O primeiro encontro de Catarina
Catarina e sua avó Teresa resolveram ir à missa da
Paróquia de Nossa Senhora das Dores naquela quarta-feira. A igreja ficava a duas quadras de distância da casa delas. Catarina, embora
espírita e mística, tinha raízes cristãs em sua fé religiosa, amava o
catolicismo e possuía profundo respeito e devoção por Nossa Senhora. Essa
devoção estava estampada em seu lar e em seu quarto especialmente, onde
habitavam imagens da Virgem perto de flores de lótus de cristal (os amigos de
Catarina sentiam-se dentro de uma loja esotérica na casa dela).
A avó Teresa, muito católica e tagarela, gostava de cantar
músicas religiosas no trajeto até a igreja, contrastando com a moça
introspectiva e quieta ao lado dela.
─Segura na mão de Deus, segura na mão de Deus e vai...
─Cantava a avó Teresa.
─Nós deveríamos ter vindo de carro, vovó. A mamãe ofereceu
carona e nós recusamos indevidamente. Ah, se eu pudesse voltar atrás, teria
pedido para ir de carro à igreja.
─É bom ir para a igreja a pé, Catarina. Isto torna o
domingo mais missionário.
─Não vejo como ir a pé pode tornar o trajeto mais
missionário. ─Disse Catarina enquanto respirava fundo.
─Não reclama, Catarina, não reclama. Não é você que vive
dizendo que gosta de jornadas de fé? Não é o sonho de sua vida pegar uma
mochila, colocá-la nas costas e fazer uma peregrinação em lugares místicos na
Europa? Faça de conta que você está peregrinando. Não valoriza os lugares
santos do Brasil?
─Não é nada disso, vovó. Eu amo e valorizo o meu país
acima de tudo. É claro que eu amo as igrejas e os lugares místicos do Brasil
também. Mas, as ruas esburacadas e íngremes do Brasil em nada se assemelham aos
caminhos de peregrinação. Olha só a subida que nos aguarda. ─Disse Catarina
enquanto apontava para a calçada inclinada para cima.
─Me segura, então, minha neta, porque eu já estou velha e
tenho medo de escorregar nessa calçada. ─Sibilou a avó Teresa enquanto
entrelaçava o seu braço direito no braço esquerdo de Catarina.
Catarina conduziu sua avó até a igreja enquanto ela
cantava em voz alta músicas religiosas incessantemente. Quando elas chegaram à
igreja, os olhos delas brilhavam. Catarina sentiu aquela paz, alegria e todas
as emoções típicas que os ambientes espirituais provocavam nela.
─Catarina, gostaria tanto que você arranjasse um namorado
aqui. Um homem virtuoso, católico e temente a Deus seria perfeito para você,
minha neta. ─Disse a avó Teresa enquanto tocava o ombro da neta e olhava para
os fiéis.
─Ai, não fala de namorado, vovó, por favor. Eu vim aqui
para encontrar Deus e não um namorado. Com todo respeito, eu vim aqui para
rezar. ─Respondeu Catarina com o seu tom de voz irritado típico que exalava
toda vez que alguém indagava ou refletia sobre um namorado para ela.
─Namorar é bom. Na sua idade, eu namorava tanto. Pegava na
mão dos rapazes que eu namorava, paquerava na praça, ia sempre ao cinema com um
namoradinho, dançava coladinha ao som das orquestras e recebia bilhetes de
admiradores secretos. Como uma moça bonita como você não recebe bilhetinhos? Os
rapazes estão cegos ou você tem algum problema?
─A internet matou o romantismo de bilhetinhos, vovó. Além
do mais, na sua época, vovó, o namoro era inocente. Os tempos mudaram. Os
rapazes não cortejam mais as moças, não paqueram mais e é raríssimo encontrar
um homem romântico. Hoje em dia as pessoas beijam na boca umas das outras em
baladas e dizem que estão “ficando”. Eu não gosto deste tipo de coisa. Não há
nada de errado comigo. Sou apenas uma mulher reservada. Essas baladas não são
como as festas do seu tempo. São festas em ambientes aglomerados e escuros, com
muita bebida alcóolica, funk, sertanejo universitário e música eletrônica.
