Olá, pessoal! Hoje eu trago mais uma postagem repleta de conteúdo histórico e cultural escrita pelo meu amigo escritor Mateus Ernani Heinzmann Bulow. Trata-se de uma lista com 10 casais reais que marcaram a história mundial (e do Brasil também).
Meu amigo escritor, além de ser Bacharel em Direito, possui vasto conhecimento de História (minha matéria predileta nos tempos do colégio) e traz nesse texto informações que você, leitor, dificilmente encontraria em seu material didático ou nos livros de História comuns.
Algo que me chamou bastante atenção no texto foi o fato dos princípios de certos direitos das mulheres estarem presentes em tempos bem antigos da História (eles não nasceram repentinamente de "revoluções" ou do feminismo da idade contemporânea como ensinam os livros do ambiente acadêmico). Talvez as mulheres não foram tão oprimidas ou desconsideradas pelos tempos pretéritos de nossa História como afirmam alguns filósofos.
Não há dúvidas de que as mulheres sofreram várias violações de sua integridade física, psíquica e sexual ao longo da História, mas rainhas e imperatrizes poderosas também tiveram suas vozes respeitadas no passado e diversos direitos das mulheres já despontavam ainda que tímidos...
Gosto de ouvir contrapontos e ler diversas fontes históricas diferentes para evoluir os meus conceitos culturais. Confesso que já escrevi textos e até artigos científicos afirmando que as mulheres foram oprimidas no passado, porém hoje olho para a História como um panorama muito mais complexo (além de ter me decepcionado com o discurso feminista).
A História não é uma linha do tempo clara e inequívoca, mas um mosaico complexo de avanços, retrocessos, guerras e paixões. E, por falar em guerras e paixões, as duas forças motrizes da sociedade, o texto abaixo evidencia bem como essas forças trabalharam lado ao lado em nossa História. Vale ressaltar que, no livro Por que a Guerra, Diálogos entre Einstein e Freud, já foi afirmado que Eros e Thanatos, os instintos de vida e morte respectivamente, guiam o ser humano.
Se está curioso para mergulhar em "Contos de Fadas" da realidade, leia o texto até o fim (garanto que você vai adorar cada detalhe e enriquecer o seu conhecimento de História).
10 Casais da Realeza.
Quando se fala a respeito dos
casamentos em famílias reais, geralmente duas imagens aparecem na mente: a
primeira é idealizada, baseada em histórias de contos de fadas, com os noivos
felizes no altar. A segunda destaca o fato de estes casamentos serem arranjados
entre famílias reais, não partindo da vontade dos noivos, muitas vezes
condenados a conviverem ao lado de alguém com a qual não simpatizam (embora
geralmente se enfatize mais a infelicidade da noiva que do noivo).
Na verdade, os casamentos da realeza não diferem muito dos
matrimônios “comuns”, com seus desafios, dificuldades e momentos que apenas o
entendimento mútuo pode levar adiante. Não foram raros os exemplos de príncipes
e princesas que começaram mal após o matrimônio, porém evoluíram de forma
positiva, enquanto se conheciam melhor e aprendiam a lidar com suas diferenças,
muitas vezes cobrindo os pontos deficientes um do outro.
Uma prova do fascínio dos casamentos reais é bem recente: o
leitor pode não ser um defensor da monarquia como forma de governo, mas
certamente prestou atenção nos dois casamentos reais mais recentes no Reino
Unido, ou ao menos cruzou com notícias a respeito. Esses eventos da realeza são
tão importantes que chegam a movimentar a economia britânica e impulsionar serviços
em hotéis, com suas vagas prestes a serem ocupadas por visitantes ávidos pelas
novidades na Família Real Britânica.
Foi pensando nessas duas visões e na influência dos
casamentos reais na história do mundo que fiz nessa lista, cuja realização
deveria ter ocorrido por volta de junho, para acompanhar as festividades do Dia
dos Namorados, no entanto foi substituída pelos 10 Casais da Mitologia. Aqui
veremos monarcas de reinos rivais, alianças estratégicas e até alguns plebeus
alcançando o trono enquanto lutam por seus amores. A lista também seguirá uma
ordem cronológica, indo do início da Era Medieval até o final do Século XIX.
Boa leitura!
1-Justiniano e Teodora.
