O caderno digital de Tatyana Casarino. Aqui você encontrará textos e poesias repletos de profundidade com delicadeza.









Contador Grátis





quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O lado depressivo do Direito -- O que não te contaram.

O lado depressivo do Direito -- O que não te contaram.


               


   Direito sempre foi uma belíssima escolha -- a escolha do Curso que oferece múltiplos caminhos, com entusiasmo vocacional, a possibilidade concreta de mudar aspectos da realidade, o lindo sonho da justiça social e também (sejamos sinceros) o charme do seu glamour e o dinheiro que vem a partir da valorização das carreiras jurídicas na sociedade. 
     Eu escolhi Direito por amor no auge dos meus 17 anos quando prestei vestibular pela primeira vez. Amava as Ciências Humanas e via o Direito como o "carro-chefe" delas e também como uma área onde o uso da palavra -- tanto oral quanto escrita -- seria importante (e, de fato, é mesmo) para trazer mais luz à sociedade. Sempre fui uma garota muito questionadora, argumentativa, persuasiva e defensora dos amigos e das boas causas, razões que me levaram diretamente ao Curso do Direito. 
     Nunca tive dúvidas da minha vocação, não fui uma adolescente confusa nem fui do tipo que ficava fazendo testes vocacionais. Confesso que, quando criança, pensei em outras profissões como médica, cientista, jornalista, atriz de musicais e veterinária, mas o Direito foi crescendo em minhas veias até explodir a vocação dentro de mim. 
     Eu brincava muito de advogada quando criança também -- eu tinha uma mesinha amarela de plástico e uma cadeira giratória de plástico amarelinha que formavam o meu "escritório". Eu inventava clientes imaginários e brincava de trabalhar em escritório. Sempre amei ler e escrever, fui uma criança estudiosa e inteligente, modéstia à parte, e os livros sempre me rodearam. Sempre vi a hora dos estudos com entusiasmo e emoção -- para mim, estudar também era uma brincadeira, uma brincadeira séria e emocionante. 
       Nunca vi a hora de estudar como fardo e nunca precisei levar bronca de ninguém para estudar. Disciplinada desde pequena, desenvolvi o gosto por estudar e desenvolvi meus lado intelectual precocemente, especialmente na área das Ciências Humanas (quanto à matemática, eu sempre tive dificuldades). Toda a minha jornada me levou inevitavelmente a fazer Direito -- acredito muito em destino. 
        Mas, após a realização do meu sonho de ser Bacharel em Direito, encontrei muitas dificuldades para seguir uma direção. Logo eu que sempre fui certinha, seguindo caminhos retos com início, meio e fim e levando até o fim todos os meus projetos, sinto-me perdida em labirintos sem bússolas, muitas vezes, desde que me formei em Direito. Descobri que o fim da faculdade é só o começo. 
           Consegui passar na OAB de primeira, mas não consigo exercer a advocacia como eu queria. Como não venho de uma família com tradições nas profissões jurídicas (sou a única advogada da família), não tenho um escritório familiar no qual poderia trabalhar e não me inseri na prática profissional. Tenho a sensação de que tenho muito conhecimento e pouca prática e, diversas vezes, não sei o que fazer com o conhecimento que tenho. 
               Não estou desmerecendo o conhecimento teórico, pois defendo com unhas e dentes a importância da parte teórica (até as matérias consideradas "perfumarias" são extremamente importantes na nossa formação pessoal e profissional e determinam a qualidade da nossa essência profissional tanto no conteúdo do nosso trabalho quanto na técnica). Não obstante, há uma grande falha da faculdade no quesito da prática jurídica. O Serviço de Assistência Jurídica do final da faculdade não é suficiente para preparar o aluno para a prática, os estágios mais desgastam do que ensinam e o aluno sai da Faculdade de Direito (por melhor que seja a faculdade) sem segurança profissional para atuar na prática. 
               Tenho a consciência tranquila de que fui uma excelente aluna durante a faculdade (sem modéstia, pois estou sendo sincera neste texto): estudava diariamente com o intuito de aprender e não somente de tirar boas notas, tenho um histórico de excelentes notas, escrevi diversos artigos científicos, sempre fui autora dos meus próprios trabalhos (nunca precisei colar nem plagiar), sempre fui honesta na minha vida acadêmica, absorvia cada matéria com entusiasmo e paixão, frequentava as aulas de modo assíduo, participava de cada atividade complementar, assistia às palestras extras, me dedicava intensamente nos seminários e sempre fiz tudo com qualidade. 
              Fui uma aluna intensa. Tenho a consciência tranquila de que nunca fui morna, nunca fui meia-boca, nunca estudei só para passar de ano e nunca troquei uma boa aula por um jogo de truco hehehe. Diversas vezes, dei "aulas" gratuitas para pessoas com dificuldades em algumas matérias, fui a mentora de trabalhos em grupo e frequentava bastante a biblioteca da faculdade. Cumpri com minhas obrigações acadêmicas. Mas, por melhor que tenha sido a sua trajetória acadêmica, paira uma densa sensação após a faculdade que grita dentro da alma: "E agora? O que fazer?"