Definitivamente, não é um ambiente para arranjar namorado. Não é o tipo de
ambiente que provoca diversão e alegria em mim.
─Então, minha neta, é por isso mesmo que eu sugiro
encontrar alguém na igreja. Os cristãos geralmente não gostam dessas “ficadas”,
baladas e bebedeiras.
─Ah, vovó, nem tanto ao mar nem tanto à terra. Não sejamos
radicais. A igreja também não é o ambiente mais adequado para paquerar ou
arranjar um namorado. Posso ser careta para os olhos de muitos, mas não sou
careta ao ponto de procurar namorado em igreja.
─Desse jeito, ficará solteira para o resto da vida,
Catarina. Você não gosta de baladas, onde as pessoas da sua idade arranjam os
flertes, e não quer encontrar um namorado na igreja...
─Eu quero investir nos meus estudos primeiramente. Não
quero perder tempo com flertes, pois quero que todo o meu tempo seja direcionado
ao sucesso profissional. Eu sou ambiciosa, vovó. No seu tempo, a maior ambição
era arranjar um bom marido. Hoje não é mais assim. Eu quero me casar com a
minha profissão. Quero ser uma pessoa de sucesso.
─Como você é orgulhosa, Catarina! Vive pensando em
sucesso. Mas, presta atenção no que eu vou falar para você, minha neta: o seu
sucesso profissional nunca vai aquecer você em uma noite fria. Só o calor de um
homem pode fazer isso.
─Pode deixar que eu uso bons cobertores. ─Disse Catarina
antes de soltar uma risada irônica.
─Catarina, eu não estou reconhecendo você. Você é uma moça
tão romântica e delicada... Como pode recusar tanto o amor?
─Eu não rejeito o amor, vovó. Continuo com o coração
romântico e derretido como uma manteiga. O meu jeito duro e difícil é apenas
uma resistência aos flertes sem futuro. Como tenho o coração sensível, preservo
o meu coração justamente por isso. Não quero desgastar minhas energias com
frustrações amorosas. Tenho muitos objetivos profissionais a conquistar e
preciso da minha energia vital pronta.
─E você não pretende casar e me dar belos bisnetos?
─É claro que eu pretendo me casar, vovó, e te dar belos
bisnetos. Mas não agora. Quero me casar com alguém do meu ambiente
profissional. Um homem de sucesso com os mesmos dons profissionais e
habilidades intelectuais que eu. Não é nem na balada nem na igreja que quero
arranjar alguém, mas no meu ambiente profissional. Sinto que encontrarei alguém
especial na minha faculdade, em alguma biblioteca ou no meu futuro ambiente de
trabalho.
─Ah, como você é doida, Catarina! Deve ser muito chato
trabalhar com o marido várias horas por dia! Vocês não terão assuntos
diferentes para conversar quando chegarem em casa após o expediente. Ninguém
aguenta um homem vinte e quatro horas por dia. O bom é trabalhar num local
completamente diferente do seu marido, Catarina!
─Eu vou gostar de ter projetos profissionais em comum com
o meu, marido, vovó. Quero um homem ambicioso e idealista como eu.
─Ele vai se sentir inseguro ao lado de uma mulher bem
sucedida. Pode até ter inveja de seu sucesso.
─Só os fracos têm inveja do sucesso de sua companheira,
vovó. Os fortes cooperam, dão ânimo para a companheira, incentivam os seus
sonhos, crescem e enriquecem ao lado de suas esposas. Quero alguém que evolua
junto comigo. Estou disposta a fazer o mesmo e a ajudar na evolução não somente
profissional, mas também espiritual e pessoal de meu futuro marido.