Nosso primeiro casal viveu
nos primórdios do Império Bizantino, também chamado Império Romano do Oriente,
e apesar de serem os governantes mais célebres da primeira grande nação cristã,
ambos tiveram origens humildes: Justiniano era criador de porcos e Teodora era
uma atriz de teatro em Constantinopla, a capital bizantina. O tio de Justiniano
era um general chamado Justino (pouco criativos os nomes dessa família, hein?),
e assumiu o controle do Império Bizantino, tornando-se o Basileus (Imperador). Nessa
época, Justiniano e Teodora se encontravam com regularidade, e Justino revogou
uma lei proibindo o matrimônio entre nobres e plebeus. Após a morte de seu tio,
Justiniano assumiria o trono em 527.
Justiniano e Teodora governariam juntos o Império, e a
influência da Imperatriz era tão grande que ela possuía seu próprio selo, até
então reservado apenas aos Basileus. Uma das maiores realizações de Justiniano
durante esse período foi o Corpus Juris Civilis, que se tornaria a base do
Direito e da jurisprudência latina, influenciando o Direito moderno. Um aspecto
interessante do Corpus Juris Civilis era a atenção especial às mulheres, com
penas mais severas para estupros e prostituição forçada, bem como a
obrigatoriedade de deixar rés femininas sob a tutela de oficiais mulheres, para
prevenir abusos.
O reinado de Justiniano foi
recheado de guerras contra os Persas, os Vândalos e os Ostrogodos, porém nenhum
desses conflitos foi tão perigoso quanto a Revolta de Nika, iniciada por uma
briga de torcidas fanáticas durante uma corrida de carruagens (torcida
organizada é sinônimo de encrenca desde sempre...). Incitados por senadores
dispostos a derrubar Justiniano, os rebeldes exigiram a renúncia do Basileus,
mas Teodora encorajou o esposo a resistir às massas, e em pouco tempo a revolta
foi dissipada.
Os últimos anos do reinado de Justiniano e Teodora seriam
focados na administração do Império, com a construção da Igreja de Hagia Sofia
(transformada em mesquita pelos turcos otomanos, em 1453) em Constantinopla, e
a vistoria das atividades públicas e jurídicas, com vistas a combater a
corrupção e a burocracia. Durante esse período, Teodora ficou célebre por
libertar mulheres escravizadas em províncias afastadas ao pagar resgates, e
ainda foi capaz de instruir essas prisioneiras a buscarem seu próprio sustento.
Algumas até virariam monjas.
A causa da morte de Teodora aos 48 anos de idade nunca foi
especificada, porém a suspeita mais comum entre os historiadores aponta para um
câncer de mama. Justiniano morreria vinte anos depois, transformado em um homem
amargo, taciturno e profundamente religioso, marcado tanto pela morte da
Imperatriz como por seus fracassos ao tentar reerguer a glória de Roma
novamente. Assim como seu antecessor, Justiniano teria um sucessor em seu
sobrinho, Justino II.
2-Harald Fairhair e Gyda Eiriksdatter.
Seguindo até as terras
geladas da Escandinávia, encontraremos um romance que daria origem a uma nação,
mais precisamente a Noruega. Até o século IX, não existia uma Noruega unificada,
e sim um grande número de reinos vikings independentes e desconfiados entre si,
cuja fé oscilava entre os antigos cultos pagãos nórdicos e um tímido
cristianismo nascente. As guerras entre esses reinos minúsculos ocorriam com
frequência, bem como tênues alianças formadas por meio de matrimônios.
Um desses reis se chamava Harald, líder da região de
Vestfold. Após fazer um acordo com Eirik, o rei de Hordaland, Harald conheceu
sua única filha, Gyda Eiriksdatter (literalmente, “Filha de Eirik”). O monarca
de Vestfold logo se apaixonou por ela, com a intensidade e fervor da qual
apenas os vikings são capazes... No entanto, a princesa afirmou que apenas se
casaria quando Harald “se tornasse o rei de toda a Noruega”.
Em um misto de fúria e
determinação, Harald fez uma dura promessa a si mesmo: ele não cortaria nem
pentearia seus cabelos loiros, enquanto não derrubasse todos os reinos ao redor
de Vestfold e se tornasse o único rei em pé. A partir de então, Harald seria
conhecido como “Fairhair” (literalmente, “cabelos vastos”) por seus numerosos rivais,
e estes logo aprenderiam a temê-lo em combate.
O juramento levaria dez anos para ser cumprido, e o ápice
dessa jornada ocorreu na batalha de Hafrjord, em 872, onde até Eirik lutou
contra Harald Fairhair, sendo derrotado (não ficou bem claro se o sogro dele
foi poupado ou morreu). Como prova do cumprimento de sua promessa, Harald
finalmente cortou os cabelos e os enviou para Gyda, que concordou em se casar
com ele.
