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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

10 Heróis de Independência pouco conhecidos – Parte 3

 

10 Heróis de Independência pouco conhecidos – Parte 3.

 

Ao redor do mundo, diversos heróis lutaram pela independência dos seus países. Contudo, nem sempre a História proporciona o destaque que cada um merece.

Quando estudamos História no colégio, costumamos ver uma perspectiva clássica sobre os eventos que não abrange a totalidade dos acontecimentos. Pensando nisso, o nosso colunista Mateus, grande estudioso da História Mundial, escreveu um artigo para ilustrar a caminhada de 10 heróis da independência em todo o mundo.

Para comemorar a independência do Brasil no dia 7 de Setembro, o nosso colunista apresenta grandes curiosidades da História Mundial quando o assunto é independência. Boa leitura!

 

1-Tômiris.

 



 

Evento: Invasão do Império Persa ao território dos Masságetas (530 AC).

 

        Nossa primeira integrante na lista foi uma princesa cuja existência divide-se entre a história e as lendas. Com exceção do relato da última derrota de Ciro da Pérsia, pouco se sabe a respeito de Tômiris, que liderou uma confederação de nômades e pastores contra o grande Shahanshah (“Rei dos Reis”) e seus guerreiros até então invictos.

        Os Masságetas não compunham unidade política, fazendo parte de uma confederação que se estendia no litoral do Mar Cáspio, e quase sempre havia disputas violentas entre as tribos. Isso mudaria com a chegada dos persas à Ásia Central, e nas primeiras batalhas os soldados de Ciro levaram vantagem. O filho de Tômiris foi capturado e decapitado em uma emboscada, o que acendeu a fúria da princesa guerreira.

 



 

 

        Após enviar uma carta ameaçadora a Ciro, Tômiris reorganizou as tribos nômades dispersas e partiu para a vingança. Os persas foram cercados pelos Masságetas e Tômiris cortou a cabeça do assassino de seu filho, tornando-a um símbolo de seu poder. Alguns relatos afirmam que a princesa nômade se “casou” com a cabeça decapitada, possivelmente como forma de humilhar o adversário derrotado.

        A veracidade da história de Tômiris e a última batalha de Ciro da Pérsia não foi confirmada até hoje, pois as fontes à nossa disposição vieram dos gregos, tradicionais inimigos dos persas. Isso não impediu a ascensão de Tômiris no imaginário popular, especialmente entre os artistas do Renascimento europeu. Nos países da Ásia Central, Tômiris até hoje é um nome popular entre as meninas.

 

2-Maysara Al-Matghari.

 



 

 

Evento: Grande Revolta Berbere (739-743).

 

        Nossa lista agora segue rumo ao noroeste da África, numa região conhecida como Magrebe, abrangendo os atuais países do Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia. Ali veremos a primeira revolta bem sucedida contra o Califado Islâmico, levada a cabo por um líder berbere que encontraria um triste final nas mãos dos mesmos guerreiros que liderava na luta pela independência de seu povo.

        A vida pregressa de Maysara Al-Matghari é um mistério, e sequer existem retratos dele, mas sabe-se que seu nome original era Maysara Amteghri. Diversos relatos divulgados pelos inimigos de Maysara afirmavam que ele trabalhou durante muitos anos como carregador de água na cidade de Tangier, no atual Marrocos. Na verdade, Maysara era um líder respeitado em sua região, sendo o primeiro berbere a mandar uma requisição ao Califado.

        As reclamações enviadas por Maysara eram contundentes: os berberes viviam como cidadãos de segunda classe sob o Califado, pagando taxas e impostos não condizentes com a lei islâmica, além de serem preteridos no serviço público. A participação decisiva de guerreiros berberes na conquista da Península Ibérica não demoveu o desprezo dos árabes, e o ressentimento fez aflorar ramos mais radicais do Islã no Magrebe, especialmente após um aumento nos tributos ocorridos depois da derrota islâmica em Poitiers, na França.

 



       

       Em 739, diversos clãs berberes se rebelaram contra as imposições árabes, escolhendo Maysara como seu líder. Os primeiros movimentos de Maysara foram cautelosos, devido ao tamanho do exército árabe na região, e apenas em 740 ele partiu para a ofensiva, adotando o título de Amir Al-Munimin (“Protetor da Fé”). Após a vitória na batalha de Tangier, Maysara declarou a si próprio Califa; tratava-se de uma provocação aos árabes, que jamais aceitariam um Califa alheio à sucessão do Profeta Maomé.