─Tudo bem, Catarina. Você é teimosa demais e não aceita
conselhos mesmo. Faça de sua vida o que bem entender, mas não reclame da falta
de aconchego em noites frias depois.
─Está bem, vovó. ─Disse Catarina enquanto respirava
aliviada pelo assunto de namoro ter acabado por ali.
As pessoas começaram a entrar na Igreja em busca de
bancos. Catarina e Teresa, que estavam conversando de pé diante das portas
abertas da igreja, resolveram entrar lá também. Catarina ajoelhou-se enquanto
olhava para a grande cruz do altar, fechou os olhos e fez o sinal da santa
cruz. Depois, ela e sua avó se sentaram no segundo banco mais próximo do altar.
A missa começaria dentro de vinte minutos, e Catarina
ainda estava surpresa com o fato de ter chegado bem cedo à missa, tendo em
vista que costumava chegar atrasada aos lugares que frequentava.
Quando todos os fiéis católicos já estavam sentados em
seus respectivos bancos dentro da igreja, um rapaz alto com uma camiseta preta
de banda de rock entrou na igreja com óculos escuros. Ele caminhava com
elegância, e os músculos de seus braços se sobressaíam quando ele dava passos
mais largos. Seus longos cabelos castanhos escuros e lisos pareciam tão macios
como os de Catarina.
“Uau, que homem lindo. Jurava que não
ia paquerar ninguém dentro da igreja, mas deverei abrir esta belíssima exceção.
Amo rock e sempre admirei secretamente os roqueiros, mas pensava que a maioria
deles fosse rebelde e ateu. Um roqueiro cristão seria mais perfeito do que um
sonho.” ─Pensou
Catarina enquanto abria um sorriso largo e involuntário. Suas bochechas rosadas
ardiam ao pensar em como aquela possibilidade romântica contrastava com a sua
resistência e o seu pudor.
O rapaz sentou-se ao lado dela no segundo banco do lado
esquerda da igreja mais próximo do altar. Catarina mantinha o olhar fixo para
frente e evitava reparar no rapaz, mantendo uma postura séria e disfarçando o
nervosismo de seu coração acelerado.
─Oi. ─Disse o rapaz para Catarina enquanto tirava os
óculos. Seus grandes olhos escuros eram encantadores.
─Olá. Tudo bem?
─Tudo ótimo. Melhor agora que estou sentado perto de uma
moça tão bonita.
─É mesmo?─Indagou Catarina antes de soltar um riso
encabulado e cobrir a boca, um ato involuntário que fazia desde que colocou o
aparelho nos dentes. Ela não sabia como
responder àquele elogio.
─Não é todo dia que a gente vem à igreja e encontra uma
moça jovem e bonita. Fico feliz em ver pessoas jovens aqui. Estou acostumado a
ser o único homem jovem dentre as velhinhas fiéis. Quantos anos você tem?
─Eu tenho dezessete anos. ─Respondeu Catarina antes de
soltar uma risada pelo comentário dele a respeito da idade dos fiéis. “Amo rapazes bem humorados e que me fazem rir.”
─Pensou Catarina.
─E eu tenho dezoito anos. O que você faz? Já entrou em
alguma faculdade?
─Eu faço Direito. Estou cursando o primeiro semestre do
curso de Direito. E você?
─Eu faço filosofia. Estou estudando filosofia, mas
pretendo cursar psicologia e teologia futuramente também. Quero compreender a
alma humana, sabe? Ajudar as pessoas com o meu trabalho e talvez até mudar o
mundo com as minhas ideias. Tenho grandes ambições.
─Nossa! Você pensa grande como eu. ─Disse Catarina antes
de soltar um riso encabulado dentre as bochechas vermelhas.
A avó de Catarina ficou com um largo sorriso estampado na
face ao ver a neta conversar com um rapaz jovem e bonito na igreja. Ela
beliscou o braço da neta antes de dar uma pequena risada irônica. A mesma neta
tão teimosa e resistente ao amor parecia radiante diante daquele roqueiro.
