Olá, pessoal! Hoje eu trago um texto muito especial para todos aqueles que também sonham em ser escritores. A postagem mostra dicas valiosíssimas para quem quer se aventurar na escrita de histórias de fantasia. As dicas a seguir foram escritas pelo meu amigo escritor Mateus Ernani Heinzmann Bulow, o qual já conta com vasta experiência literária e dois livros publicados. Boa leitura!
Dicas de Escrita – Fantasia.
Você já quis ser um autor? Não se trata de uma provocação, e
sim uma pergunta honesta. Geralmente, o ímpeto da escrita surge quando nos
impressionamos muito com uma obra, e então surge um pensamento: “Quer saber? Eu
gostaria de fazer algo igual. Talvez ainda maior e melhor”.
Manuais para escritores existem aos montes, porém a maior
parte das orientações raramente passa da atividade da escrita em si, sem haver
foco nos gêneros. Claro, existem exceções à regra, mas elas não deixam de serem
exceções. E mesmo seguindo todas as orientações à risca, nada garante o sucesso
imediato.
Ei, aonde vocês vão? Tudo bem, eu reconheço que trouxe um
aspecto intimidante e desalentador dessa atividade, mas não podemos nos
desanimar tão facilmente. É verdade, às vezes ficamos abismados ao vermos
“aquele (insira xingamento da sua escolha) sem talento”, paparicado pela mídia
e pelos bajuladores de plantão, mas e como vamos iniciar a jornada no mundo da
literatura, se nós começarmos com esse pensamento?
Voltando à pergunta do início, vamos complementá-la: você já
quis ser um autor de fantasia? Não estou na lista dos mais vendidos (ainda),
apesar de possuir dois livros na Amazon e nas livrarias de minha cidade, além
de realizar vendas no Mato Grosso e na Argentina (virei “autor internacional”);
entretanto posso oferecer algumas dicas na escrita, sem o intuito de apresentá-las
como verdades absolutas.
Antes de começarmos, farei uma observação importante: não
entrarei no âmbito da gramática e das regras do português (embora eu imagine
que o aspirante a autor tenha esses aspectos frescos na memória), ou de
práticas de autopromoção e mídia. O objetivo aqui é falar do gênero da
fantasia, e na melhor forma de aproveitá-lo na escrita, com base em seus
elementos típicos. Sem mais delongas, vamos começar!
1-Os Três Pilares da Escrita
Fantástica.
Assim como uma casa é iniciada pelas suas fundações, a
literatura fantástica possui uma base estrutural. Esses três pilares da
fantasia são o Enredo, os Personagens e o Folclore; todas as dicas seguintes
serão influenciadas pela presença desses elementos.
O enredo, grosso modo, trata do rumo dos acontecimentos, incluindo
até mesmo fatos anteriores ao presente estágio da história. Sua comparação
poderia ser a de uma estrada na qual os personagens viajam, deparando-se com
tudo o que for relevante ao desenvolvimento, até alcançarem a conclusão.
Os personagens são como atores de uma peça teatral ou filme,
construindo o rumo dos acontecimentos e fazendo a história ter vida, sem aparentar
um teatro de fantoches ou de marionetes. Nem todos os atos dos personagens
necessitam influenciar diretamente o enredo, e tais ocorrências devem ser
estimuladas pelo autor, a fim de aprofundá-los e tornar suas ações plausíveis.
O folclore, às vezes chamado apenas de “lore”, é o universo
fictício em si, onde o enredo será desenvolvido e os personagens vivem.
Enquanto em outros gêneros o folclore é mínimo ou irrelevante, na fantasia e em
seus subgêneros ele não pode ser desprezado, pois este pilar carrega os aspectos
responsáveis por definir uma obra como tal. O folclore na fantasia pode ser
caracterizado de diversas formas: criaturas mitológicas estranhas, terras
diferentes do nosso mundo, magia, superpoderes, mortos que voltam à vida,
realidades históricas alternativas... Caberá ao autor definir.
