Lendas e Figuras Fantásticas que Existem
ou Existiram.
Boa
noite aos nossos amigos que se reúnem para compartilhar histórias fantasiosas!
Hoje nós faremos uma experiência diferente das edições anteriores, focadas em
lendas de outros países (já falamos de lendas do Brasil, da França e da Rússia).
O nosso objetivo desta vez não será explorar as lendas de uma determinada
nação, e sim buscar a realidade por trás delas, em sua narrativa ou em seus
elementos.
A
lista desse mês de julho é uma continuação não oficial de uma lista anterior,
sobre 10 Criaturas Mitológicas que existem ou existiram. O escopo foi aumentado
dessa vez, e falaremos de criaturas místicas, mas também de personagens dos
contos de fadas, plantas esquisitas, tribos misteriosas e reinos fantásticos perdidos
na linha tênue entre a história e a imaginação. Sem mais delongas, preparem-se
para viajar!
1-Barba Azul.
Uma
das lendas mais conhecidas e macabras do folclore francês é a história de
Barba-Azul, um homem “com a barba tão negra que parecia azul”. Mas a inspiração
real por trás da lenda coletada por Charles Perrault talvez seja ainda mais
sombria e assustadora do que o conto desse terrível vilão.
Para
quem não conhece o conto original, aí vai um resumo: uma jovem donzela se casa
com um nobre proprietário de terras, extremamente ciumento e possessivo. Ele
ordena à jovem esposa que nunca abra uma porta do castelo; a jovem desrespeita
a ordem, movida pela curiosidade, e encontra os corpos de todas as esposas
anteriores de Barba-Azul, que também descumpriram a ordem de não abrir a porta.
Enfurecido ao descobrir a traição de sua noiva, Barba-Azul tenta matar a jovem,
mas é morto pelos irmãos dela.
É
possível que a lenda tenha base num indivíduo histórico real, que participou da
etapa final da Guerra dos Cem Anos: um cavaleiro chamado Gilles de Rais, que
liderou os franceses em batalhas decisivas, além de lutar ao lado de Joana
D’Arc. O valor e a coragem de Gilles de Rais o levaram a se tornar Marechal da
França durante um período, mas ele abandonou a carreira de armas em 1434, três
anos após a execução de Joana D’Arc na fogueira.
O
período posterior à aposentadoria de Gilles de Rais trata-se da etapa mais
misteriosa e sombria de sua vida. Quando indagado sobre o ocorrido, o cavaleiro
sempre afirmava que “tudo que havia de bom nele morreu depois que Joana se
foi”. Gilles de Rais perseguiu interesses dispendiosos, como a escrita de peças
de teatro e a construção de uma capela. O cavaleiro teve de vender propriedades
da família para financiar as extravagâncias, e boatos afirmavam que ele lia
muitos livros de alquimia e demonologia.
A
situação ficou insustentável em 1435, quando crianças começaram a desaparecer
no entorno de uma de suas propriedades. Cinco anos depois, Gilles de Rais
sequestrou um padre, gerando um embaraço que não poderia ser resolvido com sua
condição de herói militar da França. Após ser preso, Gilles de Rais fez um
depoimento estarrecedor, afirmando que matava e devorava as crianças
desaparecidas. O herói de guerra caído foi executado na forca, tendo o corpo
queimado logo em seguida.
Historiadores
e investigadores forenses carregam dúvidas quanto à participação de Gilles de
Rais nos desaparecimentos das crianças, pois até hoje não foram encontrados
nenhum cadáver ou esqueleto de suas supostas vítimas. Alguns medievalistas
alimentam a hipótese de que Gilles de Rais assumiu a culpa para proteger outros
envolvidos nos crimes, incluindo um irmão e membros de alto escalão dentro da
própria Igreja.
2-Grifo.
Embora
não sejam tão conhecidos como os dragões, vampiros ou sereias, os grifos são
criaturas místicas relativamente populares entre os adeptos da Fantasia.
Descritos como híbridos de águia e leão, os grifos já foram interpretados como
maus presságios, mas em algumas versões do mito, a criatura representa Cristo,
com aspectos de Leão em seu Poder e da ascensão aos Céus, assim como a Águia.
As
primeiras aparições de criaturas aparentadas aos grifos não surgiram na Europa,
e sim no Oriente Médio, em mosaicos e esculturas feitas pelos Babilônios e
Persas. O contato entre diversas civilizações tornou os híbridos de aves e
felinos mais populares no ocidente, como é o caso do reino de Minos, em Creta.