─Ai!─Exclamou Catarina quando a avó beliscou a sua pele.
─Não me belisca, vovó, e para com este sorrisinho, por favor. ─Sussurrou
Catarina em tom bem baixinho de voz para o roqueiro não ouvir o que dizia para
a avó.
O rapaz olhava para Catarina com empolgação, e seus olhos
brilhavam todas as vezes que fitava os dela. A autoestima de Catarina subiu ao
perceber que ela era bonita e carismática aos olhos daquele roqueiro
encantador.
A missa seguiu normalmente e, no momento solene da liturgia
eucarística e rito da comunhão, o rapaz fechava os olhos e parecia alcançar uma
dimensão divina. Nos momentos em que os fiéis se ajoelhavam, Catarina percebeu
que o rapaz era o primeiro a se ajoelhar e o último a se levantar. Catarina
sentia-se desconfortável com os joelhos dobrados por muito tempo, por mais que
considerasse esse um dos momentos mais belos da missa, mas reparou que o rapaz
parecia confortável ajoelhado. Irônica e curiosamente, ela sempre era a
primeira a se levantar quando o padre permitia que os fiéis ficassem de pé.
A forma como ele rezava era encantadora. Quem diria que
aquele rapaz de camiseta preta com estampa de banda de rock tinha tanta fé?
Mais uma prova de que não devemos julgar pelas aparências. “Ele parece ser até
mais místico e concentrado na fé do que eu.” ─Pensou Catarina, que sempre era
considerada a mais mística em sua turma ou dentre seus amigos.
Catarina segurava um terço azul com a cruz prateada nas
mãos enquanto uma bíblia Ave Maria com capa cor-de-rosa dedicada às mulheres
estava aberta em seu colo. O rapaz, por sua vez, portava um terço marrom com
uma pequena cruz de madeira nas mãos e uma bíblia pequena e simples com a capa marrom
e as folhas amareladas e desgastadas. Ela também percebeu que um escapulário
simples feito de uma fina corda marrom estava em seu pescoço. O detalhe do
escapulário sobre a gola da camiseta preta de rock evidenciava um contraste
charmoso da fé cristã na alma de um roqueiro.
“Talvez ele seja franciscano. A simplicidade dele me
encanta.” ─Pensou Catarina enquanto reparava discretamente no rapaz. Catarina
não percebeu, mas já estava se apaixonando ou no mínimo atraída por ele, já que
cada detalhe do rapaz era motivo de encantamento. Quando a missa terminou, o
rapaz tocou o ombro esquerdo de Catarina, a qual sentiu um arrepio.
─Eu nem sei qual é o seu nome, moça linda.
─Meu nome é Catarina, e o seu?
─Eu me chamo Luís Rodolfo.
─Foi um prazer conhecê-lo, Luís Rodolfo.
─O prazer foi todo meu, Catarina. ─Disse Luís antes de
beijar a mão de Catarina em um gesto de cavalheirismo surpreendente. Catarina,
sempre sensível ao romantismo, abriu um largo sorriso enquanto os seus olhos
brilhavam tanto que chegavam a faiscar de felicidade.
─Você sempre frequenta a missa da tarde às quartas-feiras?
Espero encontrá-lo de novo na próxima semana, Luís.
─Sim, eu costumo vir à igreja toda a semana. Mas queria
encontrar você em um lugar diferente, onde a gente possa conversar melhor. Você
estará livre nesse fim de semana?
A garganta de Catarina fechou de nervoso, e o encantamento
romântico inicial passou. Ela tinha muito medo de namoro e não sabia o que
responder. Costumava negar flertes assim. Embora tivesse dificuldades em dizer
“não”, essa era a palavra que mais dizia aos rapazes.
