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quinta-feira, 6 de julho de 2023

Lendas e Figuras Fantásticas que Existem ou Existiram - Parte 1

 

 Lendas e Figuras Fantásticas que Existem ou Existiram.

 

        Boa noite aos nossos amigos que se reúnem para compartilhar histórias fantasiosas! Hoje nós faremos uma experiência diferente das edições anteriores, focadas em lendas de outros países (já falamos de lendas do Brasil, da França e da Rússia). O nosso objetivo desta vez não será explorar as lendas de uma determinada nação, e sim buscar a realidade por trás delas, em sua narrativa ou em seus elementos.

        A lista desse mês de julho é uma continuação não oficial de uma lista anterior, sobre 10 Criaturas Mitológicas que existem ou existiram. O escopo foi aumentado dessa vez, e falaremos de criaturas místicas, mas também de personagens dos contos de fadas, plantas esquisitas, tribos misteriosas e reinos fantásticos perdidos na linha tênue entre a história e a imaginação. Sem mais delongas, preparem-se para viajar!

 

1-Barba Azul.

 

 



        Uma das lendas mais conhecidas e macabras do folclore francês é a história de Barba-Azul, um homem “com a barba tão negra que parecia azul”. Mas a inspiração real por trás da lenda coletada por Charles Perrault talvez seja ainda mais sombria e assustadora do que o conto desse terrível vilão.

        Para quem não conhece o conto original, aí vai um resumo: uma jovem donzela se casa com um nobre proprietário de terras, extremamente ciumento e possessivo. Ele ordena à jovem esposa que nunca abra uma porta do castelo; a jovem desrespeita a ordem, movida pela curiosidade, e encontra os corpos de todas as esposas anteriores de Barba-Azul, que também descumpriram a ordem de não abrir a porta. Enfurecido ao descobrir a traição de sua noiva, Barba-Azul tenta matar a jovem, mas é morto pelos irmãos dela.

        É possível que a lenda tenha base num indivíduo histórico real, que participou da etapa final da Guerra dos Cem Anos: um cavaleiro chamado Gilles de Rais, que liderou os franceses em batalhas decisivas, além de lutar ao lado de Joana D’Arc. O valor e a coragem de Gilles de Rais o levaram a se tornar Marechal da França durante um período, mas ele abandonou a carreira de armas em 1434, três anos após a execução de Joana D’Arc na fogueira.


 


 

        O período posterior à aposentadoria de Gilles de Rais trata-se da etapa mais misteriosa e sombria de sua vida. Quando indagado sobre o ocorrido, o cavaleiro sempre afirmava que “tudo que havia de bom nele morreu depois que Joana se foi”. Gilles de Rais perseguiu interesses dispendiosos, como a escrita de peças de teatro e a construção de uma capela. O cavaleiro teve de vender propriedades da família para financiar as extravagâncias, e boatos afirmavam que ele lia muitos livros de alquimia e demonologia.

        A situação ficou insustentável em 1435, quando crianças começaram a desaparecer no entorno de uma de suas propriedades. Cinco anos depois, Gilles de Rais sequestrou um padre, gerando um embaraço que não poderia ser resolvido com sua condição de herói militar da França. Após ser preso, Gilles de Rais fez um depoimento estarrecedor, afirmando que matava e devorava as crianças desaparecidas. O herói de guerra caído foi executado na forca, tendo o corpo queimado logo em seguida.

        Historiadores e investigadores forenses carregam dúvidas quanto à participação de Gilles de Rais nos desaparecimentos das crianças, pois até hoje não foram encontrados nenhum cadáver ou esqueleto de suas supostas vítimas. Alguns medievalistas alimentam a hipótese de que Gilles de Rais assumiu a culpa para proteger outros envolvidos nos crimes, incluindo um irmão e membros de alto escalão dentro da própria Igreja.

 

2-Grifo.


 


 

        Embora não sejam tão conhecidos como os dragões, vampiros ou sereias, os grifos são criaturas místicas relativamente populares entre os adeptos da Fantasia. Descritos como híbridos de águia e leão, os grifos já foram interpretados como maus presságios, mas em algumas versões do mito, a criatura representa Cristo, com aspectos de Leão em seu Poder e da ascensão aos Céus, assim como a Águia.