                                 

                     


                           Depois da faculdade de Direito, todos estão no mesmo barco: bons e maus alunos, aqueles que passaram na OAB e aqueles que não passaram, aqueles que fizeram por amor e aqueles que fizeram por dinheiro, aqueles que querem advogar e os que querem ser concurseiros, aqueles que querem ser professores e aqueles que não fazem nada o dia inteiro. Todos estão no mesmo barco. Um barco sem rumo, navegando por um mar estranho e recebendo ventos fortes de todas as direções. Estamos perdidos em um barco no meio da tempestade do mar noturno. E não há bússolas para guiar esses barqueiros que são Bacharéis em Direito. 
                          Esqueça o glamour. Não há glamour no Direito. O glamour quem faz é você. Esqueça o dinheiro. Não há como ficar rico logo após pegar o diploma nem sair da faculdade já sendo juiz ou Ministro do STF (risos). Tudo o que o Direito te dá é uma longa e vazia estrada que só você pode trilhar. O diploma é apenas uma "mochila" metaforicamente, uma mochila cheia de equipamentos, lenços, títulos e documentos para você não ser um andarilho qualquer sem lenço ou documento (como diz a canção de Caetano).O diploma te dá uma bagagem para você usar e sobreviver no "deserto" que é o final da faculdade. 


                                      



                                  

                      


                 Se você se encantou com o Direito, porque assiste séries norte-americanas de advogados ou detetives, é melhor repensar a sua escolha. Não se iluda com o glamour. Não há glamour. O glamour é você que acende com o entusiamo dentro do teu peito. E este entusiasmo, muitas vezes, se apaga, porque você sempre encontrará colegas repletos de tédio nos corredores do Fórum. Os seus colegas mais velhos não carregam mais o brilho no olhar por fazer Justiça. Cuidado, senão eles apagarão o seu brilho no olhar também. Cuidado para não ser mais um operador do direito tedioso na multidão. 
                      Fique o dia inteiro no Fórum para ver que não há glamour. Muitos não se vestem mais com a mesma elegância nem apresentam mais aquele discurso de arrancar o fôlego. A moda lá no Fórum é cada vez mais casual -- e a oralidade também. Juízes bocejando e olhando toda hora para o relógio com aquela cara de tédio (indagando silenciosamente "que hora termina esse saco?") podem desiludir a imagem heroica que você construiu do Direito. 
                Esqueça as grandes causas. Elas não chegam nas mãos dos advogados novatos. Esqueça sobre a ideia de salvar o mundo -- tudo o que você pode fazer é ajudar algumas pessoas, o que já é uma pequena e valiosa bênção para o mundo. Concentre-se em pequenas causas, pois elas também são importantes. Não olhe com tédio para uma briga de vizinhos, pois ela não deixa de ser um reflexo microcósmico das grandes guerras mundiais. Dê valor ao menor dos conflitos. 
                 Pense globalmente e atue localmente para não perder o entusiasmo. Ser a luz da razão e resolver os conflitos de algumas pessoas com sobriedade, honestidade e justiça pode ser muito heroico e entusiasmante. Você encontrará o glamour nas pequenas vitórias e não nas grandes. Você encontrará o glamour outrora perdido onde menos se espera -- especialmente na sua perseverança de lutar honestamente por justiça em uma terra que, muitas vezes, está repleta de tédio, desprezo, injustiças e desonestidades. 


                                 

              


               Não deixe o tédio dos outros apagar o seu entusiasmo. Jamais se corrompa por causa da lama do sistema. Seja uma pura e honesta flor de lótus que flutua com brilho no meio da lama. Jamais se permita murchar. Mantenha-se firme e forte apesar dos momentos depressivos que você enfrentará -- e serão muitos momentos com sensações de vazio, solidão e desilusão após a bendita Formatura de Direito.
                 Quanto aos concursos, essa é uma guerra sem fim. As provas estão cada vez mais difíceis, confusas e chatas. Não se trata mais de medir o conhecimento, a vocação, a competência e a inteligência do aluno e sim de verificar se o seu modo de raciocinar é igual ao dos autores da prova. Um estudo aprofundado da banca e muitas aulas em cursinhos vão te preparar para entender a "manha" do concurso ou o "pulo do gato". Não basta somente conhecimento para passar em uma prova. É preciso muito treino, jogo de cintura, esperteza, intuição e um raciocínio metódico e visionário. 
             Com todo o respeito, as provas de português estão cada vez mais lunáticas e a interpretação de texto virou uma torre de babel -- ninguém mais entende nada, e eu diria que até o escritor dos textos cobrados não saberia interpretar a própria obra de acordo com a banca organizadora da prova. 
                É preciso avisar que a realidade após a faculdade é bem mais difícil. Se eu me decepcionei com o Direito? Sim. Se eu deixei de amá-lo? Não. Ao contrário, penso que só passei a amar o Direito de verdade após me decepcionar com ele, pois o verdadeiro amor só existe quando enxergamos os defeitos do outro, quando aprendemos a perdoar as suas mazelas e quando amamos o outro na realidade.
                   É fácil amar uma ilusão. É fácil se apaixonar pelo glamour imagético das togas pretas e dos filmes norte-americanos sobre os advogados. O difícil é continuar amando a sua vocação depois que arrancam os véus das ilusões de seus olhos. A justiça usa um véu sobre os olhos, mas nós não precisamos de véus para fazer justiça. A justiça é feita na realidade, olhando para a lama e para o sangue a fim de curá-los de todo o mal. 

Texto escrito por Tatyana Casarino. 

Tatyana Casarino é advogada, especialista em Direito Constitucional e poetisa. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário