O caderno digital de Tatyana Casarino. Aqui você encontrará textos e poesias repletos de profundidade com delicadeza.









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quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Abraçando nossos belos contrastes internos

                       


  A palavra contraste significa grau marcante de diferença ou oposição entre coisas da mesma natureza, suscetíveis de comparação. Arrisco a dizer que todos nós temos nossos contrastes na personalidade, e é a presença desses traços psíquicos opostos que gera tantos transtornos quando relutamos em aceitar que somos contraditórios, complexos, infinitos e incompreensíveis. 
 O ser humano é complexo, e é essa complexidade que faz com que os consultórios de médicos psiquiatras e psicólogos fiquem lotados de vez em quando. Com todo respeito a esses profissionais da psicologia, mas será que precisaríamos tanto de tratamentos psicológicos se abraçássemos com naturalidade os nossos contrastes?
   Os poetas também são "médicos" da alma humana, porque escrevem com uma sinceridade ingênua e pueril sobre aqueles sentimentos que quase ninguém confessa carregar. Fernando Pessoa, por exemplo, escreveu sob tantos heterônimos, revelando tantos contrastes na alma quanto possível. Se vale a pena revelar nossos contrastes sob o risco de sermos considerados incoerentes e loucos? Tudo vale a pena se alma não é pequena, como já dizia o poeta. Incoerente e louco é quem finge ter uma face só -- cuidado com estes que se dizem certinhos e coerentes demais, porque geralmente há uma máscara pregada na cara deles. 
       Podemos carregar múltiplas tendências dentro de nós, e é isso que assombra os seres humanos. E, por falar em psicologia, Sigmund Freud já dizia que cada pessoa é um abismo e dá vertigem olhar dentro delas. As pessoas fogem de seus contrastes, assumindo uma só face delas e sufocando todas as outras. Não sou psicóloga, mas arrisco a dizer que esse comportamento equivocado de sufocar nossos contrastes pode ser um gatilho para neuroses, depressão e todos os tipos de sofrimentos psíquicos. 
        Temos medo de sermos considerados hipócritas e incoerentes se revelarmos nossos traços ocultos e contraditórios. Mas, na verdade, hipócrita é quem esconde suas contradições e incoerente é quem não aceita a diversidade dentro de si. Temos medo de não sermos amados se revelarmos quem realmente somos com todas as nossas contradições, porém são os nossos contrastes que geram o nosso carisma e despertam a admiração dos outros sobre a nossa beleza interior cheia de colorido e multiplicidade. 

                             

                

                    Você já reparou que as pessoas que você mais admira são aquelas que assumem os seus contrastes? Pode ser aquela atriz de televisão que não gosta da fama e se escondeu dos holofotes em um retiro. Ser atriz e não gostar da fama pode ser contraditório, mas muitos dos seus fãs podem admirar a sua personalidade justamente pelo mistério e pelo contraste que ela expressa. 
            Ou pode ser aquele sacerdote católico que tornou-se famoso, comunicador e até admite gostar de Rock and Roll. Ser um padre famoso pode parecer contraditório, não é mesmo? A vida eclesiástica parece tão distante, reclusa e ascética que a presença de um padre comunicador pode causar espanto e até mesmo gerar duras críticas.
                     Mas, a beleza do contraste é justamente perceber a face humana e próxima dos elementos sensíveis dessas pessoas religiosas. Do mesmo modo que essas pessoas recebem críticas quando assumem as suas contradições, elas também recebem mais admiração, mais elogios e conseguem tocar os corações das outras pessoas de forma mais verdadeira. 
                     As pessoas que mais causam fascinação nas outras não são as pessoas de um traço só -- essas são muito insossas. As pessoas que mais geram fascinação em nós são aquelas que apresentam múltiplos traços de personalidade -- muitos deles até mesmo contraditórios entre si. 
                      Há variados exemplos de contrastes bonitos que podem fascinar: ser conservador e gostar de ouvir Rock, ter cara de mau e coração bom, passar a imagem de uma pessoa metida e ser uma pessoa simples longe dos holofotes, ser vaidosa na hora de se vestir e humilde na hora de tratar o outro ser humano, parecer fútil e ser uma pessoa profunda, passar uma imagem "sex appeal" e ser uma pessoa pura (mas dizem que a pureza pode ser uma fetiche que aumenta o "sex appeal" - risos). 
                   Também posso citar outros exemplos de belos contrastes: parecer orgulhosa e ser caridosa, parecer poderosa e ser uma pessoa simples e religiosa, gostar de tatuagens e não ser rebelde, ser intelectualmente rebelde por trás de uma aparência careta, ser politicamente de direita e ter o melhor amigo de infância na esquerda, ser vegetariana e apaixonar-se por um amante de churrascos, ser devota de São Francisco de Assis e ambientalista e ser apaixonada por um caçador, ser religiosa e amar um namorado virtuoso e ateu, ser evangélico e ser apaixonado por uma católica devota de Nossa Senhora, ser espírita e ser melhor amiga de uma evangélica, ser ateu e amar uma moça mística... 

                      

                 

                   Ah! O amor é ainda mais lindo quando tem contrastes, não é mesmo? O amor, por vezes, nos obriga a ver o mundo de cabeça para baixo, como no Anime "Patema Inverted". E as amizades mais verdadeiras são aquelas construídas ao lado de pessoas bem diferentes de nós. A natureza também é repleta de contrastes: homem e mulher, fogo e gelo, sol e lua, dia e noite, flor e neve, calor e frio, chuva e seca, oceano e deserto e etc. 
                      Além do amor e da natureza, a cultura e a política são cheias de contrastes, e os contrastes são os responsáveis por manter a democracia. Você pode ser artista e flertar com ideias políticas da direita, ser militar e flertar com algumas ideias políticas da esquerda, pertencer às minorias sociais e criticar as próprias bandeiras levantadas por elas quando percebe algo autodestrutivo (ninguém é obrigado a concordar com qualquer bandeira, não é?) ou não pertencer às minorias sociais e defender a inclusão social com unhas e dentes e etc. 
                     Você pode ser uma mulher delicada e gostar de praticar boxe ou ser um homem assertivo e gostar de balé. Você pode ser um militar amante das artes ou um artista com disciplina militar. Você pode ser um militar casado com uma bailarina. Você pode ser humorista e gostar de músicas melancólicas. Você pode ser cético e flertar o seu horóscopo e ser um místico com uma veia cética. Você pode ser um jardineiro simples e, ao mesmo tempo, eloquente e sábio.  Você pode ser delicado e forte ao mesmo tempo. Você pode passar a imagem de doçura e ingenuidade, mas ser um forte sábio. Você pode ser um empresário que gosta de poesias. Você pode ser um capitalista sensível que flerta com o romantismo hippie. Você pode ser advogado e adorar cantar em musicais. Você pode ser médico e dançar Hip-hop. 
                        Você pode ser rico e ser amigo dos pobres. Você pode ser pobre e ter mais elegância do que um rico vestido com grife, porque a sua elegância vem de dentro. Você pode ser alguém sério e ter projetos estáveis na sua vida, mas ser o melhor amigo daquele cara divertido que vive mudando de projetos. Você pode ser workaholic e ser o melhor amigo de um bon-vivant -- ou ainda você pode ser workaholic e ter um lado bon-vivant oculto que extravasa nas festas de fim de semana. Você pode ser delicado e guardar um lado feroz e irado. Você pode ser moralista e fanfarrão, justiceiro e louco, retrógrado para algumas coisas e vanguarda para tantas outras... 

                                

                      

                         Você já notou que as telenovelas, os filmes e os livros que mais fazem sucesso são aqueles que carregam contrastes em seus títulos e nos seus conteúdos? Repare bem nesses títulos: A Bela e a Fera, Chocolate com Pimenta, Anjo Mau, Selva de pedra, O Cravo e a Rosa, Rainha da Sucata, Toda Luz que não podemos ver, Entre o Amor e a guerra e etc. 
                  Somos livres quando abraçamos os nossos belos contrastes internos e encontramos uma unidade e certo equilíbrio entre todos eles. É claro que não podemos ficar contraditórios demais nem fragmentados, mas é possível construir uma unicidade a partir dos diferentes lados dentro do nosso próprio ser. É possível encontrar até mesmo um equilíbrio entre virtudes e defeitos, porque a beleza de uma rosa também está nos seus espinhos. 
                      Assim, ao encontramos uma unidade entre os nossos contrastes, seremos como gigantes catedrais repletas de vitrais bonitos por dentro. É preciso lembrar que a beleza dos vitrais está na união de múltiplos pedaços de vidro coloridos. Vale citar também que a beleza de um prisma está na sua capacidade de separar as diferentes cores da luz, gerando um arco-íris como na icônica capa do álbum da banda Pink Floyd. 