        As primeiras aparições de criaturas aparentadas aos grifos não surgiram na Europa, e sim no Oriente Médio, em mosaicos e esculturas feitas pelos Babilônios e Persas. O contato entre diversas civilizações tornou os híbridos de aves e felinos mais populares no ocidente, como é o caso do reino de Minos, em Creta. Duas figuras conhecidas como os “Gênios de Minos” são creditadas como as primeiras imagens de grifos na história europeia.

 




        A teoria mais aceita sobre a origem dos grifos aponta para a descoberta de fósseis, mais precisamente de dinossauros conhecidos como Protoceratops. Esses bichos andavam sobre quatro patas e possuíam um “bico” ósseo, bem parecido com o bico de uma ave de grande porte. A imaginação das pessoas da época se encarregou de criar a curiosa figura híbrida, lidando com o que era familiar a eles, enquanto buscavam compreender as ossadas descobertas nessas terras longínquas.

        Outro aspecto que pode explicar a associação entre o Grifo e os Protoceratops está na localização geográfica desses achados: os fósseis foram encontrados no Deserto de Gobi, no oeste da Mongólia e noroeste da China, de onde partiram os ancestrais dos futuros povos indo-iranianos, como os Persas, Usbeques e Afegãos. A memória antiga pode ter embaralhado os relatos mais antigos, transformando uma criatura de tempos anteriores à humanidade em um monstro folclórico.

 

3-Lebrílope.

 



 

        Nossa próxima criatura não é um ser folclórico regional, pois ele aparece em diversas lendas das Américas, no Oriente Médio e do continente europeu. Conhecido também como Jackalope nos EUA e Dilldapp em diversos lugares onde se fala alemão, o Lebrílope é tanto uma brincadeira como uma criatura mitológica.

        Basicamente, o Lebrílope é um coelho que possui galhadas de veado ou antílope na cabeça, embora variações da lenda apontem mais detalhes. Na região alemã da Bavária os habitantes falam do Wolpertinger, com cabeça de lebre, corpo de esquilo e asas de pássaro. Os árabes conheciam o Al-Miraj, um coelho branco com um chifre de unicórnio; o folclore local afirmava que a criatura foi oferecida como presente ao rei Alexandre da Macedônia, após este derrotar um dragão que aterrorizava uma pequena ilha.

 

             



        O Brasil também possui sua versão do Lebrílope, mas aqui a criatura é conhecida como Thiltapes, uma corruptela de Dilldapp. Os recém-chegados nas colônias alemãs do sul do país às vezes são convidados a caçar um Thiltapes, quase sempre terminando numa pegadinha sobre o “caçador”. Não à toa, essa palavra é usada como sinônimo de “pateta” ou “otário”, assim como o Dilldapp alemão. O Thiltapes é descrito como uma mistura de pássaro e lebre, possuindo uma língua grossa que lhe permite descascar batatas, sua comida favorita.

        A explicação mais provável para a crença nessa criatura deve-se a uma condição clínica que afeta lebres selvagens e coelhos domésticos. Existe um vírus chamado Shope Papilloma, capaz de formar carcinomas protuberantes cobertos de queratina, muito parecidos com chifres; quase sempre essas protuberâncias são formadas perto dos olhos, focinho e orelhas do animal. Hoje existe tratamento para a enfermidade, e os bichinhos desenvolvem imunidade após a primeira infecção.

 

(Nota do autor: Existem muitas fotos de lebres e coelhos infectados com o Shope Papilloma na internet, mas decidi deixá-las de fora, para não chocar os visitantes do blog).

 

4-Zaqqum.

 



        Essa lenda se destaca por não se tratar de um animal mitológico ou um personagem, e sim de uma planta. O Zaqqum faz parte da cosmologia islâmica, e trata-se de uma árvore que cresce nos confins do inferno, chamado Jaanã pelos muçulmanos. Os frutos do Zaqqum possuem o formato das cabeças dos demônios que habitam o Jaanã, e todos os pecadores são obrigados a comer esses frutos macabros. Os islâmicos também acreditam que existe uma árvore correspondente ao Zaqqum no Céu, chamada Tuba.

 



        Três plantas típicas do deserto africano e do Oriente Médio são identificadas com o Zaqqum, ao menos de forma metafórica. Uma delas é uma espécie de cacto, chamada Euphorbia Abyssinica, comum na fronteira do Sudão com a Etiópia, e também na Eritreia e Somalia. Essa planta costuma ser usada na medicina local, e também como ornamentos. Sua associação com o Zaqqum se deve ao fato de crescer num local considerado inóspito até mesmo para os árabes, acostumados ao deserto.