        A sorte de Maysara mudou radicalmente após uma série de batalhas sem resultado definido contra os árabes, ao lado da ascensão de líderes mais carismáticos e críticos em relação às táticas cautelosas do “Protetor da Fé”. Em 740, Maysara foi deposto e executado pelos líderes de outras tribos berberes, e estes escolheram Khalid ibn Hamid Al-Zanati para assumir a liderança da revolta.

        Os berberes imporiam novas derrotas aos árabes sob o comando de Khalid, mas não seriam capazes de expulsá-los da Tunísia, que serviria de fronteira entre os dois povos. Após 741, Khalid desapareceu de vista, e os clãs berberes estabeleceram seus próprios reinos no Magrebe, nunca mais se submetendo aos desígnios de califas árabes. Considera-se que a Grande Revolta Berbere foi o começo da independência do Marrocos, que seria unificado sob a Dinastia Idríssida em 788.

 

 

3-Bertrand du Gesclin.

 



 

Evento: Guerra Sucessória da Bretanha (1341-1364); Primeira Guerra Fernandina (1369-1370); Segunda fase da Guerra dos Cem Anos (1369-1389).

 

        Quando se fala no maior conflito da história medieval, a primeira figura histórica a surgir na imaginação popular é Joana D’Arc, a jovem guerreira que conclamou os franceses na expulsão dos ingleses. Pouco se fala de outro líder que provou seu valor contra os invasores, justamente por adotar um método de luta nada cavalheiresco, que hoje seria associado às guerrilhas modernas.

        Bertrand du Gesclin nasceu em 1320 na Bretanha (não confundir com a ilha da Grã-Bretanha), um ducado autônomo nominalmente sob o domínio do Rei da França. Sua família vinha da nobreza menor (“Petite Noblesse”, em francês), o que serviu para tornar o jovem Bertrand empenhado em levantar o status de seu sangue, preferencialmente pela carreira perigosa das armas.

        Suas primeiras batalhas ocorreram em 1341, durante uma violenta guerra sucessória na Bretanha, e Bertrand enfrentou cavaleiros ingleses no conflito. A morte do sucessor apoiado pela facção pró-francesa levou ao subsequente domínio inglês sobre o ducado, o que alimentou o ressentimento de Bertrand contra os invasores.

        Em 1366, Bertrand tornou-se vassalo do rei francês Carlos V, e teve de lidar com inúmeras “companhias livres” vindas da Península Ibérica que saqueavam o sul da França. Usando de muita diplomacia, Bertrand convenceu os cavaleiros ibéricos a segui-lo e a lutar por Henrique de Trastâmara na luta sucessória contra Pedro I de Castela. A empreitada foi um sucesso, e Castela tornou-se aliada dos franceses.

 



       

         A guerra franco-inglesa retornou com força total em 1369, e Bertrand foi nomeado Condestável da França por Carlos V, a despeito de sua origem na baixa nobreza. Na prática, Bertrand agora era o comandante-em-chefe das tropas francesas, mas isso não motivou os nobres a seguirem um bretão em batalha; Bertrand viu-se obrigado a recrutar muitos soldados entre o campesinato para reforçar suas linhas.

        Para contornar as inúmeras vantagens dos ingleses, Bertrand não dava descanso ao inimigo, evitando batalhas em lugares abertos e fazendo emboscadas sempre que possível. Desejando vingar a devastação ocorrida na Bretanha e no norte da França, Bertrand organizou frotas de navios com o objetivo de saquear cidades inglesas no sul da ilha.

        Bertrand du Gesclin morreria em 1380, de uma doença desconhecida. Boa parte da França foi recuperada graças às suas vitórias, mas infelizmente quase tudo seria perdido nos anos seguintes, com a passagem do rei Henry V da Inglaterra pela região. Após 1429, chegaria a vez de Joana D’Arc honrar o legado de Gesclin, travando batalhas nos mesmos lugares por onde passou o irascível e vingativo líder bretão.

        Ironicamente, Bertrand du Gesclin é mais adorado no resto da França moderna do que na província onde nasceu. Devido à sua lealdade ao rei francês, os separatistas bretões veem Bertrand como um “traidor” da causa independentista. Duas estátuas do herói sofreram ataques de vândalos, em 1941 e em 1977.

 

4-Pachacuti.