Apesar de contarem com igual relevância na fantasia, os três
pilares não costumam receber a mesma atenção. A maior parte das histórias de
fantasia é focada no enredo e nos personagens, enquanto o folclore servirá de
“palco” ou “plano de fundo”; entretanto, alguns autores buscam incorporar maior
atenção ao folclore interno de suas obras, a fim de complementar a percepção de
plausibilidade em seus mundos fictícios.
Essa atenção redobrada ao folclore durante a escrita pode se
tornar uma armadilha para escritores deslumbrados com a própria criatividade, e
aqui eu falo por experiência própria: nem sempre aquele detalhe genial terá seu
espaço em uma história, e a insistência em colocá-lo no livro pode prejudicar
os dois pilares anteriores. A melhor forma de contornar esse obstáculo talvez
seja combinar a apresentação do folclore com o andamento da trama, como fez John
Ronald Reuel Tolkien, autor de O Hobbit e Senhor dos Anéis.
2-Seja direto nas descrições.
Se você pensa em escrever fantasia, inevitavelmente deixará
boa parte do foco sobre aspectos inexistentes em nosso mundo, e que fazem parte
do folclore interno de seu mundo fantástico. Como esses aspectos não são
previamente conhecidos pelos leitores de sua obra, será necessário dar atenção
extra em suas descrições.
Alguém no fundo da sala provavelmente está pensando: “Ora
essa! Todo mundo sabe o que é um dragão!”. Mas e como é esse dragão? Ele anda
sobre duas ou quatro patas? Possui asas, ou não? Qual a cor das suas escamas? A
face dele parece a de um crocodilo, uma serpente, ou um cachorro branco, como
no filme da História sem Fim? O mesmo é válido para edificações importantes na
trama: Quantas torres tem o castelo onde o vilão instalou sua base? Existe algo
estranho na ponte a ser atravessada, causando receio nos heróis?
Uma boa forma de treinar descrições é colecionando figuras de
monstros, castelos, ruínas, cenários e outros elementos típicos da fantasia.
Observe as imagens e tente descrevê-las em um parágrafo de quatro a cinco
linhas, deixando o foco nos aspectos mais chamativos, dignos de nota, e
cortando detalhes irrelevantes. Cenas de filmes de fantasia também podem servir
de referência a autores, ao descreverem ações de personagens.
Os personagens relevantes à trama também necessitam boas
caracterizações, de preferência nas primeiras cenas deles, embora alguns
autores gostem de quebrar essa regra e não dar nenhuma descrição física, ou
apenas demonstrá-las perto do final, como é o caso do americano Robert Anson
Heinlein, autor de Tropas Estelares. Entretanto, se o leitor tiver uma visão
razoável da aparência do protagonista, será mais fácil retratá-lo movendo-se, lutando,
se esgueirando por espaços estreitos, etc...
Contudo, ponderação é bem vinda, pois não é necessário dar
todos os detalhes físicos de um personagem. Se você descrever o protagonista
como um rapaz alto de pele bronzeada, com cabelos curtos e negros, já parece
meio caminho andado, não é verdade? Detalhes extras, tais como a cor dos olhos,
a vestimenta, cicatrizes e afins, podem ser adicionados mais tarde; porém é bom
deixar o leitor imaginar personagens e não exagerar detalhes nas descrições.
3-Sempre existe uma pessoa
antes do Herói.
É comum o autor imaginar o protagonista antes de todos os
outros personagens ao conceber uma história. Obviamente, existem tramas
complexas sem um único protagonista, caso de Guerra dos Tronos; mas para
autores iniciantes, o mais recomendável seria fazer histórias centradas no ponto
de vista de um personagem, e ir modelando o restante de acordo com esse passo
inicial.