A veracidade dessa história de amor e violência é vista com grande
desconfiança por muitos historiadores modernos, pois os relatos mais antigos de
Harald e Gyda datam do século XII, trezentos anos após a unificação promovida
pelo rei de cabelos compridos. No entanto, os noruegueses ainda consideram
Harald Fairhair o herói fundador de seu país, e no local onde ocorreu a batalha
decisiva de Hafrjord existe uma escultura de três espadas enormes em honra a
este marco fundador.
3-Tamara da Geórgia e Davi
Soslam.
Seguindo ao Oriente Médio,
chegaremos às montanhas do Cáucaso, um caldeirão fervente de culturas e fés.
Durante o século XII, o reino da Geórgia era um enclave cristão cercado de
reinos muçulmanos, governado por uma rainha dura, porém justa, chamada Tamara.
Seu esposo era um general chamado Davi Soslam, e boa parte das conquistas do
longo reinado de Tamara se devem a este estrategista e comandante.
Davi seria o segundo esposo de Tamara, que já havia se casado
com um príncipe chamado Yuri Bogolyubsky, vindo das terras geladas de Rus
(atuais Rússia e Ucrânia). No entanto, ao descobrir uma intriga palaciana envolvendo
Yuri, Tamara o expulsou da Geórgia. Davi foi reconhecido por sua liderança em
batalha, e durante a tentativa de golpe movida por Yuri, sua participação foi
decisiva ao comandar unidades avulsas do exército real georgiano contra as
forças armadas privadas dos aristocratas que se uniram ao príncipe de Rus.
Em teoria, Davi e Tamara
reinavam em conjunto, mas na prática o general ainda era um subordinado direto;
no entanto, ele possuía grande influência sobre as decisões da rainha, estimulando-a
a investir mais nas forças armadas, pois essa era a única forma do pequeno
reino da Geórgia ser respeitado por seus vizinhos, maiores e mais populosos.
Todas as campanhas contra os inimigos muçulmanos ocorreram sob a liderança de
Davi, especialmente contra os turcos e os persas. Outro grande feito de Tamara
e Davi foi o estabelecimento de reinos cristãos aliados na Armênia e em
Trebizonda (norte da Turquia).
O casamente de Tamara e Davi resultaria em dois filhos: um
menino chamado Giorgi e uma menina com o nome de Rusudan. Davi Soslam faleceria
subitamente em 1207, após outra guerra bem sucedida contra os turcos ao sul,
enquanto Tamara passaria seus últimos anos governando ao lado do filho, até
morrer em 1213. Desde aquela época, os russos contavam histórias sobre uma
rainha guerreira cristã, vencedora de muitas guerras contra os persas, os
turcos e os bizantinos.
O reino da Geórgia teria
mais alguns anos tranquilos, até uma devastadora série de invasões mongóis,
dividindo a nação em vários reinos e principados independentes até a anexação
pela Rússia no século XIX, e a independência plena viria apenas com o fim da
União Soviética, em 1991. Curiosamente, a monarquia possui grande estima entre
a população georgiana atual, e muitos cidadãos são favoráveis ao seu retorno,
apesar do longo período sob a república (ou talvez justamente por isso...). Os
herdeiros imediatos do trono georgiano são descendentes diretos da dinastia
Bagrationi, a mesma da qual Tamara fazia parte.
4-Temudjin (Genghis Khan) e Börte.
Indo mais ao leste,
encontraremos uma terra inóspita, fria e dura, habitada por um povo rude e
igualmente duro: os nômades mongóis. Quem poderia imaginar que uma longa
história de amor e fúria daria origem a um dos maiores impérios da história da
humanidade (duas vezes o tamanho do Brasil!), construído durante o reinado de
apenas um homem? Temudjin, o futuro Genghis Khan, nasceu em uma época recheada
de conflitos, onde os mongóis estavam divididos em um mosaico de tribos e clãs
rivais.
Quando tinha nove anos, Temudjin e seu pai, Yesugei, foram ao
clã Merkita para escolherem uma esposa. No caminho, eles pernoitaram no
acampamento de um clã aliado chamado Onggirat, e Temudjin se apaixonou por
Börte. O menino pediu ao pai para praticar a escolha de esposas ali, mas ao
invés de apenas praticar a escolha, escolheu oficialmente Börte como sua noiva.
No retorno, Yesugei, foi envenenado por membros da tribo dos tártaros.