Duas figuras conhecidas como os “Gênios de Minos” são creditadas como as
primeiras imagens de grifos na história europeia.
A
teoria mais aceita sobre a origem dos grifos aponta para a descoberta de
fósseis, mais precisamente de dinossauros conhecidos como Protoceratops. Esses
bichos andavam sobre quatro patas e possuíam um “bico” ósseo, bem parecido com
o bico de uma ave de grande porte. A imaginação das pessoas da época se
encarregou de criar a curiosa figura híbrida, lidando com o que era familiar a
eles, enquanto buscavam compreender as ossadas descobertas nessas terras
longínquas.
Outro
aspecto que pode explicar a associação entre o Grifo e os Protoceratops está na
localização geográfica desses achados: os fósseis foram encontrados no Deserto
de Gobi, no oeste da Mongólia e noroeste da China, de onde partiram os
ancestrais dos futuros povos indo-iranianos, como os Persas, Usbeques e Afegãos.
A memória antiga pode ter embaralhado os relatos mais antigos, transformando
uma criatura de tempos anteriores à humanidade em um monstro folclórico.
3-Lebrílope.
Nossa
próxima criatura não é um ser folclórico regional, pois ele aparece em diversas
lendas das Américas, no Oriente Médio e do continente europeu. Conhecido também
como Jackalope nos EUA e Dilldapp em diversos lugares onde se fala alemão, o
Lebrílope é tanto uma brincadeira como uma criatura mitológica.
Basicamente,
o Lebrílope é um coelho que possui galhadas de veado ou antílope na cabeça,
embora variações da lenda apontem mais detalhes. Na região alemã da Bavária os
habitantes falam do Wolpertinger, com cabeça de lebre, corpo de esquilo e asas
de pássaro. Os árabes conheciam o Al-Miraj, um coelho branco com um chifre de
unicórnio; o folclore local afirmava que a criatura foi oferecida como presente
ao rei Alexandre da Macedônia, após este derrotar um dragão que aterrorizava
uma pequena ilha.
O
Brasil também possui sua versão do Lebrílope, mas aqui a criatura é conhecida
como Thiltapes, uma corruptela de Dilldapp. Os recém-chegados nas colônias
alemãs do sul do país às vezes são convidados a caçar um Thiltapes, quase
sempre terminando numa pegadinha sobre o “caçador”. Não à toa, essa palavra é usada
como sinônimo de “pateta” ou “otário”, assim como o Dilldapp alemão. O
Thiltapes é descrito como uma mistura de pássaro e lebre, possuindo uma língua
grossa que lhe permite descascar batatas, sua comida favorita.
A
explicação mais provável para a crença nessa criatura deve-se a uma condição
clínica que afeta lebres selvagens e coelhos domésticos. Existe um vírus
chamado Shope Papilloma, capaz de
formar carcinomas protuberantes cobertos de queratina, muito parecidos com
chifres; quase sempre essas protuberâncias são formadas perto dos olhos, focinho
e orelhas do animal. Hoje existe tratamento para a enfermidade, e os bichinhos
desenvolvem imunidade após a primeira infecção.
(Nota do autor: Existem muitas fotos de
lebres e coelhos infectados com o Shope
Papilloma na internet, mas decidi deixá-las de fora, para não chocar os
visitantes do blog).
4-Zaqqum.
Essa
lenda se destaca por não se tratar de um animal mitológico ou um personagem, e
sim de uma planta. O Zaqqum faz parte da cosmologia islâmica, e trata-se de uma
árvore que cresce nos confins do inferno, chamado Jaanã pelos muçulmanos. Os
frutos do Zaqqum possuem o formato das cabeças dos demônios que habitam o
Jaanã, e todos os pecadores são obrigados a comer esses frutos macabros. Os
islâmicos também acreditam que existe uma árvore correspondente ao Zaqqum no
Céu, chamada Tuba.
Três
plantas típicas do deserto africano e do Oriente Médio são identificadas com o
Zaqqum, ao menos de forma metafórica. Uma delas é uma espécie de cacto, chamada
Euphorbia Abyssinica, comum na
fronteira do Sudão com a Etiópia, e também na Eritreia e Somalia. Essa planta
costuma ser usada na medicina local, e também como ornamentos. Sua associação
com o Zaqqum se deve ao fato de crescer num local considerado inóspito até
mesmo para os árabes, acostumados ao deserto.