Nada impedirá que o protagonista possa ser concebido ao lado
do folclore interno ou da trama, pois esta é uma forma interessante de
estabelecer limites iniciais, e então seguir com elementos posteriores. No meu
primeiro livro, chamado Taquarê – Entre a Selva e o Mar, criei o protagonista e
a ambientação em torno de uma ideia básica: a história teria de se passar em um
Brasil inspirado nas criaturas mitológicas do folclore, e o antagonista seria
outra nação rival; o enredo, por sua vez, seria desenvolvido seguindo esses delimitadores.
Um ditado antigo afirma que mesmo o mais poderoso guerreiro surgiu
como um bebê indefeso, e este pensamento é importante ao modelar o herói.
Obviamente, isto não significa começar a história logo após o nascimento do
protagonista, e sim demonstrar o que ele fazia antes do chamado da aventura.
Ele vivia sozinho, ou com parentes ou amigos? Qual era sua profissão ou
ocupação, e como esta forma de ganhar a vida influenciará na jornada? Quais
eram seus sonhos e aspirações, antes de sua vida dar uma guinada brusca?
Esses detalhes são importantes para tornar o herói mais
palpável, e são bem vindos ao se desenvolver outros personagens relevantes para
a história. Entretanto, não tente fazer históricos únicos para todos eles; é
necessário balancear o seguimento da trama com a atenção dada a cada
personagem, buscando não prejudicar nem um nem outro.
4-Excesso de personagens? Hora
de unir alguns deles em um único personagem!
Se os leitores passaram pela minha análise do livro Vera Cruz
– Sonhos e Pesadelos, nesse mesmo blog, talvez lembrem que eu critiquei o
excesso de personagens, quase todos baseados em estereótipos rasos. Os
arquétipos não são necessariamente ruins, porém eles servem como ponto de
partida ao elaborar personagens, e não compõem todo o trajeto; é preciso dar um
passo além na concepção.
Não existe um número fixo de personagens em um romance de
fantasia, porém o autor deve fazer um balanço da influência deles na trama, e então
decidir quais são mais importantes ou irrelevantes. Mesmo assim, pode ser uma
decisão difícil para alguns autores, especialmente quando não conseguem se
decidir entre cortar apenas um ou então vários personagens do enredo.
Felizmente, existem alternativas interessantes. Uma delas é
unir as características mais relevantes de um personagem com outro, ou mesmo
mais de três deles, a fim de conceber outro personagem. Não é necessário construir
uma amálgama perfeita, e é melhor nem tentar fazer isso; uma construção natural
envolve balancear as características mais condizentes com o novo personagem que
aparecerá, a fim de tornar o mesmo plausível.
Para quem deseja fazer uma fusão envolvendo mais de dois
personagens, seria vantajoso começar aos poucos. Por exemplo: você quer fundir
três deles de uma vez, porém não sabe quais características individuais
deveriam ser combinadas; o melhor seria unir dois personagens por vez, até
alcançar o resultado desejado. Existe um meme sobre essas junções, chamado
“Hexafusion”; procure pela internet, e logo você encontrará fusões
surpreendentes (algumas delas hilárias) de personagens famosos.
5-Busque informações sobre o
tipo de terreno que será apresentado.
Chega de falar nos personagens, ao menos por enquanto. Nossa
próxima dica é muito importante para os autores interessados em fazer mundos
fictícios ou retratar longas jornadas em terras inóspitas, e provavelmente
despertará aquele cartógrafo amador dormente em cada amante da fantasia (não se
esconda, eu sei que você está aí!).
Em algumas obras, o próprio cenário parece um ator, dada a
sua relevância no enredo e no desenvolvimento dos personagens, pois uma longa e
dura jornada molda o caráter de muitas pessoas. Mas o cenário de nada servirá
na jornada se não receber uma boa retratação. Não é necessário ser um geólogo
ou cartógrafo para fazer um cenário/terreno convincente na fantasia, mas uma
dose razoável de pesquisa é bem vinda.