 



 

Evento: Guerra Inca-Chanca (1440); Conversão do Reino de Cuzco no Império Inca.

 

        Nosso próximo personagem começou sua carreira defendendo um reino minúsculo encravado entre as montanhas andinas, e mais tarde criou um império formidável. Esse jovem príncipe nasceu com o nome de Cusi Yupanqui, mas adotou um título bem condizente após suas primeiras vitórias: Pachacuti, “O Reformador do Mundo” ou então “Aquele que faz o Mundo tremer”.

        Cusi Yupanqui foi o segundo filho de Viracocha, e o trono de Cuzco deveria passar ao seu irmão mais velho, Urco. No entanto, a linha sucessória seria alterada com uma invasão dos Chancas, um povo violento que vivia ao oeste de Cuzco: Viracocha abandonou a cidade e fugiu ao leste com seu herdeiro. Cusi Yupanqui decide ficar e lutar, arregimentando aliados entre os incas indignados com a covardia do rei.

        A batalha decisiva entre os Incas e os Chancas ocorreu em 1440, e os defensores de Cuzco saíram vencedores. Mais tarde, Cusi Yupanqui teve de lidar com seu irmão invejoso, que invadiu o reino com a ajuda de sua guarda pessoal. Urco morreu com uma pedrada no olho, e Viracocha nunca mais voltou a Cuzco.

        Os incas possuíam uma ideologia imperialista anterior à guerra contra os Chancas, mas Cusi Yupanqui levaria essa doutrina ao limite. Adotando o nome de Pachacuti, o nono rei de Cuzco e primeiro imperador Inca partiu para o ataque, anexando inúmeros reinos e cidades-estados ao Tawantisuyo (como os incas chamavam seu império). Por onde passava, Pachacuti construía obras monumentais de infraestrutura, como pontes, armazéns, silos, fortalezas e reservatórios, além de templos ao Deus Sol Inti.

 





       

 

        Boa parte da expansão do Tawantisuyo não ocorreu sob o comando de Pachacuti, e sim de seu filho, Tupac Yupanqui. Sob o reinado de seu rígido pai, Tupac Yupanqui liderou expedições que conquistaram todo o oeste dos atuais países do Peru e Equador. Vendo-se livre das funções militares, Pachacuti se encarregou da base administrativa, econômica e religiosa do império crescente.

        Pachacuti morreu em 1471 e Tupac Yupanqui o sucedeu no trono, expandindo o império sobre o oeste da Bolívia, o noroeste da Argentina e metade do Chile. O Tawantisuyo sobreviveria mais alguns anos, mas entraria em declínio com uma guerra sucessória entre irmãos, bem parecida com a luta entre os filhos de Viracocha. A chegada dos espanhóis seria apenas o ponto final na decadência inca.

        O legado do primeiro imperador dos incas foi interpretado de muitas formas: no Peru ele é visto como um proto-herói nacional, especialmente entre os indígenas que falam o idioma Quéchua. Os povos Aimarás da Bolívia, os Mapuches do Chile e os Kañaris do Equador, por sua vez, enxergam Pachacuti como um déspota imperialista, responsável pela destruição e subjugação de outras etnias.

 

5-Sonni Ali Ber.

 



 

 

Evento: Estabelecimento do Império Songhai (1464-1492).

 

        Voltamos à África, onde encontraremos outro monarca encarregado de defender seu pequeno reino, para mais tarde convertê-lo em um grandioso império. Embora fosse insignificante perto dos reinos vizinhos, Songhai era uma nação valente: Durante um século eles resistiram ao avanço do Império Mali ao oeste, e também às incursões de nômades tuaregues vindos do Deserto do Saara.

        Sonni Ali era o décimo-quinto rei de Songhai, e subiu ao trono tendo de lidar com a ameaça tuaregue, mas uma novidade surgiu nas fronteiras: O Império Mali entrou em um ciclo interminável de decadência, revoltas e crises sucessórias. Inúmeras localidades estavam à mercê dos tuaregues e saqueadores vindos de diversas regiões, abrindo possibilidades a quem pudesse proteger a área.

        Estabelecendo a cidade de Gao como sua capital, Sonni Ali partiu para o contra-ataque sobre os antigos rivais, conquistando cidades importantes como Timbuktu e Djenné. Ao mesmo tempo, as tropas de Songhai defendiam as novas aquisições contra os tuaregues, angariando a simpatia da população desamparada e aterrorizada.