  


        Outro vegetal comumente associado ao Zaqqum é uma árvore típica da Jordânia, chamada Balanites Aegyptiaca. Essa árvore pode chegar até dez metros de altura, e seus frutos amargos são comidos apenas como último recurso; o óleo extraído dessa fruta também é utilizado como remédio contra dores de cabeça. Diferentemente do exemplo anterior, a associação com a árvore maldita se deve ao forte amargor de seus frutos, e não com o local onde essa planta cresce.

 



 

        O último vegetal dessa lista é uma flor muito bonita, porém extremamente tóxica: o Oleandro, também chamado Zakkun pelos turcos. Praticamente toda a planta é mortal, desde as raízes até as flores, e existem lendas urbanas afirmando que pessoas morreram após comerem carne assada sobre ramas de Oleandro. Essa flor que não se deixa cheirar foi a primeira planta a florescer após a radiação se dissipar em Hiroshima, e se tornou a flor oficial da cidade, após sua reconstrução.

 

5-Minotauro.

 

 


 

        O terrível homem com cabeça de touro é outra figura carimbada na cultura popular, e a explicação por trás de seu mito envolve uma curiosa análise do ambiente político e religioso da Grécia antiga e suas redondezas. A destruição do Minotauro pelo herói ateniense Teseu diz muito sobre as mudanças que se aproximavam para substituir antigas crenças e centros de poder já decadentes.

        Na história original de Teseu, a cidade-estado de Atenas é obrigada a oferecer sete rapazes e sete moças todos os anos à ilha de Creta, então governada pelo cruel Rei Minos. Os jovens eram oferecidos como alimento ao Minotauro, um monstro que vivia trancafiado num enorme labirinto construído por Dédalo e seu filho, Ícaro. Os sacrifícios apenas terminaram após Teseu matar o Minotauro e retornar para Atenas, assumindo o trono após o suicídio de Egeu, que erroneamente acreditou na morte do filho durante a aventura.

        Cultos aos bovídeos não eram raros na antiguidade: as vacas e touros eram associados à fertilidade e à agricultura, devido à importância desses animais na subsistência das primeiras civilizações. Em diversos lugares do Oriente Médio e no litoral do Mar Mediterrâneo foram encontrados sinais e vestígios de cultos a deuses ornamentados com chifres vistosos; não raramente eles exigiam sacrifícios humanos.

 



        Escavações na ilha de Creta revelaram a existência de uma civilização ainda mais antiga do que as cidades-estados da Grécia. Essa civilização Minoica cultuava os bovinos, e diversas cerâmicas retratam a prática de um esporte que envolvia pular sobre touros enfurecidos, como prova de coragem (ou maluquice). Um grande palácio também foi encontrado em Creta, e sua descrição se parece muito com o tal Labirinto da lenda grega.

        Não existem evidências de que os antigos Minoicos praticavam sacrifícios humanos, mas podemos imaginar que estes ocorriam com frequência, além de serem associados aos cultos taurinos. Dessa forma, a morte do Minotauro poderia ser interpretada como um rompimento das relações entre Creta e Atenas, ou então um abandono completo das crenças que envolviam sacrifícios humanos.

        Uma possível influência no mito do Minotauro poderia ser o culto a Moloch, também chamado Baal-Moloch. Essa divindade com cabeça de touro era cultuada pelos canaanitas e fenícios antigos, e seu culto envolvia sacrifícios de crianças. Em diversas ocasiões os israelitas entraram em conflito aberto contra os seguidores de Moloch e outras divindades que exigiam sacrifícios humanos, até exterminarem seus cultos macabros. Tanto Moloch como Baal são descritos como demônios em manuais de exorcismo.

 

Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bülow.


Parte 2 da Lista:


https://poetisataty.blogspot.com/2023/07/lendas-e-figuras-fantasticas-que_6.html




Mateus é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor e colunista do blog "Recanto da Escritora". 


*Mateus é o autor de dois livros de fantasia:


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Um comentário:

  1. Estou encantada com as prováveis origens históricas e dados reais por trás de cada lenda. Realmente, sempre há um fundo de verdade atrás de um conto como dizem. Desta primeira parte da lista, eu gostei muito das lendas envolvendo as plantas típicas do Oriente Médio. Deixo como sugestão a busca por novas listas sobre plantas, flores, árvores e até mesmo o aroma delas no imaginário popular.

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