Ele era um bom menino,
estudioso e bem quietinho.
Estudou em colégio religioso,
era moralista e virtuoso.
Seu pai era um rei bondoso
que ajudava a vila e o povo.
Sua mãe era uma rainha formosa,
muito bela, meiga e caridosa.
Valentin não queria ser príncipe,
tinha aversão ao seu próprio poder.
Não queria participar de batalhas,
tinha pavor de todas as armas.
Valentin gostava de ir à missa,
tinha decorado toda a bíblia.
Estudava para ser o novo padre
usava até o cinto da castidade.
Certo dia, a eclosão de uma guerra
devastou o reino de sua Inglaterra.
Seu pai e sua mãe morreram,
e ele sobreviveu como único herdeiro.
Quando soube que estava órfão,
seus olhos azuis ficaram arregalados.
Naquela noite, raios e trovões pesados
faziam tremer o mosteiro de seu seminário.
Lágrimas logo caíram sobre a bíblia
assim que ele chorou e gritou.
A saudade dos pais quase o matou
junto da culpa que o dilacerou.
"Por que eu não fui à guerra
para ajudar o reino da Inglaterra?"
Ele se questionava em culpa e lágrimas
por se esconder num mosteiro sem armas.
"Será que, se eu tivesse lutado,
meus pais e o reino estariam salvos?"
Ele indagava para a lua cheia
enquanto sentia o peito angustiado.
"Será que eu tentei ser virtuoso,
mas minha omissão foi desastrosa?"
Perguntou Valentin de forma chorosa
antes de descer as escadas em espiral.
Correu para o seu castelo,
queria ajudar o seu reino.
Mas avistou o usurpador francês
que matou seu pai pelo reino inglês.
Escondido atrás das árvores,
Valentin viu um rei falso e maldoso
ao lado de uma rainha feia e sem graça.
Eles não eram como seus pais virtuosos.
Os usurpadores estavam debruçados na janela
e tomavam vinho enquanto falavam de guerra.
Valentin chorou silenciosamente sob a lua
quando viu seu jardim devastado e a terra nua.
Voltou correndo para o mosteiro,
subiu as escadas bufando de ódio.
Os outros padres ficaram preocupados,
mas Valentin estava silencioso e mórbido.
Revirava em sua cama durante a noite,
sua febre provocava ardência no corpo.
Relampejava quando sua testa suava,
e, então, ele acordou para o lunar açoite.
Perguntas açoitavam a sua alma:
"Vale a pena seguir a virtude
se os reis maus sucedem os bons?
Vale a pena seguir a caridade?"
Acordou com os olhos vermelhos,
queimou o seu cinto de castidade
e rasgou a sua sagrada e sonhada batina.
Soltou os cabelos negros, apagou a lamparina.
Desceu as escadas bufando,
queria fugir daquele seminário.
Seu professor tentou impedir a fuga,
mas Valentin agrediu o bispo com fúria.
Sua força foi multiplicada pela lua,
e ele quebrou a janela ao arrombar a porta.
Saiu a correr feito um profano cego
por aquela floresta que lembrava o deserto.
Adentrou em um bordel francês
que foi trazido pelo novo rei.
Dançou, gritou, bebeu, cantou,
tomou um litro de vinho e depois urrou.
Sua forma de lidar com a dor
foi a de enlouquecer profundamente.
A angústia arrebentou as cercas da alma,
libertando todos os vícios latentes.
Beijou três prostitutas sob a lua,
arrancou as máscaras delas e as plumas.
Da castidade mais rígida do internato,
ele saltou para a luxúria mais insana.
Quando não sabemos encontrar o equilíbrio,
o excesso de virtude pode ser maléfico
ao trancafiar os desconhecidos vícios.
Só a balança traz o meio do caminho.
Arrancou a peruca branca de uma prostituta
que usava uma maquiagem bem forte.
Puxou os cabelos castanhos dela num suspiro
enquanto a lua o transformava num vampiro.
Escolheu esta prostituta de cabelo escuro
para ter a sua primeira noite de prazer.
Subiu as escadas do bordel em segundos
enquanto latejavam os seus instintos obscuros.
Sentiu sede do sangue da francesa
e atacou a bela mulher indefesa
cujo pescoço sofreu e sangrou.
O vampiro gargalhou e chorou.
O bordel chamou a polícia
por causa da mulher mordida.
A francesa sangrava sobre a cama,
mas o vampiro logo escapou.
Ao ver que tinha se tornado um monstro,
quebrou os espelhos do quarto do bordel
com um cinzeiro prateado e dourado.
Depois, pulou a janela e escapou dali.
Correu com monstruosa velocidade
no meio do bosque e camuflado nas árvores.
Decidiu se vingar do sarcástico rei usurpador
para honrar o pai e a guerra que acabou.
Quando chegou perto do castelo,
avistou a princesa Catherine Lee.
Diferentemente do rei e da rainha dementes,
Cathy era bela, bondosa e sorridente.
"Vingar-me-ei do rei ao matar a sua filha
que parece ser tão virtuosa, doce e inocente.
Eu era tão inocente quanto essa donzela,
não suporto ver seu sorriso atrás da janela!"
Certa noite, foi marcado um baile
cujos convidados estariam mascarados.
Valentin apareceu na festa
e caçou pelo salão a donzela.
Cathy usava uma peruca roxa,
uma máscara prateada brilhante
e um vestido preto de renda.
Este é só o início dessa lenda.
Poesia escrita por Tatyana Casarino.
*Tatyana Casarino é paulista da cidade de Presidente Prudente/SP. Todavia, ela morou boa parte de sua vida em Santa Maria/RS, já passou por Fortaleza/CE e atualmente vive em Brasília/DF. Ela é Advogada, Especialista em Direito Constitucional, poetisa e escritora.
Mais sobre Tatyana: Suas poesias costumam ser místicas e simbólicas. Seu principal objetivo na literatura é levar a conscientização da importância de olhar para dentro de si mesmo e aperfeiçoar a personalidade. Somos seres humanos em constante evolução.
*Sobre a Poesia desta postagem:
**A poesia alerta para a necessidade de trilhar o caminho do meio entre as virtudes e os vícios, já que sufocar os vícios em busca de uma santidade impossível pode trazer o efeito contrário. Na história contada pela poesia e criada por Taty Casarino, o personagem Valentin expandiu os vícios após um acesso de loucura, restando perigosa e contraditória a sua obsessão inicial pela virtude.
**Leia mais poesias de Vampiros (o leitor perceberá que muitas delas também pertencem à história descrita pela poesia desta postagem) no seguinte Link:
http://tatycasarino.blogspot.com/search/label/Poesias%20de%20Vampiros
**Observação: O Link citado remete a todas as poesias de vampiros já escritas nesse blogue. Se você gostou do viés gótico da poesia de hoje, certamente gostará das outras poesias. ;)
Tatyana Casarino
*Confira uma música que combina com a postagem por representar o conflito entre a libido humana e o anseio pela pureza religiosa:
Sadeness - Enigma
https://www.youtube.com/watch?v=4F9DxYhqmKw
*Tradução da música citada:
https://www.letras.mus.br/enigma/12926/traducao.html
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