─Talvez eu esteja. Ainda não sei. Semana que vem, as
provas na faculdade vão começar. Eu gosto de me preparar e revisar algumas
matérias no fim de semana.
─Você estuda até nos fins de semana?─Indagou o Luís com
uma risadinha no canto da boca. ─Será que não tem uma hora livre sequer no fim
de tarde da sexta-feira? Eu duvido disso, moça linda.
─Ah, a gente sempre dá um jeito para arranjar uma hora
livre na sexta-feira afinal de contas. ─Respondeu Catarina com um sorriso
tímido.
A moça engoliu em seco, olhou para baixo e ficou em
silêncio. Ela destetava ter de tomar decisões assim, como aceitar ou não sair
com um rapaz. Ela nunca havia tido um encontro antes.
“Acho que posso
abrir uma exceção para ele.” ─Catarina pensou antes de passar o seu nome
completo, com o seu sobrenome correto, que localizava as suas redes sociais e o
seu número de celular. Quando algum rapaz perguntava o sobrenome que ela usava
nas redes sociais para adicionar Catarina como amiga e conversar com ela no
bate-papo dessas redes, ela costumava passar um sobrenome falso para nunca ser
encontrada. Ela também nunca havia passado o número do celular para um rapaz
com indícios de interesse romântico antes. “Se ele me perturbar ou se mostrar
perigoso, eu posso bloqueá-lo.” ─Pensou Catarina que costumava achar qualquer
rapaz potencialmente perigoso.
─Onde posso marcar um encontro com você?
─Na lanchonete dessa quadra. ─Respondeu Catarina
rapidamente, considerando-se esperta por citar um local público próximo de sua
casa. Jamais se encontraria com um desconhecido em um local distante ou isento
de pessoas.
─Cinco e meia da tarde é um horário bom para você?
─É um horário ótimo.
─Então, te vejo lá na lanchonete sexta-feira, Catarina.
Até logo!
─Até logo, Luís Rodolfo!
Catarina chegou à sua casa angustiada por ter dito “sim”
ao rapaz da igreja. “Não seria melhor ter recusado esse encontrado?” ─Ela
indagava a si mesma de forma perturbada.
─Está vendo só, vovó Teresa, eu arranjei um encontro com
um rapaz da igreja como a senhora queria.
─Não sei se você fez bem em aceitar.
─Como assim? A senhora passa o tempo todo me incentivando
a namorar e agora acha que agi errado em aceitar um encontro com o rapaz da
igreja?
─Eu incentivo você a namorar, mas ele é um desconhecido
ainda, Catarina. Não é por ser da igreja que o caráter dele é necessariamente
bom. Não sabemos a índole dele. E se for um roqueiro rebelde e doido? E se ele
for um rapaz com más intenções?
─Ah! Eu não estou acreditando nisso, vovó! Primeiro, a
senhora me incentiva a namorar e agora quer me proteger desse rapaz!
─Você é muito inocente ainda, Catarina. Faltam a malícia e
a vivência em você. Você pode ser uma pessoa “estudada”, cheia de estudos, mas
não tem a experiência da vida nem as informações. Você nem se liga em notícias.
Não sabe o que acontece por aí no Brasil e no mundo. Você precisa assistir mais
à televisão como eu.
─Eu sei sim o que acontece no Brasil e no mundo. Leio nos
livros, nas revistas, nos jornais e nas notícias da internet. Não preciso de
televisão.
─Você não sabe dos horrores que acontecem com moças bonitas
da sua idade. Eu estou sempre ligada nos telejornais e nos programas do Datena
e da Sônia Abrão.
─Quais horrores são esses, vovó?
─Esses dias uma moça como você pegou um táxi e nunca mais
voltou para a casa. Foi estuprada e morta. É por essas e outras que você não
pode sair sozinha, Catarina!
─Ah! Mas eu vou sair sozinha sim. Que perigo a lanchonete
da quadra da igreja pode me oferecer? Vovó, eu vou completar dezoito anos em breve. Como
posso não ter liberdade na maioridade?