Vamos pegar um exemplo básico: imagine que os personagens
necessitam atravessar um vasto deserto. Não basta apenas citar a areia, afinal
mesmo os desertos possuem suas diferenças; o Saara, na África, não é igual ao
Atacama, na América do Sul, ou ao Gobi, na Mongólia e na China. Como é a
vegetação, caso ela esteja presente? Que animais e perigos aguardam pelos
personagens? E se um dos personagens for nativo desse deserto, deverá ser
destacada a resiliência dele frente aos obstáculos do deserto, em comparação
com seus parceiros desacostumados à aridez.
Alguns autores gostam de ir mais além ao construírem seus
mundos de fantasia, e pesquisam aspectos avançados na geografia, tais como
movimentos das placas tectônicas, efeitos das montanhas no surgimento de
desertos e deslocamento de geleiras; outros se inspiram na arquitetura de
cidades existentes para construírem localidades fictícias similares. Esse
preciosismo é uma forma excelente de tornar o cenário fictício mais plausível,
porém nada impede o autor de fazer uma montanha solitária no meio do nada e
afirmar que ela está ali devido a uma decisão dos deuses desse mundo, ou
“porque um mago assim o quis”.
Todos esses detalhes na construção do cenário ajudam a
fortalecer os três pilares da fantasia: o enredo seguirá enquanto os
personagens se tornarão mais fortes, após superarem os obstáculos; a descrição
do cenário atravessado, por sua vez, irá complementar o folclore de seu mundo
fictício. Com os três pilares trabalhando juntos (não necessariamente de forma
equitativa), mais coerente o seu mundo fictício ficará.
6-Donzela em perigo? Faça
valer a pena!
Voltando às personagens, entraremos em um ponto que se tornou
polêmico, porém continua tão intimamente ligado à fantasia heroica que se
tornou difícil ignorá-lo. A figura da donzela em perigo vem desde a
antiguidade, sendo contestada por diversos motivos; entretanto, aqui deixaremos
de lado a visão pós-moderna feminista, concentrando-nos na construção do enredo
e das personagens.
Em diversas histórias, percebemos que as donzelas em perigo não
passam de artifícios para mover o enredo, ou ao menos para motivar o herói. Não
afirmo que deveríamos riscá-las de vez dos enredos, e sim ponderar sobre seu
papel na construção da trama. Faça um teste: quantas personagens femininas em
obras de fantasia poderiam ser substituídas por objetos (pedras mágicas,
amuletos e afins) roubados pelos vilões, sem ocorrer prejuízo no enredo? Se
elas forem inexpressivas na trama, é o mais sensato a se fazer, até para evitar
o excesso de personagens desinteressantes.
O problema de caracterização costuma ser evitado quando a
personagem é criada pelo autor antes da situação na qual ela precisará ser
resgatada, ou se o leitor a conhece antes de assumir a condição de donzela em
perigo na trama. Em tramas onde o resgate dessa donzela é o ponto principal do
enredo, é possível dividir a história em dois núcleos, sendo um deles o dos
heróis indo salvá-la e o outro focado na prisioneira e suas agruras; este
segundo núcleo pode servir como uma oportunidade perfeita para desenvolver os
vilões, mostrando sua base, seus exércitos, objetivos, etc...
É possível aumentar a importância da donzela no enredo, de
diversas maneiras: que tal uma princesa que escapa sorrateiramente da prisão,
enquanto heróis e vilões digladiam? Ou então uma garota que seduz o vilão, a
fim de arrancar segredos dele, e contá-los aos heróis mais tarde? A fantasia é
tão ampla que permite alternativas interessantes para a mocinha em perigo se
destacar. Por exemplo: a princesa foi induzida a um sono profundo pela magia do
vilão, e trancafiada em um cristal gigante? Sem problemas! Ela é uma feiticeira
que consegue viajar pelo mundo dos sonhos, e se comunica com o herói quando ele
dorme.