        Para cobrir uma área crescente, Sonni Ali estabeleceu uma frota fluvial no Rio Níger, criando a primeira força naval permanente no continente africano, desde o Antigo Egito. Outros inimigos surgiram no horizonte, como as tribos Mossi do atual Burkina Faso e os Dogons, vindos do norte do Mali. Sonni Ali e seus guerreiros derrotaram esses desafios, e o monarca Songhai adicionou um Ber (“O Grande”) ao seu título.

 



 

 

        As maiores fontes que temos à disposição sobre Sonni Ali Ber vieram de autores muçulmanos do Magrebe, e devem ser vistas com cautela, devido à antipatia dos árabes e berberes em relação ao líder Songhai, visto por eles como um tirano impiedoso. Boa parte do desapreço deve-se à religião seguida pelo monarca, que combinava o Islã com tradições locais africanas, vistas como “heresia” pelo clero tradicional.

        Sonni Ali Ber faleceu em 1492, em circunstâncias misteriosas, quase todas apontando para um afogamento no Rio Níger. O sucessor do líder Songhai foi seu filho mais velho, Sonni Baru, que nem chegou a esquentar o trono, pois foi derrubado por Askia Muhammad, um general de confiança de seu pai. Ironicamente, Askia Muhammad seria destronado pelo próprio filho, em 1528.

        Sob o reinado de Askia e seus sucessores, o Império Songhai se tornaria o maior estado nativo da África pré-colonial, estendendo-se sobre os territórios dos atuais países do Mali, Níger, Burkina Faso, Senegal, Guiné, Gâmbia e noroeste da Nigéria. O Império Songhai seria destruído em 1591 por tropas vindas do Marrocos, e nenhum estado do oeste africano alcançaria o poderio e extensão de Songhai.

 

6-Lapu-Lapu.

 



 

Evento: Batalha de Mactan (1521).

 

        Na primeira edição das listas de Heróis de Independência pouco Conhecidos publicada em 2020, nós falamos do primeiro presidente das Filipinas, Emílio Aguinaldo. Chegou a hora de comentar outro personagem histórico do país asiático, considerado um proto-herói nacional por ter derrotado uma força militar vinda da Espanha, liderada por outra figura importante na história mundial.

        Não se sabe muito a respeito de Lapu-Lapu, um rei da ilha de Mactan que teria nascido em 1491, quando os ibéricos iniciaram a expansão europeia ao redor do globo. A vida de Lapu-Lapu encontra-se envolta em inúmeras lendas, com lutas ferozes contra piratas chineses e muçulmanos, ao lado da ameaça constante de um poder vizinho a Mactan, chamado Reino de Cebu. Com o passar dos anos, Lapu-Lapu tornou-se ele próprio um “rei pirata”, em resposta aos ataques de Cebu.

        A primeira frota espanhola a alcançar as atuais Filipinas era liderada por ninguém menos que Fernão de Magalhães, um navegador português a serviço da Espanha, empenhado em fazer a primeira circunavegação do globo terrestre. Fernão e seus homens aliaram-se ao Rajá Humabon de Cebu, e ofereceram serviços ao monarca; Humabon decidiu que aqueles homens estranhos poderiam lhe ser úteis em acabar com Mactan.

 





       

 

        Fernão de Magalhães ofereceu a Lapu-Lapu três chances para se submeter como vassalo a Cebu, e todas as propostas foram recusadas. Em 1521, os espanhóis e cebuanos atacaram Mactan, acreditando que a superioridade de suas armas de fogo bastaria para submeter os mactaneses. A batalha durou uma hora e meia, e Fernão de Magalhães estava entre os caídos.

        Apesar de ser uma refrega de pequeno tamanho, a Batalha de Mactan resultou em acontecimentos interessantes: Os espanhóis saíram o quanto antes da região sob o comando de Juan Elcano, imediato de Fernão de Magalhães e responsável por finalizar a viagem de circunavegação em 1522. A colonização espanhola das ilhas apenas ocorreria em 1564, sob a liderança de Miguel Legazpi.

        O destino de Lapu-Lapu continua uma incógnita, mas sabe-se que ele foi sucedido no trono de Mactan por Mangubat, um mactano da qual não se sabe o laço de parentesco em relação ao defensor da ilha. Alguns nativos acreditam que Lapu-Lapu decidiu viver isolado nas montanhas de Mactan, como se aproveitasse um longo “período sabático” após a vitória contra os forasteiros.