Depois de casar-se com Börte,
Temudjin seguiu com ela por um caminho incerto, até que um dia os dois foram
encontrados por um grupo de merkitas comandados por Chitedu, desejoso da esposa
de Temudjin como vingança por uma ofensa antiga de Yesugei. Temudjin reuniu
alguns homens e foi até Jamukha, um amigo de infância que mais tarde se
tornaria seu maior rival (para saber mais sobre Jamukha, leia o texto “10
Governantes Tirânicos que dariam Bons Vilões da Literatura”, feito pelo mesmo
autor), para resgatarem sua esposa.
Após o duro combate com os Merkitas, Temudjin consegue
resgatar Börte, porém ela engravidou de um captor. Ao invés de matar a criança,
como era o “habitual” nas estepes, o rude guerreiro decide assumir o menino,
que ganha o nome de Jochi. Apesar da nossa visão tradicional (não totalmente
errada, é verdade...) de Genghis Khan como um monstro brutal e sanguinário, ele
estipularia muitas mudanças benéficas para o seu povo, proibindo sequestros de
mulheres, como ocorreu com sua mãe e com Börte, e assassinatos de
recém-nascidos nascidos fora dos clãs.
A cada vitória dos mongóis, Genghis Khan expandia seu império
e formava alianças com outras nações por meio de casamentos. No auge do Império
Mongol, o Grande Khan possuía cinquenta mulheres, vindas de lugares tão
distantes quanto a China, a Coreia e a Pérsia, e sua descendência se espalhou
pela Ásia e Europa: hoje, um em cada duzentos humanos descende diretamente de
sua linhagem. No entanto, Genghis Khan nunca permitiu outra mulher tomar o
lugar de Börte, tanto na sua condição de imperatriz dos mongóis como em seu
coração, e ela sempre ficava responsável pelo trono quando o imperador mongol
partia em suas campanhas.
Obs: a primeira imagem faz
parte de um filme chamado “Mongol”, produzido na Rússia, em 2007. Esse filme
trata do início da vida de Temudjin e sua ascensão como Genghis Khan.
5-Hongwu e Ma Xiuying.
Seguindo com a lista, vamos
para o outro lado da Grande Muralha, na China, onde outro líder improvável
fundaria outro império improvável, porém majestoso, com ajuda de uma mulher
determinada e de pulso firme. Os últimos anos do domínio mongol na China seriam
marcados pela ascensão de Zhu Yuanzhang, o futuro imperador Hongwu, criador da
Dinastia Ming, uma das casas reais mais poderosas da China. Não à toa, “Ming”
em chinês significa “Brilhante”.
Zhu era o filho caçula de uma família de agricultores pobres,
e viu seus pais e irmãos morrerem de fome, com exceção de um único irmão. Para
sobreviver, Zhu virou noviço em um mosteiro budista, aprendendo a ler e
escrever com os monges nesse período. Essa relativa estabilidade não duraria
muito tempo, pois o monastério seria destruído durante um ataque mongol.
Enfurecido, Zhu se juntou a um dos muitos bandos rebeldes chineses, e logo
virou um dos comandantes mais capacitados; foi durante esse período que ele
conheceu Ma Xiuying, filha de uma família de agricultores empobrecidos, assim
como ele havia sido.
Durante a guerra de
independência chinesa contra os mongóis, Zhu teve de se ocupar com outros
desafios: bandidos, piratas, fome, pestilência e grupos rivais dispostos a
fundarem suas próprias dinastias. Nesse período ele declarou a si mesmo como o
imperador Hongwu (“Estrito Valor Marcial”, em chinês), e Ma Xiuying se tornou imperatriz.
Apesar dessa ascensão, os fundadores da Dinastia Ming mantiveram seus hábitos
simples, e enquanto Hongwu se envolvia com a guerra, Ma Xiuying era responsável
pelo “setor de contabilidade” do exército Ming, além de oferecer apoio moral e
religioso às famílias dos soldados.
Apesar de não apreciar as intervenções de sua mulher na
política, Hongwu respeitava suas decisões e muitas vezes as seguia sem hesitar.
A construção de silos para o inverno, por exemplo, partiria de uma sugestão de
Ma Xiuying, bem como diversas melhorias para os agricultores, com direito até
mesmo a uma “reforma agrária”. Como Hongwu e Ma Xiuying conheceram de perto as
dificuldades dos homens do campo e suas famílias, também faziam de tudo para
tornar suas vidas mais dignas. Outro aspecto positivo da presença da imperatriz
estava em “apagar o fogo” da fúria de Hongwu, habituado a matar funcionários
públicos que falhavam com suas funções ou eram acusados de corrupção.