Se preferir o caminho tradicional, com a mocinha indefesa
sendo salva pelo herói, apenas vá em frente. Não tenha medo de usar esse
arquétipo, mesmo se aparentar clichê, ou se alguém o acusar de “diminuir a
figura da mulher”, até porque essas possibilidades no resgate também são válidas
para autores que preferirem usar homens em situação de perigo, no lugar das
donzelas. O diferencial aqui está em tornar essa personagem relevante, bem como
sua captura na história.
7-Vilões Discretos São
Assustadores.
Eu não usei letras maiúsculas em todas as palavras da sétima
dica à toa. Antagonistas nem sempre são necessários ao desenrolar de uma
história de fantasia, mas são raras as obras sem alguma forma de obstáculo com
capacidade de raciocínio; mesmo histórias focadas em sobrevivência costumam ter
predadores irracionais, porém inteligentes, ameaçando os heróis durante suas
jornadas.
Assim como o nosso Código Penal descreve inúmeros crimes em
espécie, existem diversos vilões na fantasia: temos o chefe dos ladrões ou dos
piratas, o conquistador bárbaro truculento, o conselheiro real que é o
verdadeiro “poder por trás do trono”, o feiticeiro morto-vivo vingativo, entre
outros malfeitores. Ao lado do herói, o vilão costuma ser o segundo personagem
a ser concebido pelo autor, e formular uma lista de possíveis “profissões” para
o antagonista de sua história pode servir como ponto de partida.
Na construção do antagonista, alguns aspectos dos filmes de
terror podem ser úteis: uma criatura de rara aparição, porém ainda ameaçadora,
é mais eficiente que um sujeito bufante de risada histriônica, pela simples
dificuldade da primeira opção cair no ridículo como a segunda. Estudar o
comportamento de criminosos e psicopatas famosos também pode auxiliar o autor,
ainda mais quando se percebe que os mais terríveis nesse “ramo” costumam falar
pouco e manipular seus alvos, muitas vezes se passando por amigos.
O estereótipo mais comum dos vilões da fantasia ainda é o “Lorde
das Trevas”, um personagem sem bondade alguma e capaz dos piores atos em nome
dos seus objetivos. Entretanto, minha dica para quem busca ser original é fugir
desse arquétipo, ou temperá-lo com aspectos únicos, a fim de torná-lo mais
realista e complexo. Vale até mesmo procurar exemplos reais de grandes
conquistadores históricos e seus feitos; se quiser, passe por uma lista que
publiquei neste blog, baseada no estereótipo, com os 10 Tiranos históricos que
seriam bons Vilões da Literatura.
Outra sugestão para o autor desejoso de fazer um “Lorde das
Trevas” diferenciado trata-se de uma lista bem humorada disponível na internet,
chamada “Evil Overlord List” (literalmente, “Lista do Lorde Maligno”), onde são
discutidos diversos clichês comuns a estes personagens, tais como ficar parado
no trono e só partir para o combate quando todos os capangas foram derrotados,
ou então forçar a donzela em perigo a se casar em uma cerimônia pública, um
alvo fácil para os heróis. Não é necessário se opor a todos os clichês
presentes na “Evil Overlord List”; escolha cinco ou seis dos aspectos, e busque
fazer algo diferente.
8-Não explique toda a magia.
À primeira vista, essa dica parece incongruente, ao se tratar
de histórias de fantasia, ainda mais ao tocar um assunto fundamental em sua
caracterização. Por “magia” nessa dica, entenda tudo o que for estranho e fora
da realidade, porém único à história, além de ser citado previamente no
folclore interno.
Como já falamos bastante no folclore interno como elemento
importante na história, não irei me encompridar aqui, e comentarei apenas as
consequências de explicar tudo no caminho. Cada regrinha extra em seu universo
ficcional também serve de limitador à sua criatividade, assim como uma cerca em
torno de um terreno; o mesmo elemento delimitador que serviu de ponto de
partida não pode ser utilizado para definir toda a história e seu
desenvolvimento.