        Nas Filipinas modernas, Lapu-Lapu é amplamente adorado, além de servir de símbolo da Polícia Nacional. Curiosamente, Fernão de Magalhães também é celebrado entre os filipinos por trazer o catolicismo ao arquipélago, tornando as Filipinas o único país asiático de maioria católica, até hoje.

 

7-Matias de Albuquerque.

 



 

Eventos: Primeiras Invasões Holandesas ao Brasil (1624-1625); Guerra da Restauração em Portugal (1640-1668).

 

        Nosso próximo herói nasceu no Estado do Brasil, então uma extensão do Império Português, e lutou para defender seu chão e sua metrópole. Embora tivesse inicialmente fracassado em suas empreitadas brasileiras, Matias de Albuquerque obteve sucesso na defesa de Portugal, tornando-se um herói entre dois continentes.

        Matias de Albuquerque nasceu em 1580 em Olinda, e foi governador da Capitania de Pernambuco, logo no início da chamada União Ibérica (1580-1640), quando Portugal esteve sob o domínio espanhol. Após a captura do Governador-Geral Diogo de Mendonça Furtado pelos holandeses, Matias teve de tomar para si a posição dele, tornando-se o 13º Governador-Geral do Brasil, e também o primeiro nativo a assumir esse cargo; todos os seus antecessores nasceram em Portugal.

        Devido à necessidade de expulsar os invasores, Matias nomeou um sucessor no Governo-Geral em 1625 e dedicou-se à luta de guerrilha, conhecida então como “Guerra Brasílica”. O sucessor de Matias foi outro brasileiro nascido em Olinda, chamado Francisco de Moura Rolim, e enquanto seu antecessor concentrava-se na luta terrestre, Rolim liderava frotas de caravelas contra os holandeses.

        O período de 1629 até 1634 foi o mais duro da vida de Matias de Albuquerque: apesar das vitórias no interior, as forças luso-brasileiras não conseguiam expulsar os holandeses em caráter definitivo, obrigando os defensores a agirem com violência crescente e recursos escassos. Olinda foi perdida aos holandeses em 1632, e boa parte da cidade foi incendiada pelos invasores e pelos defensores.

 



       

 

           Um dos feitos de Matias de Albuquerque nesse período foi a captura e execução de Domingos Fernandes Calabar, um senhor de engenho que ajudou os holandeses nas primeiras invasões, visto até hoje como símbolo de traição no Nordeste brasileiro. Ao executar Calabar, Matias vingou a queda de Olinda, ocorrida em boa parte devido à deslealdade deste. Vendo-se sem alternativa diante do poderio adversário, Matias conduziu uma retirada de 8000 pessoas até Alagoas, valendo-lhe o apelido de “Moisés Pernambucano”.

        Em 1635, o líder luso-brasileiro foi convocado a se apresentar na corte lisboeta. Devido às imensas perdas nos territórios coloniais em Pernambuco, Matias de Albuquerque foi preso no Castelo de São Jorge. O ex-Governador-Geral do Brasil seria liberado apenas cinco anos depois, com a restauração da monarquia portuguesa sob o rei João IV, o primeiro monarca da Dinastia Bragança.

        Portugal ainda corria riscos nas fronteiras com a Espanha, e João IV necessitava de comandantes experientes. Matias de Albuquerque assumiu a região do Alentejo, obtendo uma vitória avassaladora contra os espanhóis na Batalha do Montijo, em 1644. Apesar de muitos embates ocorrerem entre ambos os países ibéricos até 1668, pode se afirmar que em Montijo foi quebrada a ameaça de uma nova dominação espanhola sobre Portugal.

        Matias de Albuquerque foi recompensado com o título de Conde de Alegrete, sendo o único detentor dessa nomeação. O herói brasileiro da Batalha de Montijo faleceu doente aos 52 anos em 1647, sem conseguir ver Pernambuco libertado dos holandeses. Apenas em 1654 os invasores sairiam do Brasil, em boa parte devido às táticas ligeiras de Matias, que seriam imitadas por outros heróis da Insurreição Pernambucana.

 

8-Mirwais Hotak.

 



 

Eventos: Fundação do Afeganistão (1709).

