O caderno digital de Tatyana Casarino. Aqui você encontrará textos e poesias repletos de profundidade com delicadeza.









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sábado, 25 de fevereiro de 2023

Fogo da bonança

 




Ainda posso ver aquela menina

tão ingênua, meiga e generosa

que sorria na porta da escola

e ajudava aqueles que ela podia.


Ainda posso ver aquela doce mocinha

tão estudiosa, meiga, disciplinada e passional

que sonhava em ser uma grande profissional

na sua bela e elegante faculdade de Direito. 


Ainda posso ver aquela amiga 

tão parceira, meiga e conselheira

que doava tempo, amor e energia,

aconselhando os sedentos pela luz.


Ainda posso ver aquela mulher

tão jovem, bonita e bem maquiada,

saindo de salto, sendo paquerada 

e sonhando com um conto de fadas.


Eu sonhava com tribunais e terninhos,

lousas, palestras, aplausos e livros.

Eu sonhava em ser advogada e palestrantes

para mudar o mundo todo num instante.


Eu sonhava com grandes amizades

que pudessem ser leais e coloridas.

Eu sonhava com um casamento tradicional:

igreja, vestido, véu e votos para a vida.


Mas, quase todos os meus sonhos morreram.

Sim, eles morreram e parte de mim morreu.

A mocinha generosa demais morreu envenenada

com o veneno do altruísmo em brasas e sem limites.


A amiga conselheira que se sacrificava morreu

quando as amizades angustiantes e tagarelas vieram.

Os amigos tóxicos enterraram a minha ingenuidade

e boa parte da minha inclinação santa à caridade. 


O meu vestido de noiva foi despedaçado

pelas traças atraídas pelo cheiro de guardado.

A carteirinha da OAB é mais um documento na bolsa

e o diploma de Direito é um bibelô no quarto da vovó. 


Não, eu não tive a vida tradicional!

A minha tão sonhada vida tradicional morreu,

e eu abraço a minha loucura criativa e forte 

quando as tradições são quebradas pela sorte.


Eu não tive um casamento belo e tradicional 

nem conheci o sucesso da advocacia convencional. 

Meus terninhos de advogada estão quase mofando,

meus sapatos de salto estão descascando e quebrando.


Abro o meu belo guarda-roupa branco

e sinto as roupas com cheiro de guardado.

Eu me olho no espelho do meu banheiro 

e vejo um rosto jovem, belo e cansado.


Mas, mesmo assim, não me sinto triste!

Eu apenas estou cansada como a Clarice!

Eu limpo o meu banheiro todo até ficar cheiroso,

esfrego o chão pensando nos artigos da Constituição.


Com o espírito esgotado pela vida,

eu resolvo descansar dentro de uma casa bela.

Trancada como um velho e sábio eremita,

eu vejo a vida passar através da janela. 


Eu gastei todo o meu dinheiro

com caridade, livros e cartas de tarô.

Entreguei meus bens para os pobres

e adotei dois cachorros belos e nobres.


Eu tenho saudade daquela mocinha linda

que, pela autoconfiança, uns achavam metida.

Ah! Como eu tenho saudade da minha ingenuidade!

Mas, não troco a minha paz madura pelos sonhos da vaidade.


Hoje só me resta a humildade

das roupas simples de ficar em casa.

Hoje só me resta a nobreza da prudência

que me faz usar álcool em gel e máscara.  


Eu queimei todas as minhas grandes riquezas 

no fogo ardente da mágoa e da frustração inteira. 

Eu me isolei num bosque florido como sempre quis,

rodeada de bichos e imagens de Francisco de Assis. 


Apesar de estar tão pobre por fora,

tão isolada, quieta, realista e exilada,

eu nunca me senti tão rica e tão feliz.

Eu senti a paz de Deus dentro de mim!


O meu diploma não tem mais importância,

o sonho do casamento não tem mais importância.

As frustrações não magoam mais o meu espírito,

porque elas me fizeram buscar o néctar do Nirvana. 


Nenhuma conquista exterior é mais importante

que conquistar a si mesmo com amor e esperança.