Obviamente, surgirão situações na qual será necessário
explicar algumas regras do mundo fictício, sem escapatória. Mesmo assim, é
possível seguir a mesma metodologia das outras dicas, aplicando o velho bom
senso. Quais aspectos fantásticos são mais relevantes aos três pilares da sua
obra? Eles necessitam ser explicados? Revelar a natureza deles prejudicaria a
escrita, ou não?
Embora eu utilize a palavra “magia” para todos os aspectos do
folclore interno, farei uma observação mais literal, aqui: delimitar regras
para o controle da magia nem sempre acaba bem. Muitas vezes, o autor insiste em
misturar aspectos científicos na concepção de seus bruxos e feiticeiros,
causando uma estranheza fenomenal e certa artificialidade. Apesar de soar
arbitrário, serei categórico: explique o que for necessário para o andamento do
seu mundo fictício, porém evite explicar a magia em si.
9-Faça linguagens adequadas a
cada personagem.
Antes que alguém se levante e faça objeções, quero deixar
claro que esta dica não se trata de criar idiomas novos, como fez Tolkien,
Frank Herbert (autor da série Duna), entre outros escritores, mas não vejo nada
de errado em quem desejar fazê-lo. Por “fazer linguagens adequadas a cada
personagem”, eu me refiro a escrever os diálogos de forma convincente, conforme
o histórico e plano de fundo disponível sobre eles.
Um aspecto comum da literatura fantástica é a presença de
muitos personagens com histórias passadas diferentes entre si, vendo-se
obrigados a montar uma equipe. Experiências de vida moldam não apenas o
caráter, como também a linguagem: um guerreiro bárbaro não terá o vocabulário
de um cavaleiro nobre; um bruxo nascido e criado em um lugar ermo, longe da
civilização, não se comunicará com a formalidade de um rei.
À primeira vista, criar vocabulário diferenciado pode soar difícil,
porém é mais simples que se imagina. Pessoas de origens modestas costumam falar
de forma direta, e raramente soltam expressões como “porvir”, “gorjeio”,
“veemência” e “triênio”. Não estou afirmando que estes indivíduos são
ignorantes, e sim apontando um fato; e se a história se passa durante a Era
Medieval (ou num mundo fantástico inspirado nesse período), pode ter certeza
que a diferença de linguagem entre nobres e plebeus será ainda mais acentuada.
Entretanto, a linguagem deve servir ao personagem, e não o
contrário. Digamos, por exemplo, que o protagonista é um caçador rude vindo das
terras montanhosas, em busca de serviço como mercenário nas tropas de um reino
civilizado; o destino acaba aproximando-o da filha mais velha do rei, uma
leitora contumaz, e ambos absorvem traços um do outro: o “bárbaro” aprende a
gostar de ler, buscando falar de forma mais polida perto da princesa, enquanto
ela utiliza menos formalidade ao lado dele. Essas mudanças graduais nas
linguagens dos personagens são excelentes para demonstrar o crescimento deles.
Na escrita da fantasia é comum ver dois vícios nos diálogos
dos personagens mais humildes: uso frequente de erros propositais de ortografia
e xingamentos. Evite o primeiro, e seja moderado no segundo. Retratar gente mais
humilde falando errado é um método preguiçoso, ainda mais se considerarmos as
dicas aqui apresentadas... E para os palavrões, sugiro deixá-los para ocasiões
nas quais seu uso é compreensível, como quando um monstro horrível aparece
diante dos heróis, ou quando um personagem está muito irritado.
10-Música para auxiliar na
Escrita.