 

        Nossa próxima parada é o centro da Ásia, uma região disputada por diversos impérios e religiões. No início do Século XVIII, o sul do atual Afeganistão encontrava-se sob o domínio do Império Persa da Dinastia Safávida, mas isto mudaria com a ascensão de um líder tribal conhecido como Mirwais Hotak, até hoje chamado Mirwais Baba (“Mirwais, o Pai”) pelo aguerrido povo do Afeganistão.

        Mirwais nasceu em 1673 na cidade de Kandahar, então uma província periférica dentro do imenso Império Safávida. Sua mãe era Nazo Tokhi, uma poetisa até hoje venerada no Afeganistão, e diversas lendas são contadas sobre ela, afirmando que Nazo tinha sonhos recorrentes com líderes tribais do passado. Os fantasmas dos sonhos ordenavam a jovem poetisa a cuidar bem de seu filho, pois um destino grandioso o aguardava.

        A carreira inicial de Mirwais dividia-se entre servir de líder do clã afegão Hotaki e prestar contas à corte persa em Isfahan, na condição de governador de Kandahar. Nessa época ele realizou a peregrinação até Meca, que todo muçulmano deve fazer ao menos uma vez na vida, e a viagem abriu horizontes para ele. Mirwais percebeu também que inúmeras etnias sob os Safávidas se ressentiam da imposição do islamismo xiita em detrimento da doutrina sunita, adotada pelos afegãos da província de Kandahar.

        Percebendo a oportunidade em mãos, Mirwais organizou milícias em 1709 e atacou guarnições imperiais. Kandahar caiu após a morte de Gurgin Khan, o governador substituto enviado pela corte à região. Após a vitória, Mirwais fez um discurso inflamado, afirmando que todo afegão que não desejasse lutar na rebelião poderia sair da cidade sem sofrer nenhuma represália e “procurar outro tirano de sua preferência”.




 


        Os anos seguintes foram marcados pela resistência dos afegãos contra os persas e seus aliados, com triunfos decisivos do lado rebelde, e cada vitória trazia mais nativos para o esforço de guerra. Mirwais atuava como o líder incontestável de Kandahar e nos territórios libertos do domínio persa, mas nunca se autoproclamou rei, preferindo o título de Wakil (“Governador” ou “Regente”); isso não impediu seus homens de chamá-lo de “Príncipe de Kandahar” e “General das Tropas Nacionais”.

        A morte súbita de Mirwais em 1715 foi um golpe terrível na rebelião, e o comando dos afegãos recaiu sobre seu irmão, Abdul Aziz. O filho de Mirwais, chamado Mahmud, mataria o próprio tio após ouvir boatos de que Abdul negociaria uma paz desvantajosa com os persas, abdicando da independência do Afeganistão. Em 1717, Mahmud aproveitou-se da crescente fraqueza dos Safávidas para arrancar províncias do Império Persa, e em 1722 ele invadiu a Isfahan, tornando-se rei do Afeganistão e Shah (“Rei”) da Pérsia ao mesmo tempo.

        O Império Afegão da Dinastia Hotak não duraria muito tempo: em 1729, os persas recuperariam sua força sob o rígido general Nader Shah, e os afegãos mais uma vez ficaram sob o domínio dos antigos rivais. A independência do Afeganistão voltaria em 1747, devido à fraqueza dos persas e sob o comando de outro líder de Kandahar, chamado Ahmad Shah Durrani, um grande admirador do legado de Mirwais Hotak.

 

9-Ignacio Zaragoza.

 



 

Evento: Revolução de Ayutla (1854-1855); Guerra da Reforma (1858-1861); Segunda Intervenção Francesa no México (1861-1867).

 

        Seguiremos ao México do Século XIX, uma nação jovem e castigada por inúmeros conflitos internos e invasões estrangeiras. Nosso próximo herói foi um general que liderou os mexicanos em uma vitória espetacular contra o mais poderoso exército do mundo na época, contando com menos homens e armas.

        Ignacio Zaragoza nasceu em 1829 onde hoje é o Texas, quando este território ainda fazia parte do México. Em 1844, sua família se mudou para a cidade de Monterrey, e o jovem Ignacio decidiu que seria seminarista ou militar, não obtendo sucesso em suas primeiras empreitadas. Ainda menino ele tentou se juntar ao exército mexicano na guerra contra os Estados Unidos, mas foi rechaçado por razões desconhecidas.

