Ainda posso ver aquela menina
tão ingênua, meiga e generosa
que sorria na porta da escola
e ajudava aqueles que ela podia.
Ainda posso ver aquela doce mocinha
tão estudiosa, meiga, disciplinada e passional
que sonhava em ser uma grande profissional
na sua bela e elegante faculdade de Direito.
Ainda posso ver aquela amiga
tão parceira, meiga e conselheira
que doava tempo, amor e energia,
aconselhando os sedentos pela luz.
Ainda posso ver aquela mulher
tão jovem, bonita e bem maquiada,
saindo de salto, sendo paquerada
e sonhando com um conto de fadas.
Eu sonhava com tribunais e terninhos,
lousas, palestras, aplausos e livros.
Eu sonhava em ser advogada e palestrantes
para mudar o mundo todo num instante.
Eu sonhava com grandes amizades
que pudessem ser leais e coloridas.
Eu sonhava com um casamento tradicional:
igreja, vestido, véu e votos para a vida.
Mas, quase todos os meus sonhos morreram.
Sim, eles morreram e parte de mim morreu.
A mocinha generosa demais morreu envenenada
com o veneno do altruísmo em brasas e sem limites.
A amiga conselheira que se sacrificava morreu
quando as amizades angustiantes e tagarelas vieram.
Os amigos tóxicos enterraram a minha ingenuidade
e boa parte da minha inclinação santa à caridade.
O meu vestido de noiva foi despedaçado
pelas traças atraídas pelo cheiro de guardado.
A carteirinha da OAB é mais um documento na bolsa
e o diploma de Direito é um bibelô no quarto da vovó.
Não, eu não tive a vida tradicional!
A minha tão sonhada vida tradicional morreu,
e eu abraço a minha loucura criativa e forte
quando as tradições são quebradas pela sorte.
Eu não tive um casamento belo e tradicional
nem conheci o sucesso da advocacia convencional.
Meus terninhos de advogada estão quase mofando,
meus sapatos de salto estão descascando e quebrando.
Abro o meu belo guarda-roupa branco
e sinto as roupas com cheiro de guardado.
Eu me olho no espelho do meu banheiro
e vejo um rosto jovem, belo e cansado.
Mas, mesmo assim, não me sinto triste!
Eu apenas estou cansada como a Clarice!
Eu limpo o meu banheiro todo até ficar cheiroso,
esfrego o chão pensando nos artigos da Constituição.
Com o espírito esgotado pela vida,
eu resolvo descansar dentro de uma casa bela.
Trancada como um velho e sábio eremita,
eu vejo a vida passar através da janela.
Eu gastei todo o meu dinheiro
com caridade, livros e cartas de tarô.
Entreguei meus bens para os pobres
e adotei dois cachorros belos e nobres.
Eu tenho saudade daquela mocinha linda
que, pela autoconfiança, uns achavam metida.
Ah! Como eu tenho saudade da minha ingenuidade!
Mas, não troco a minha paz madura pelos sonhos da vaidade.
Hoje só me resta a humildade
das roupas simples de ficar em casa.
Hoje só me resta a nobreza da prudência
que me faz usar álcool em gel e máscara.
Eu queimei todas as minhas grandes riquezas
no fogo ardente da mágoa e da frustração inteira.
Eu me isolei num bosque florido como sempre quis,
rodeada de bichos e imagens de Francisco de Assis.
Apesar de estar tão pobre por fora,
tão isolada, quieta, realista e exilada,
eu nunca me senti tão rica e tão feliz.
Eu senti a paz de Deus dentro de mim!
O meu diploma não tem mais importância,
o sonho do casamento não tem mais importância.
As frustrações não magoam mais o meu espírito,
porque elas me fizeram buscar o néctar do Nirvana.
Nenhuma conquista exterior é mais importante
que conquistar a si mesmo com amor e esperança.
Diplomas, aplausos, holofotes, festas e casamentos
não são nada perto do Dharma e da mística bonança.
Eu não vou levar o diploma para o céu
nem terei alianças de ouro após a morte.
Mas, esse êxtase espiritual, profundo e interior
será eterno e estará comigo para onde eu for.
Eu encontrei Deus nesse bosque
e nessa vida introspectiva e serena.
Eu beijei a eternidade contemplativa
a alcancei a paz plácida da sacerdotisa.
O paraíso está em algum lugar
dentro de você mesmo, meu amor.
Não procure a felicidade por fora,
porque esse mundo é um vale de dor.
Não procure a felicidade no sucesso profissional,
porque ela é simples e bela como uma flor anônima.
Não procure a felicidade no status do seu diploma,
pois a sabedoria dela não vem do estudo convencional.
Não procure a felicidade no casamento,
porque o amor humano é oscilante e incerto.
Tenha amor-próprio e busque o amor divino,
pois o amor de Deus será perfeito e eterno.
Eu tomo meu café com calma
e faço carinho nos cachorros.
Encontrei a felicidade dentro da alma
numa vida simples e sem transtornos.
As melhores pessoas que existem no mundo
são as da minha família e estão na minha casa.
Por que sair para conhecer gente duvidosa,
sem papo profundo e que pode ser tóxica?
Não me faça sair de casa hoje,
não me faça gastar as energias.
Não me faça chorar nem socializar!
Minha solitude é o meu bem-estar.
O isolamento é o doce paraíso dos introspectivos
e de todos os que foram tocados pela luz espiritual.
A sociedade perde a graça com a sua energia mundana
a partir do momento que você conhece a beleza do Nirvana.
Meu espírito está mergulhado
no fogo da ascese e da bonança.
Nunca mais serei a mesma mulher,
porque manifestarei uma nova dança.
Eu quero dançar a mesma dança de Sadhguru,
ouvindo as mesmas músicas do êxtase espiritual.
Eu quero dançar a mesma dança de Yeshe Tsogyal
antes de mergulhar no oceano da sabedoria ancestral.
Poesia escrita por Tatyana Casarino.
*Referências da poesia:
*Dharma é uma palavra em sânscrito que significa a missão espiritual de uma pessoa e a sua realização interior através de uma vida alinhada com o seu verdadeiro eu.
*Nirvana é uma expressão budista que significa a libertação do sofrimento interior obtida num estado de plenitude espiritual.
*Sadhguru é um yogi, visionário e místico indiano que ficou famoso nos tempos atuais por causa da sua sabedoria espiritual e por ser um mestre espiritual que atingiu a iluminação no nosso tempo. Sua sabedoria é universal mesmo com os pilares do hinduísmo presentes nela.
Sua missão é propagar a "engenharia interior" do Yoga para fornecer ferramentas para a iluminação de outras pessoas no caminho do despertar espiritual. A sua Fundação Isha não tem fins lucrativos e oferece programas de Yoga ao redor do mundo.
Recentemente, um vídeo de Sadhguru dançando em êxtase espiritual diante do som de uma flauta ficou famoso:
"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música". Friedrich Nietzsche.
https://www.youtube.com/watch?v=niKA-ORBV9k
*Yeshe Tsogyal é uma santa tibetana que alcançou a iluminação no corpo de uma mulher. Ela nasceu como uma princesa, mas preferiu os estudos espirituais em vez da vida convencional e do casamento.
*Clarice Lispector foi uma escritora e jornalista brasileira nascida na Ucrânia. Dentro de uma entrevista, ela falou a célebre frase (a frase da Clarice é interpretada com bom humor e ironia pelos intelectuais e admiradores dela):
"E só estou triste hoje, porque estou cansada. No geral, sou alegre."
Veja a icônica entrevista que virou meme:
https://www.youtube.com/watch?v=iQD5mzi0LJ4
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