─Este rapaz pode ser perigoso. Pode te fazer entrar no
carro dele e te levar para um lugar distante. Se ele te convidar para um lugar
“confortável” após a lanchonete, você não aceita. Geralmente, eles levam a moça
para um motel. Você não pode sair da lanchonete em hipótese alguma.
─Vovó, desse jeito a senhora até me ofende. Jamais iria
para a cama com um rapaz num primeiro encontro. É um passeio inocente em uma
lanchonete às cinco e meia da tarde, entendeu?
─No mundo de hoje, não podemos confiar em mais ninguém.
Você deveria ter negado o encontro. Moça de família deve tornar a conquista
difícil. É bom e os rapazes valorizam bem mais. Além do mais, seria mais
conveniente encontrá-lo mais vezes dentro da igreja ao meu lado nas missas da
quarta-feira antes de marcar um encontro fora da igreja.
─Moça de família? Minha nossa, que expressão retrógrada!
Estamos no século dezenove ou no século vinte e um, vovó?
─Não importa o século, moça difícil sempre será moça de
valor.
─Eu sempre fui uma moça difícil, mas agora cansei. Abri
uma exceção para esse rapaz e aceitei o encontro. Quero inovar na minha vida sentimental,
arriscar mais, seguir o conselho da senhora em ser aberta para o amor. Desse
jeito, a senhora me deixa confusa! Ora, foi a senhora que me incentivou a
paquerar na igreja!
─Incentivei a paquerar, mas não a marcar um encontro com
um roqueiro cabeludo de camiseta preta e cara de doido. Que mania estranha você
tem de se sentir atraída por gente doida, Catarina!
─Não vi nada de errado com ele, vovó. Não vamos julgá-lo
pela aparência. Parece ser temente a Deus.
─Tem muita gente ruim que parece ser temente a Deus por
aí, Catarina!
Catarina não quis discutir com a sua avó e foi para o
quarto. Colocou um pijama confortável e pegou os fones de ouvido conectados ao
seu celular repleto de músicas que faziam sua alma sonhar acordada. A avó
morava junto com Catarina e dormia no quarto ao lado.
Catarina ouviu
quando a avó ligou a televisão para assistir ao telejornal das oito horas da
noite. A estudante nem quis saber de assistir à televisão naquela noite. Tudo o
que Catarina queria era fugir da realidade um pouco e ir para um lugar mais
seguro, belo e fantasista de sua imaginação vívida.
Quando o dia do encontro chegou, o coração de Catarina se
acelerava com o passar das horas. Ela olhava para o relógio inúmeras vezes
pensando que já estava perto das cinco e meia.
Após tomar um banho demorado, ela decidiu depilar as
pernas enquanto ouvia a sua playlist
de pop romântico no celular. Desconectou os fones do ouvido do celular de modo
que todos poderiam escutar as suas músicas em sua casa.
Sentou-se na sua cama de solteiro com as pernas dobradas e
colocou uma folha de cera fria na perna direita. Aumentou o som da música para
cantar na hora da depilação a fim de não doer tanto aquele momento. A primeira
música de sua playlist era “Like a Virgin” de Madonna.
─Like a virgin, touched for the very first
time. ─Cantava
Catarina com empolgação, já que era fã de Madonna.
Sua mãe passava pelo corredor quando ouviu a música vinda
do quarto da filha. “A tradução do que a minha filha canta faz esse encontro
ser muito suspeito. Será que Catarina terá sua primeira vez com este tal de
Luís? Não pode ser, tenho que impedir esse encontro de Catarina”. ─Pensou Mila,
a mãe de Catarina.