                                     

Vitral no estilo Rosácea dentro de uma Catedral.  


                                      

Álbum de Pink Floyd (The Dark Side of the Moon)

                       

                       E, por falar em Pink Floyd, "we don't need no thought control", ou seja, nós não precisamos que ninguém controle os nossos pensamentos. A verdadeira liberdade é interior. É a liberdade de ser quem verdadeiramente somos com todos os nossos contrastes. É não ter medo de admitir que somos contraditórios, múltiplos, complexos e infinitos. 
                        Liberdade não é sair por aí, circulando nas ruas sem a vigilância dos pais ou viajando pelo mundo para suprir as carências (viajar é ótimo com propósitos, mas o excesso de viagens pode indicar carências). Liberdade é poder pensar o que quiser, crer no que quiser, expressar o que quiser e criar uma nova arte cheia de contradições belas. Liberdade é ser quem você é sem medo de críticas e sem medo do que os outros vão pensar. É poder postar uma "selfie" linda na rede social sem medo de parecer metido ou fugir das redes sociais sem medo de parecer um ermitão. É poder tomar picolé de limão no meio da praça e dançar sozinho na rua sob os olhares dos outros -- sem medo de parecer louco. 

                            

                  

                      Conheço diversas pessoas que, aparentemente, têm muita liberdade de tanto que viajam, saem e caminham sem rumo e sem qualquer vigilância. Mas, na verdade, essas pessoas são carentes, não revelam seus contrastes e têm menos liberdade que os caseiros e os introspectivos. Essas pessoas são presas e não livres, porque, por mais que caminhem livremente pelas praças, não sabem navegar dentro de si mesmas e não têm coragem de expressar livremente os seus contrastes da alma. 
                         Dentro da introspecção, pode haver mais liberdade do que se pensa. A liberdade de crença, a liberdade de expressão e a liberdade de comunicação são tão importantes quando a liberdade de locomoção -- e eu arriscaria a dizer que a liberdade de expressão é até mais importante que a de locomoção pura e simplesmente. 
                A liberdade é uma questão interna. Somente somos verdadeiramente livres quando amamos o nosso interior e admitimos os nossos contrastes. É a liberdade de pensamento que nos dá asas para voar. Para completar esse texto sobre contrastes, uma frase poética e contraditória: somos únicos quando revelamos que somos múltiplos. O motivo disso é simples -- somos autênticos quando admitimos a diversidade de cores e contrastes que habita em nós. Por fim, termino esse texto tão filosófico com uma pergunta e não com uma conclusão taxativa: Quais os contrastes belos e internos que você precisa abraçar para ser mais autêntico, livre e feliz hoje?

Texto escrito por Tatyana Casarino. 

Tatyana Casarino é Especialista em Direito Constitucional, advogada, escritora e poetisa. 

Termino a postagem com uma música cantada por Ney Matogrosso (um artista maravilhoso e repleto de belos contrastes) que transmite a sensação de liberdade do texto:

Balada do louco -- Ney Matogrosso 




"Dizem que sou louco por pensar assim, 
se eu sou muito louco, por eu ser feliz,
mas louco é quem me diz e não é feliz..."

Sim, sou muito louco, não vou me curar,
já não sou o único que encontrou a paz,
mais louco é quem me diz e não é feliz,
eu sou feliz." 

*Link da letra da música:

https://www.letras.mus.br/ney-matogrosso/47717/

*Link do vídeo da música para quem quiser escutar o Ney Matogrosso: 

https://www.youtube.com/watch?v=bgsJtfE8DmY

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