O casal fundador da Dinastia Ming não teve filhos, então se
dedicaram a criar os filhos de Hongwu com suas concubinas, para formarem uma
sucessão estável; entretanto, Zhu Biao, o filho mais velho do imperador,
morreria cedo. Em 1382, Ma Xiuying ficou doente, e sabendo que seu tempo estava
se esgotando, deu uma série de conselhos para seu marido, suplicando-o para não
deixar a raiva turvar suas decisões mais importantes, como ocorreu no passado.
Hongwu reinaria sobre a China até 1398, sendo sucedido no trono por um neto
chamado Jianwen, filho de Zhu Biao.
6-Hayam Wuruk e Dyah Pitaloka
Citraresmi.
Seguindo ao sul da Ásia,
chegaremos ao arquipélago malaio, o maior conjunto de ilhas do mundo. Ali
encontraremos um romance que não chegaria a se concretizar, porém mudaria a
história da região, e sua influência ainda se faz presente na atual Indonésia.
Hayam Wuruk era o quarto monarca do Império Majapahit, uma nação fundada em
1293 e centrada na ilha de Java, cujo domínio se estendia sobre todas as ilhas
da atual Indonésia. Muito desse vasto império foi conquistado sob a tutela de
Gajah Mada, um ministro que havia servido os dois monarcas anteriores a Hayam
Wuruk.
Nascido em uma família humilde, Gajah Mada ascendeu
rapidamente em diversos cargos do Império Majapahit, e se tornaria ministro por
indicação da mãe de Hayam Wuruk, a rainha Tribhuwana; após sua nomeação, Gajah
Mada fez um juramento, afirmando que não comeria frutas nem temperaria sua
comida enquanto todo o arquipélago malaio não fosse unificado sob um único rei.
Em dez anos, quase todas as ilhas obedeciam a Majapahit, faltando apenas um
reino a ser dominado, chamado Sunda. Esse reino ocupava o ocidente da ilha de
Java, a mesma ilha onde estava sediada Trowulan, a capital de Majapahit.
As relações entre Sunda e
Majapahit sempre foram tensas, porém Hayam Wuruk ofereceu uma oportunidade de
paz em troca de um casamento. A noiva seria uma princesa chamada Dyah Pitaloka
Citraresmi, filha do rei de Sunda, e quase toda a família real viajou até Trowulan
para o casamento; como havia gente demais para abrigar no palácio, a família
real sundanesa resolveu acampar em uma praça, chamada Bubat. Gajah Mada viu no
evento uma oportunidade para transformar Sunda em um vassalo de Majapahit, e sugeriu
que ao invés de rainha, Dyah se tornasse mais uma concubina no harém. Hayam
Wuruk sentiu-se insultado com a proposta, e a conversa logo se espalhou no
acampamento sundanês.
Não demorou até a ocasião festiva se converter em batalha:
percebendo sua honra ofendida, os nobres sundaneses, acompanhados de serventes
e soldados, desembainharam suas espadas e entraram em conflito aberto com a
guarda real de Majapahit. Apesar da desvantagem numérica, os sundaneses lutaram
até o último homem, e as mulheres da família real se suicidaram ante a derrota
inevitável, incluindo Dyah. Hayam Wuruk ficou inconsolável com a morte da princesa
e condenou Gajah Mada ao exílio em uma ilha distante, para nunca mais voltar. O
império seguiria bem até a morte de Hayam Wuruk, mas seus sucessores, filhos dele
com uma concubina, iniciariam uma guerra civil que abalaria a base do vasto
reinado. Em 1527, após nove reinados, Majapahit deixou de existir.
O mais impressionante nesta triste história é que seus
efeitos ainda são visíveis na Indonésia atual: Gajah Mada é considerado um
grande herói na região, por ter unificado todo o arquipélago pela primeira vez
na história, algo que não ocorreria novamente até a chegada dos colonizadores
holandeses, e quase todas as cidades indonésias possuem uma avenida com seu
nome (algo como as avenidas Presidente Vargas no Brasil). A única exceção está
na cidade de Bandung, que foi capital de Sunda, onde a avenida principal leva o
nome de Dyah Pitaloka Citraresmi, e nenhuma rua possui o nome do ministro. Como
os sundaneses fazem parte de um grupo étnico diferente dos javaneses, essa
tragédia também deu origem a uma lenda, afirmando que casamentos entre esses
dois povos trazem azar.