Outro
vegetal comumente associado ao Zaqqum é uma árvore típica da Jordânia, chamada Balanites Aegyptiaca. Essa árvore pode
chegar até dez metros de altura, e seus frutos amargos são comidos apenas como
último recurso; o óleo extraído dessa fruta também é utilizado como remédio
contra dores de cabeça. Diferentemente do exemplo anterior, a associação com a
árvore maldita se deve ao forte amargor de seus frutos, e não com o local onde
essa planta cresce.
O
último vegetal dessa lista é uma flor muito bonita, porém extremamente tóxica:
o Oleandro, também chamado Zakkun pelos turcos. Praticamente toda a planta é
mortal, desde as raízes até as flores, e existem lendas urbanas afirmando que
pessoas morreram após comerem carne assada sobre ramas de Oleandro. Essa flor
que não se deixa cheirar foi a primeira planta a florescer após a radiação se
dissipar em Hiroshima, e se tornou a flor oficial da cidade, após sua
reconstrução.
5-Minotauro.
O
terrível homem com cabeça de touro é outra figura carimbada na cultura popular,
e a explicação por trás de seu mito envolve uma curiosa análise do ambiente
político e religioso da Grécia antiga e suas redondezas. A destruição do
Minotauro pelo herói ateniense Teseu diz muito sobre as mudanças que se
aproximavam para substituir antigas crenças e centros de poder já decadentes.
Na
história original de Teseu, a cidade-estado de Atenas é obrigada a oferecer
sete rapazes e sete moças todos os anos à ilha de Creta, então governada pelo
cruel Rei Minos. Os jovens eram oferecidos como alimento ao Minotauro, um
monstro que vivia trancafiado num enorme labirinto construído por Dédalo e seu
filho, Ícaro. Os sacrifícios apenas terminaram após Teseu matar o Minotauro e
retornar para Atenas, assumindo o trono após o suicídio de Egeu, que
erroneamente acreditou na morte do filho durante a aventura.
Cultos
aos bovídeos não eram raros na antiguidade: as vacas e touros eram associados à
fertilidade e à agricultura, devido à importância desses animais na
subsistência das primeiras civilizações. Em diversos lugares do Oriente Médio e
no litoral do Mar Mediterrâneo foram encontrados sinais e vestígios de cultos a
deuses ornamentados com chifres vistosos; não raramente eles exigiam
sacrifícios humanos.
Escavações
na ilha de Creta revelaram a existência de uma civilização ainda mais antiga do
que as cidades-estados da Grécia. Essa civilização Minoica cultuava os bovinos,
e diversas cerâmicas retratam a prática de um esporte que envolvia pular sobre
touros enfurecidos, como prova de coragem (ou maluquice). Um grande palácio
também foi encontrado em Creta, e sua descrição se parece muito com o tal Labirinto
da lenda grega.
Não
existem evidências de que os antigos Minoicos praticavam sacrifícios humanos,
mas podemos imaginar que estes ocorriam com frequência, além de serem
associados aos cultos taurinos. Dessa forma, a morte do Minotauro poderia ser
interpretada como um rompimento das relações entre Creta e Atenas, ou então um
abandono completo das crenças que envolviam sacrifícios humanos.
Uma
possível influência no mito do Minotauro poderia ser o culto a Moloch, também
chamado Baal-Moloch. Essa divindade com cabeça de touro era cultuada pelos
canaanitas e fenícios antigos, e seu culto envolvia sacrifícios de crianças. Em
diversas ocasiões os israelitas entraram em conflito aberto contra os
seguidores de Moloch e outras divindades que exigiam sacrifícios humanos, até
exterminarem seus cultos macabros. Tanto Moloch como Baal são descritos como
demônios em manuais de exorcismo.
Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bülow.
Parte 2 da Lista:
https://poetisataty.blogspot.com/2023/07/lendas-e-figuras-fantasticas-que_6.html
Mateus é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor e colunista do blog "Recanto da Escritora".
*Mateus é o autor de dois livros de fantasia:
*Taquarê - Entre a Selva e o Mar
*Taquarê - Entre um Império e um Reino
Estou encantada com as prováveis origens históricas e dados reais por trás de cada lenda. Realmente, sempre há um fundo de verdade atrás de um conto como dizem. Desta primeira parte da lista, eu gostei muito das lendas envolvendo as plantas típicas do Oriente Médio. Deixo como sugestão a busca por novas listas sobre plantas, flores, árvores e até mesmo o aroma delas no imaginário popular.
ResponderExcluir