        O batismo de armas de Ignacio Zaragoza ocorreria em 1853, com a chamada Revolução de Ayutla, onde ele se juntou aos Chinacos, um termo usado para os guerrilheiros rurais de tendência liberal. Os rebeldes conseguiram derrubar o ditador Antonio Lopez de Santa Anna, e estabeleceram uma assembleia constituinte em 1857. Dois anos depois, Ignacio Zaragoza foi promovido a general de brigada.

        Não demorou até o México se banhar em sangue, mais uma vez: em 1860 começou a chamada Guerra da Reforma entre liberais e conservadores. Sob as ordens do presidente liberal Benito Juarez, Ignacio serviu como ministro de guerra, e a vitória apenas foi possível depois de três anos, quando um adversário ainda mais poderoso surgiu no horizonte: o Segundo Império Francês de Napoleão III (falamos deste sinistro imperador na lista dos 10 Governantes Tirânicos que dariam Bons Vilões da Literatura).

        A França já havia realizado uma intervenção militar no México em 1838, em um evento conhecido como “Guerra dos Pastéis”, com o objetivo de cobrar dívidas atrasadas do país americano. Agora os europeus retornavam com um objetivo bem diferente: estabelecer um império na figura de um primo distante de Napoleão III, chamado Maximiliano da Áustria, com o apoio dos conservadores mexicanos. Maximiliano se esforçava em atender aos anseios dos mexicanos, mas na prática a nação tornava-se um protetorado francês.

 



       

        Os movimentos iniciais foram vantajosos aos franceses e seus aliados, e as forças mexicanas republicanas viram-se obrigadas a recuar ao oeste, rumo à cidade de Puebla. Ignacio percebeu o desânimo crescente entre os defensores, muitos deles ainda remoendo as derrotas humilhantes sofridas pelo país no passado. No mesmo ano, o general travava uma luta pessoal contra a tristeza e a desesperança, pois sua esposa morreu de pneumonia em janeiro, aos vinte e cinco anos.

        Em cinco de maio de 1862, seis mil franceses, espanhóis e mercenários ingleses se aproximaram de Puebla, contra apenas dois mil patriotas mexicanos sob a liderança firme de Zaragoza. A batalha pela cidade ocorreria sob uma chuva torrencial, favorecendo a defesa, e a cavalaria mexicana quebrou as linhas francesas, obrigando-os a recuarem. O telegrama de reporte enviado por Ignacio a Benito Juarez continha apenas essa frase: “As Armas Nacionais se cobriram de Glória”.

        Ignacio Zaragoza não viveria muito tempo após o triunfo, a primeira vitória mexicana em uma luta duríssima: em setembro de 1862, o general morreu de tifo aos 33 anos. José Maria Zaragoza, irmão mais novo de Ignacio, seguiria até o final da luta contra os invasores em 1867, falecendo em 1876. Nesse mesmo ano, outro vencedor da Batalha de Puebla chamado Porfirio Diaz se tornou presidente do México, dominando a política do país até eclodir a Revolução Mexicana (1910-1917).

        Embora não fosse o evento mais decisivo do conflito, a Batalha de Puebla até hoje é o mais celebrado no México, e também fora dele: em diversos países com minorias mexicanas expressivas, o Cinco de Maio é observado todos os anos como o Dia da Herança Latina, com destaque aos Estados Unidos. Nessa data, os jovens mexicanos também são convocados para prestar o Serviço Militar.

 

10-Joachim Ronneberg.

 



 

Evento: Resistência Norueguesa contra a Ocupação Alemã (1941-1944).

 

        Nosso último personagem foi um norueguês que lutou pela liberdade de sua pátria contra os nazistas, e também salvou o mundo de um holocausto nuclear numa operação de sabotagem. Nascido em 1919, Joachim Ronneberg fazia parte de uma família influente na cidade de Alesund, e em 1938 prestou serviço nacional, juntando-se ao corpo de inspeção dois anos depois. Nada preparou o rapaz e seu gelado país para a Segunda Guerra Mundial.

        Em 1940, a Alemanha invadiu a Noruega, e o país nórdico viu-se submetido a um regime títere de Hitler, na figura sinistra do ministro Vikdun Quisling. Apesar da derrota humilhante em 1941, a família real norueguesa foi evacuada a tempo, e inúmeros soldados, aviadores e marinheiros desse país se organizaram em companhias independentes, quase todas sob a orientação dos britânicos. Joachim fazia parte da Companhia Norueguesa Independente Número Um.