Essa dica é um tanto pessoal, ao menos em comparação com as
anteriores, mas se funciona comigo, talvez ajude outras pessoas, além de ser a
instrução mais fácil de seguir. Apenas escolha uma música para cada situação, e
vá em frente! Tudo bem, não é tão simples assim... Existem músicas que servem
para situações específicas, e nem sempre aquela trilha inesquecível de Sandy
& Júnior, dos Beatles, do Nirvana ou do Mano Lima caberá com o que você
deseja escrever.
Essa é uma das razões pela qual eu prefiro usar trilhas
sonoras de videogames e filmes, geralmente desprovidas de letras cantadas.
Tentar escrever e ouvir palavras ao mesmo tempo pode ser desconcertante para
algumas pessoas, porém o mesmo não ocorre quando a música possui apenas ritmo.
Quando o ritmo de uma trilha sonora encontra sua mão empunhando o lápis, ou
então o dedilhar sobre o teclado do computador, uma estranha e deliciosa
harmonia toma controle de sua criatividade... Claro, não é exatamente isso o
que ocorrerá, mas vocês entenderam o recado.
Resta ainda uma dúvida: como escolher a trilha sonora
adequada para cada situação? Pessoalmente, prefiro apanhar trilhas de games em
comparação com músicas de filmes, por estas serem mais “enérgicas” e ligeiras.
Músicas de jogos de RPG são boas pedidas, pois estes são games que costumam
investir pesado na emoção, mesmo com gráficos simples e mecânicas limitadas. Um
exemplo é a trilha sonora logo abaixo, do game Octopath Traveler, na qual se
percebe uma aura de aventura, jornada, descoberta e deslumbramento:
O mais adequado ao procurar uma música para a escrita é
tentar mais de uma delas, até encontrar “aquela” perfeita, moldada ao seu
estilo de prosa. Se o seu estilo é mais sombrio ou macabro, trilhas sonoras
assustadoras farão mais o seu estilo. Confira abaixo a música principal do game
The House of the Dead, um clássico dos arcades:
Além de retratar aventuras e momentos tensos, uma boa
história de fantasia deve conter momentos mais calmos, a fim de deixar os
personagens (bem como os leitores) se aliviarem por algum período de tempo.
Geralmente, as músicas mais calmas em games de RPG pertencem às cidades e
vilas, lugares onde os aventureiros se reúnem antes de se prepararem para a
próxima etapa da jornada. Como exemplo, temos a trilha da cidade de Rynoka, do
jogo indie (produção independente) Moonlighter:
Não existem limites para a escolha da trilha sonora. Se
quiser, misture trilhas de games e filmes até atingir um resultado desejado, e
deixe a criatividade aflorar! Para terminar essa lista, deixo vocês com a
música do amuleto AURYN, do filme A História Sem Fim, inspirado no livro Die
Unendliche Geschichte, do autor alemão Michael Ende. Essa música serviria de
inspiração para a trilha principal da série RPG Final Fantasy, lançada em 1987,
três anos após o filme da História Sem Fim (impressionante como diferentes
mídias influenciam uma às outras, não é mesmo?):
Trilha de Final Fantasy, para efeitos de comparação:
E agora que terminamos com as dicas... O que está esperando?
Apanhe seu lápis e caderno (ou laptop) e ponha a criatividade para funcionar!
Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bulow.
*Mateus, o escritor da postagem, é gaúcho da cidade de Santa Maria/RS, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor, poeta e autor dos livros "Taquarê -- Entre a Selva e o Mar" e "Taquarê: Entre um Império e um Reino".
*Imagens dos livros citados:
*Link do primeiro livro do Mateus no Skoob:
*Confira todas as postagens do escritor no blogue:
*Sobre o primeiro livro do Mateus:
*Sobre o segundo livro do Mateus:
*Se você gostou deste texto, você também poderá gostar dos seguintes textos do Mateus:
*10 Governantes Tirânicos que poderiam ser vilões da Literatura:
*10 Casais da Mitologia
*10 Princesas dos Videogames:
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