A mãe de Catarina começou a varrer o corredor com o
coração apertado de medo. Jamais havia deixado a filha se encontrar com um
rapaz antes. “Talvez essa música da Madonna não signifique alguma intenção
adicional. Ela sempre gostou de Madonna. Não posso cogitar quaisquer vínculos
entre a música e o encontro. Estou ficando doida de preocupação.” ─Pensou a mãe
enquanto varria a casa. Enquanto Catarina se depilava, outra música de sua playlist pop romântica começou a tocar:
tratava-se de 2 become 1 de Spice Girls.
─Free your mind of doubt and danger. Be for
real, don’t be a stranger. We can achieve it, we can achieve it. Come a little
bit closer, baby. Get it on. Get it on. ‘Cause tonight is the night when two
become one. ─Cantava
Catarina enquanto se depilava.
“Minha nossa, essa música das Spice Girls que a Catarina
está cantando tem forte conotação sexual. Preciso impedir este encontro.”
─Pensou a mãe enquanto batia na porta da filha.
─Pode entrar!─Exclamou Catarina.
─Catarina, o que a senhoria está pensando?
─Em nada. Estou me depilando, mamãe.
─Que músicas são essas, Catarina?
─Pop romântico internacional dos anos oitenta e noventa,
mamãe. Músicas bem melhores do que as brasileiras e as internacionais de hoje
em dia.
─Eu perguntei o que essas músicas querem dizer, Catarina!
Você faz inglês e deve saber muito bem o significado.
─Eu nem estava ligada à tradução, mamãe. Já cheguei num
estágio bom de inglês, onde não preciso ficar fazendo tradução simultânea com o
português na cabeça. A senhora sabe inglês também. Por que está me perguntado?
─Porque essas músicas falam do momento em que uma mulher
se entrega para um homem, Catarina. Você vai se entregar para esse cara?
─Ai! Meu Deus do céu, quanta implicância! Não posso mais
ouvir Madonna e Spice Girls agora?
─Catarina, pelo amor de Deus, você não vai se entregar a
um desconhecido, não é?
─Jamais, mamãe. Eu vou só comer um hambúrguer e tomar uma
Sprite na lanchonete. Nada além de uma boa conversa acompanhada de um lanche.
─Tudo bem. Eu confio em você. Vou te levar a este
encontro. Mas eu não confio nele. Não vou te deixar sozinha na quadra e voltar
para a casa. Eu e sua avó ficaremos dando voltas na quadra e visitando as lojas
ao redor da lanchonete enquanto você conversa com o Luís.
─Ah! Mamãe, assim não tem graça!
─Vai ser assim ou você vai cancelar este encontro.
─Tudo bem, mãe. Mas, por favor, não apareçam na lanchonete
no meio do encontro. Deixa que eu te mando uma mensagem quando terminar a
conversa com o Luís.
A mãe de Catarina suspirou aliviada antes de voltar a
arrumar a casa enquanto a filha decidiu mudar a playlist. “Coloquei músicas leves para respeitar a minha casa, já que elas não
gostam de rock e rock pesado. Aproveitei o clima romântico para ouvir aquele
antigo pop que eu amo, mas a mamãe implicou com as letras. Ouvirei rock agora.”
─Pensou Catarina.
Catarina colocou uma playlist
com músicas da banda Paramore,
Metallica, Guns N’ Roses, Nirvana, Nickelbak, Bon Jovi, Angra, Avantasia,
Cradle Of Filth, Nightwish, Evanescence, Within Temptation e etc. Ela ouviu “I
Disappear” do Metallica com empolgação.
─Hey, hey,
hey, here I go now, here I go into new days. I’m pain, I’m hope, I’m suffer. ─Cantava Catarina com empolgação.
Depois de se depilar, Catarina colocou um vestido azul com
estampa xadrez e um sapato cor-de-rosa claro de salto alto. Adornou-se com
acessórios charmosos: um colar prateado com um pingente delicado, brincos
pequeninos e anéis coloridos delicados. Aplicou em seu rosto uma maquiagem leve
e natural que destacava os seus grandes olhos e longos cílios. Em suas
bochechas, passou um pouquinho de pó de blush cor-de-rosa.