        Na condição de Primeiro-Tenente, Joachim foi encarregado de treinar um grupo tático de forças especiais para mover uma ação de sabotagem na Noruega, com o objetivo de impedir o uso de um reator nuclear pelos alemães. Apenas seis homens acompanhariam Joachim na operação, e eles foram lançados de paraquedas sobre uma montanha chamada Hardangervidda.

        Os sabotadores aproveitavam as nevascas para se mover sem serem vistos, e em fevereiro de 1943 eles instalaram os explosivos na parede do reator, causando um tremendo estrago na estrutura e inutilizando-a. Segundo Joachim, o dia seguinte foi acompanhado de um lindo nascer do sol, e todos estavam exaustos, impossibilitados de trocarem uma palavra, porém felizes.

 



       

         Durante a fuga, Joachim e seus homens foram perseguidos por 2.800 tropas alemãs, e um dos homens morreu em meio a um tiroteio. O restante conseguiu adentrar a Suécia, aproveitando-se da neutralidade do país, e em pouco tempo Joachim estava de volta à ativa, liderando outras operações na Noruega, quase todas auxiliando a Resistência Norueguesa, fortalecida após dois anos atuando nas sombras. A Noruega se veria livre da opressão nacional-socialista em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial.

        Depois da guerra, Joachim se casou com uma professora chamada Liv Foldal e dedicou-se à carreira no rádio, mas nunca abandonou o exército norueguês. Outra de suas funções no período pós-guerra era visitar escolas e dar palestras, uma tarefa que lhe agradava muito. Joachim também foi secretário da Rotary International, uma organização sem fins lucrativos que visa promover o trabalho ético e valores sociais ao redor do mundo.

        Joachim Ronneberg morreu em 2018, com noventa e nove anos, sendo possivelmente o mais longevo herói dessa lista. Dois filmes sobre a façanha dos heróis sabotadores foram produzidos em 1948 e 1965, na Noruega e no Reino Unido; Joachim apenas falou sobre eles em 2010, e afirmou que a produção de 1948 se saiu muito bem na reconstituição do evento, enquanto os britânicos “até que tentaram”. Apenas a versão de 1965 ganhou tradução ao português, sendo chamada de “Os Heróis de Telemark”.

 

 

Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bülow.

 

Mateus é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor e colunista do blog "Recanto da Escritora".


*Confira outros textos dele sobre heróis da independência:


Heróis - Parte 1


Heróis - Parte 2

 

*Mateus é autor de dois livros de fantasia que já foram publicados (disponíveis na Amazon):




 

Taquarê - Entre a Selva e o Mar


Confira aqui




 

Taquarê - Entre um Império e um Reino


Confira aqui

 

domingo, 25 de agosto de 2024

As ondas da alma




Não saberei nunca ser perfeita,

pois a lágrima é a minha beleza

e o infinito o meu sobrenome.

Onde está a perfeição do seu nome?

 

Nessa senda desértica e infinita,

de altos e baixos, de altos e baixos,

a transmutação nunca é plena,

e a alma nunca é reta e perfeita.

 

Como uma onda no mar azul,

oscilando entre a razão e o pecado,

beijando o riso e o grito chocado,

a alma é um descontrolado fardo.

 

E, quando a lágrima vier de novo

deixe que caia a chuva no jardim,

mas não permita a violenta tempestade,

eis que a chuva nutre e a tempestade mata.


O início é um novo fim nascendo,

um raio de esperança pálido e místico

que ficou, no fundo da alma, adormecido.

A evolução deve ser esperança e não mito.  

 

E, quando a fadiga dos teus dias

perturbar a tua alma doce e mística,

acenda a luz interior de novo

até o amor preencher o teu corpo.

 

A alma é como o mar,

e os sentimentos as suas ondas,

ondas de amor, ondas de angústia,

ondas de dor, ondas de ternura.

 

O mar nunca será reto e constante,

e essa é a sua maior beleza.

Formado por lágrimas salgadas.

ele oscila entre o oceano e a areia.


Poesia escrita por Tatyana Casarino.





Essa poesia expressa a evolução espiritual da alma que busca o equilíbrio e o pleno domínio das suas emoções. Mesmo acreditando no crescimento espiritual com verdadeira esperança, o eu lírico admite que a alma nunca será perfeita através das metáforas e das comparações com o mar. Assim como o mar, as emoções são como ondas em eterno movimento: oscilam entre luzes e sombras, entre sensações positivas e negativas e entre a ternura e a angústia. 


Tatyana Casarino.