Diplomas, aplausos, holofotes, festas e casamentos

não são nada perto do Dharma e da mística bonança. 


Eu não vou levar o diploma para o céu

nem terei alianças de ouro após a morte.

Mas, esse êxtase espiritual, profundo e interior

será eterno e estará comigo para onde eu for. 


Eu encontrei Deus nesse bosque

e nessa vida introspectiva e serena.

Eu beijei a eternidade contemplativa

a alcancei a paz plácida da sacerdotisa.


O paraíso está em algum lugar

dentro de você mesmo, meu amor.

Não procure a felicidade por fora,

porque esse mundo é um vale de dor.


Não procure a felicidade no sucesso profissional, 

porque ela é simples e bela como uma flor anônima.

Não procure a felicidade no status do seu diploma,

pois a sabedoria dela não vem do estudo convencional.


Não procure a felicidade no casamento,

porque o amor humano é oscilante e incerto.

Tenha amor-próprio e busque o amor divino,

pois o amor de Deus será perfeito e eterno.


Eu tomo meu café com calma

e faço carinho nos cachorros.

Encontrei a felicidade dentro da alma

numa vida simples e sem transtornos. 


As melhores pessoas que existem no mundo 

são as da minha família e estão na minha casa. 

Por que sair para conhecer gente duvidosa,

sem papo profundo e que pode ser tóxica?


Não me faça sair de casa hoje,

não me faça gastar as energias.

Não me faça chorar nem socializar!

Minha solitude é o meu bem-estar.


O isolamento é o doce paraíso dos introspectivos

e de todos os que foram tocados pela luz espiritual.

A sociedade perde a graça com a sua energia mundana

a partir do momento que você conhece a beleza do Nirvana.


Meu espírito está mergulhado

no fogo da ascese e da bonança.

Nunca mais serei a mesma mulher,

porque manifestarei uma nova dança. 


Eu quero dançar a mesma dança de Sadhguru,

ouvindo as mesmas músicas do êxtase espiritual.

Eu quero dançar a mesma dança de Yeshe Tsogyal

antes de mergulhar no oceano da sabedoria ancestral. 


Poesia escrita por Tatyana Casarino. 



Yeshe Tsogyal


Sadhguru

Site oficial dele:





*Referências da poesia:



*Dharma é uma palavra em sânscrito que significa a missão espiritual de uma pessoa e a sua realização interior através de uma vida alinhada com o seu verdadeiro eu.

*Nirvana é uma expressão budista que significa a libertação do sofrimento interior obtida num estado de plenitude espiritual. 

*Sadhguru é um yogi, visionário e místico indiano que ficou famoso nos tempos atuais por causa da sua sabedoria espiritual e por ser um mestre espiritual que atingiu a iluminação no nosso tempo. Sua sabedoria é universal mesmo com os pilares do hinduísmo presentes nela. 

 Sua missão é propagar a "engenharia interior" do Yoga para fornecer ferramentas para a iluminação de outras pessoas no caminho do despertar espiritual. A sua Fundação Isha não tem fins lucrativos e oferece programas de Yoga ao redor do mundo. 


 Recentemente, um vídeo de Sadhguru dançando em êxtase espiritual diante do som de uma flauta ficou famoso:


"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música". Friedrich Nietzsche. 







https://www.youtube.com/watch?v=niKA-ORBV9k



*Yeshe Tsogyal é uma santa tibetana que alcançou a iluminação no corpo de uma mulher. Ela nasceu como uma princesa, mas preferiu os estudos espirituais em vez da vida convencional e do casamento. 

*Clarice Lispector foi uma escritora e jornalista brasileira nascida na Ucrânia. Dentro de uma entrevista, ela falou a célebre frase (a frase da Clarice é interpretada com bom humor e ironia pelos intelectuais e admiradores dela):

  "E só estou triste hoje, porque estou cansada. No geral, sou alegre."


Veja a icônica entrevista que virou meme:





https://www.youtube.com/watch?v=iQD5mzi0LJ4






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