A dúvida pairou na hora de escolher de batom: “Será que eu vou beijar hoje? Qual é o batom
mais adequado para beijar?” Embora fosse fã de batons com cores fortes,
como o roxo, e batons líquidos, Catarina resolveu aplicar o batom seco mais
leve de seu estojo de maquiagem. Tratava-se de um batom rosa claro de longa
duração. “Acho que esse batom não deixa marcas e não borra.” ─Pensou
Catarina.
Quando chegou a hora de ir à lanchonete, Catarina pegou a
sua bolsa de couro preta com sua carteira e o seu celular. Sua mãe estava bem
arrumada e elegante (Catarina admirava o modo como a mãe se transformava de
gata borralheira varrendo a casa na Cinderela mais elegante do mundo). “Sorte a
minha ter uma mãe jovem e bonita, pois, se ela aparecer na lanchonete, eu posso
dizer que ela é minha irmã e não pagar tanto mico.” ─Catarina pensou
rapidamente. Dona Mila vestia uma calça social marrom e uma blusa de cetim
preta além de calçar botas pretas de couro. A mãe também usava uma bela
maquiagem e brincos grandes como sempre.
Antes de sair de casa, Catarina passou pela sala e
sentiu-se tímida diante do seu pai. O pai estava sentado no sofá enquanto
escrevia em seu notebook. Ele ergueu os olhos para Catarina com preocupação.
─Se cuida, Catarina!─Exclamou o pai, fazendo Catarina se sentir
encabulado pelo fato de o pai saber que ela estava indo se encontrar com um
rapaz.
Mesmo a lanchonete sendo perto da casa de Catarina, na
mesma quadra da igreja, ou seja, a duas quadras de distância de seu lar, a mãe
resolveu levar Catarina de carro ao encontro com Luís. O carro seria mais
cômodo, já que Catarina e sua mãe usavam salto alto e a avó costumava se cansar
indo a pé aos locais por mais que dissesse o contrário.
A mãe de Catarina estacionou o carro bem próximo da
lanchonete, e elas conseguiam avistar as costas do Luís e o cabelo comprido do
rapaz, que estava sentado em uma das mesas enquanto aguardava a moça. Como de
costume, Catarina havia chegado cinco minutos atrasada ao local. Dentro do
carro de vidros escuros, elas não eram vistas pelos transeuntes da quadra. No
banco do automóvel, a mãe de Catarina resolveu dar mais alguns avisos.
─Catarina, você se cuida nesse encontro! Nada de ir para
lugares mais “confortáveis” depois da lanchonete, entendeu, mocinha?
─Sim, mãe. Pode deixar.
─Eu e sua avó não vamos voltar para a casa. Nós vamos
passear nessa quadra enquanto você lancha por aqui. Qualquer coisa você me
liga. Prende o grito. Me chama que eu venho na hora.
─Pode deixar. ─Respondeu Catarina, revirando os olhos
pelos avisos chatos e suspirando densamente.
─Está com o celular ligado? O volume do celular está alto?
Olha, você tem mania de deixar o celular no silencioso.
─Está tudo certo com o volume do meu celular, mãe. Fique
tranquila que eu estarei atenta. Meu celular está ligado e ele costuma vibrar
também. Estarei com a bolsa no colo.
─Então, pode descer do carro filha. ─Disse a mãe
enquanto fazia o sinal da santa cruz na testa de Catarina. Conto escrito por Tatyana Casarino
***Confira a segunda parte do Conto:
https://tatycasarino.blogspot.com/2018/07/conto-de-humor-o-primeiro-encontro-de_14.html
**Traduções das músicas citadas na postagem:
https://www.letras.mus.br/spice-girls/11/traducao.html
https://www.letras.mus.br/madonna/69103/traducao.html
https://www.letras.mus.br/metallica/25915/traducao.html
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