forte hoje. Se antes eu era mais emocionalmente "dramática" (risos), hoje sou uma pessoa calma e que enfrenta com sabedoria e fé em Deus os obstáculos da vida (e costumo repassar os conselhos de minha mãe para todos aqueles que cruzam o meu caminho). Sou surpreendentemente calma hoje em dia. Tenho os meus erros humanos e situações de angústia, mas as situações de angústia tornaram-se cada vez mais raras. Tenho coragem, sabedoria e serenidade com a graça de Deus.
E, se você quer se tornar uma pessoa melhor e mais calma também, eu sugiro que comece o seu caminho espiritual a partir das penitências. Colocando "freios" nos instintos emocionais e descobrindo a humildade da interiorização, você vai florescer a luz da graça de Deus em você.
Bem, e por que escolhi ficar 46 dias sem compras na quaresma de São Miguel? Para colocar "freios" nos meus instintos consumistas. Eu também comuniquei à família que não queria receber presentes naquele período. Obviamente, eu comprava comida e itens necessários, mas deixei de lado as compras supérfluas como roupa, maquiagem, itens de decoração, objetos de papelarias, mimos diversos e livros. Não abri mão da vaidade de passar maquiagem e continuei vestindo roupas bonitas, mas abri mão do ato de fazer novas compras vaidosas.
Não me considero uma pessoa consumista, pois sempre dei mais valor aos bens espirituais do que aos bens materiais. Também não sou competitiva materialmente (acho ridícula a ideia de competir carros, roupas de marcas e bens materiais com os vizinhos e nunca entrei nesse tipo de competição mundana e mesquinha...). Acontece que eu estava entrando em um vício quando morava em Brasília: sempre comprava alguma coisinha quando eu passeava por alguma quadra. Notei que passei dos limites nas compras e, então, decidi ficar sem compras supérfluas na quaresma de São Miguel. Deixei de comprar roupas novas, maquiagem, itens de decoração, objetos de papelaria e livros (meus objetos maiores de consumo -- risos).
Eu entrava dentro das lojas e sentia vontade de comprar alguma coisa. Eu respirava fundo e afastava a tentação (risos). Como me senti? Mais forte para superar os meus impulsos. Usei essa força contra a tentação em outras áreas da vida: deixando de ser reativa e passando a ser mais prudente. A prudência nas compras trouxe prudência em todas as outras áreas da minha vida (esse é o ponto alto da consequência da penitência).
Não podia quebrar a penitência quaresma, pois é pecado, mas eu poderia determinar a intensidade da penitência com o livre-arbítrio (algo específico da penitência, já que ela é uma promessa pessoal). Sendo assim, fiz uma oração para São Miguel com pedidos e promessas: que ele tivesse compaixão de mim se eu "derrapasse", porque era a primeira vez que eu experimentava uma penitência daquele tipo. Caso eu comprasse algo ou recebesse algo de presente, eu prometi que doaria o objeto para alguém junto com uma carta repleta de orações a São Miguel para evangelizar a pessoa que receberia a minha doação.
Não podia quebrar a penitência quaresma, pois é pecado, mas eu poderia determinar a intensidade da penitência com o livre-arbítrio (algo específico da penitência, já que ela é uma promessa pessoal). Sendo assim, fiz uma oração para São Miguel com pedidos e promessas: que ele tivesse compaixão de mim se eu "derrapasse", porque era a primeira vez que eu experimentava uma penitência daquele tipo. Caso eu comprasse algo ou recebesse algo de presente, eu prometi que doaria o objeto para alguém junto com uma carta repleta de orações a São Miguel para evangelizar a pessoa que receberia a minha doação.
Em uma Feira do Livro aberta dentro de um Shopping em Brasília, um famoso livro de filosofia (muito usado no Curso de Direito) estava apenas por 10,00. Os meus olhos brilharam diante do livro, assim como brilharam diante de um Clássico do Machado de Assis que estava com o preço baixo. Mas, eu não poderia quebrar a penitência, não é mesmo? Respirei fundo e decidi não levar os livros. Mas, a minha avó materna que estava passeando comigo percebeu os meus olhos brilhando pelos livros e comprou os mesmos para mim.
Eu aceitei o presente, mas não poderia aproveitar os livros naquele momento, porque tinha decidido sacrificar minhas vontades naquele tempo. Assim que a quaresma terminou, eu enviei os livros pelo Correio para duas grandes amigas com longas cartas repletas de bons conselhos, carinho fraterno e Orações de São Miguel. Nenhuma das amigas é Católica (uma é espírita e a outra evangélica), mas elas respeitam a minha Religião e têm a mente e o coração abertos. Minha intuição sentiu que essas amigas fariam bom uso desses livros que eu tinha recebido. Como prometido, repassei os livros para não ficar com os presentes recebidos nesse tempo de Quaresma.
Fazer a penitência de ficar sem compras na Quaresma de São Miguel do ano passado foi uma grande lição moral que preparou a minha alma para viver o atual tempo de Quarentena devido ao coronavírus que estamos vivendo agora com a COVID-19 rondando os nossos dias em 2020. Um dos meus hábitos prediletos era sair para fazer compras (mais pela sensação de liberdade de caminhar pela rua e pelas lojas do que pelos objetos materiais em si). Ficar proibida de sair de casa e não poder ir às compras por causa do coronavírus não causam angústia em mim atualmente, porque o meu espírito penitente já sabe como é ficar sem liberdade e sem compras. Percebeu como a penitência voluntária fortalece a nossa alma para encarar as "penitências involuntárias" que a vida traz naturalmente para as pessoas?
A minha intuição indicou uma penitência de ausência de compras supérfluas ano passado e eu jamais poderia imaginar que precisaria aprender essa lição para passar um dia por uma quarentena de saúde pública. Nesse ano, estou há mais de 60 dias sem sair para fazer compras (essa penitência involuntária dos dias atuais ultrapassou o tempo da minha penitência voluntária anterior de 46 dias).
Por causa da quarentena, estou sem sair de casa há mais de 60 dias também. Atualmente, moro no Paraguai e aqui a política do isolamento social é mais rígida que o Brasil. O único do meu lar que sai para ir ao Supermercado é o meu pai. Nessa quarentena, porém, eu recebo mimos (não fiz nenhuma promessa nessa quarentena a não ser a de vivê-la da maneira mais equilibrada e resiliente possível). Meu pai também compra mimos para mim além dos mantimentos necessários. É o meu pai que está comprando as guloseimas que eu gosto, itens de higiene, beleza e maquiagem. Tive de explicar para o meu pai o que era uma base líquida e um lápis de olho (risos).
Eu gosto de me arrumar e de me maquiar mesmo para ficar em casa, pois sinto mais "prontidão". Entre a vaidade e a preguiça, escolhi um pouco da vaidade para manter um ritmo mais vigilante de vida (risos). Gosto de tirar o pijama, arrumar a cama, trocar de roupa e colocar uma maquiagem leve para estudar e escrever dentro de casa. Sinto como se esse meu "ritual" trouxesse um espírito de prontidão e retirasse a "letargia" de ficar em casa.
Sinto força e resiliência para enfrentar o isolamento social diferentemente de muitos que entraram em melancolia, letargia e desespero. Qual é o meu segredo? Ter um espírito penitente e de prontidão para encarar com força e resiliência tudo o que a vida trouxer para nós. Posso aparentar ser mais calma e passiva, mas, em verdade, é preciso muita força de espírito para resistir com equilíbrio aos obstáculos. Quando se trara de resistir a algo, sou muito forte. Tenho paciência e creio que a paciência é maior força espiritual que existe. Não sou ansiosa como a maioria das pessoas dos tempos modernos, porque sei que o tempo de Deus é diferente do nosso.
Há uma semelhança entre "Quaresma" e "quarentena" até nas palavras: ambas são tempos de reclusão e reflexão para que possamos renascer como pessoas melhores. Espero que a humanidade receba a futura cura ou vacina do Coronavírus (e elas virão se Deus quiser) com o espírito de Páscoa e que todos renasçam como pessoas melhores. Vamos encarar essa quarentena como uma quaresma e essas limitações que o Coronavírus trouxe (usar máscara, distanciamento social, proibição de eventos e etc) como penitências involuntárias que vão santificar a nossa alma. Vamos nos inspirar nos grandes santos da Igreja Católica que viam nos problemas as bênçãos para expandir a santidade. Vamos encarar os problemas com louvor e não com reclamação, como se eles fosse penitências dadas de presente para expandir a sua força espiritual e a sua capacidade de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual.
Que essas limitações que o Coronavírus está trazendo sirvam para que possamos valorizar mais ainda o amor e a liberdade. Estamos sensíveis demais para os pequenos problemas e insensíveis demais para as pequenas alegrias (e creio que essa é a fonte da depressão da humanidade). Devemos fazer o contrário: passar por cima dos pequenos problemas e aumentar o efeito das pequenas alegrias em nossas vidas.
Vamos valorizar mais os momentos com as pessoas queridas após passar esse tempo longe delas. Vamos valorizar bem mais as pequenas liberdades como passear pelas ruas, andar à pé até a padaria e entrar em uma livraria para comprar o livro predileto. Andar sem máscaras na rua futuramente será o êxtase da felicidade e da liberdade, assim como comer carne e chocolate no domingo de Páscoa é o êxtase do nosso paladar após uma quaresma de jejum e peixe.
Vamos encarar essas limitações de hoje como as privações que restringem a vida atual para que possamos aumentar e expandir a vida amanhã. Não se desespere diante da dor e da ausência de prazer, pois a verdadeira felicidade espiritual é saber ter alegria e resiliência mesmo na provação. Quando o prazer e a liberdade retornarem à vida, receba os mesmos de braços abertos e saiba dar mais valor a eles nas pequenas coisas. Se Deus está permitindo uma provação em sua vida, reflita! Deus quer que você prove a sua perseverança para Ele. A perseverança é uma das virtudes mais lindas do cristão e ela somente é expandida na provação.
Feliz é o homem que persevera na provação, porque depois de aprovado receberá a coroa da vida, que Deus prometeu aos que o amam.
Tiago 1:12
Texto escrito por Tatyana Casarino. Tatyana é Católica, Especialista em Direito Constitucional, advogada, escritora e poetisa.
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