7-Carlos I da Espanha e
Isabel de Portugal.
Voltando à Europa,
encontramos duas potências emergentes do século XVI: Portugal e Espanha. A
idade Média estava em seus derradeiros momentos e novas terras e impérios
exóticos eram descobertos nas Américas e nas Índias. Foi nesse contexto que a
família real de Habsburgo se faria proeminente na política europeia, e Carlos
se tornaria o primeiro monarca de uma Espanha unificada, após o reinado de Fernando
de Aragão e Isabel de Castela.
A ascensão de Carlos ao trono espanhol ocorreria em 1519, mas
seus primeiros anos de reinado não seriam fáceis: o primeiro rei da Espanha
havia nascido na atual Holanda e sua cultura geral era alemã, bem como a
língua, mal sabendo falar espanhol. Como seu avô era o Sacro Imperador
Germânico Maximiliano I, Carlos necessitava governar não apenas a Espanha e
suas colônias nascentes, como também os territórios da Alemanha e da Áustria,
além de alguns ducados e principados nos Países Baixos e no sul da Itália. Para
manter esse território imenso sob um razoável controle, Carlos aplicou um
“proto-federalismo” em seu império, deixando a maior parte das competências sob
administradores locais, com exceção das forças armadas e cobrança de tributos.
Poucos anos após assumir o
trono, Carlos receberia uma proposta de casamento: Manuel I de Portugal, o rei
que iniciou a colonização do Brasil, ofereceu sua filha ao monarca espanhol. Os
noivos se conheceram na cidade de Elvas, na fronteira das duas nações, e é dito
que Carlos ficou deslumbrado ao ver Isabel cavalgando em sua direção, montada
em uma égua branca. O monarca espanhol temia ser repelido, devido à sua
aparência pouco atraente e com um queixo comprido, típico da família Habsburgo,
enquanto Isabel, com seus cabelos loiros pendendo para o ruivo e olhos claros,
era descrita como a mulher mais formosa da Europa. Apesar do arranjo político,
o casamento foi feliz, e tanto marido como mulher dividiam as atribuições de
governo.
Carlos e Isabel coincidiam na devoção religiosa e no gosto
pela leitura e artes. Quando o rei espanhol partia em campanha, sua esposa
regia o governo, defendendo a autoridade real e agindo com mão firme sobre
funcionários acusados de abuso e corrupção. Durante seu reinado, Carlos teve de
lidar com a reforma protestante, disputas territoriais na Itália contra a
França, a expansão otomana no Mar Mediterrâneo, revoltas internas na Espanha, e
ainda proteger portos espanhóis de piratas (ufa!). Nessas longas ausências,
Isabel e seu esposo se escreviam com regularidade, a cada vinte dias.
Em 1539, Isabel morreria após um parto mal sucedido, com
apenas trinta e cinco anos de idade, e Carlos sofreu muito com sua morte, não
conseguindo sequer juntar coragem para acompanhar o cortejo fúnebre. O homem
mais poderoso da Europa nunca se casaria novamente, e passaria o resto da vida
vestindo apenas preto, demonstrando luto eterno. Após quarenta anos ocupando
dois tronos, Carlos abdicou em benefício de seu irmão, Fernando I do Sacro
Império Germânico, e de seu filho mais velho, Felipe II da Espanha. Devido à
influência de sua mãe, Felipe se considerava espanhol e português ao mesmo
tempo, e isto o motivaria a obter as coroas dos dois reinos, iniciando a União
Ibérica.
Obs: as fotos fazem parte da
série histórica espanhola “Carlos: Rey Emperador”. Essa série fala dos principais
acontecimentos do reinado deste monarca, incluindo diversas cenas ao lado de
Isabel de Portugal. Abaixo está uma cena reconstituindo a primeira ocasião em
que se viram:
Carlos V y Isabel de Portugal se conocen
Série TVE (Ótima série para treinar o espanhol e aumentar o conhecimento histórico ao mesmo tempo)
8-Shah Jahan e Mumtaz Mahal.
“Foi uma linda história de
amor”, dizia a música Taj Mahal, de Jorge Ben Jor... E os próximos integrantes
da lista são os personagens dessa música. Nossa próxima parada será a Índia,
durante a era dourada de uma nação muçulmana conhecida como Império Mughal (esse
país também é chamado “Mogol” em alguns livros, mas para evitar confusões com o
Império Mongol, usarei o termo Mughal). Seu quinto imperador foi Shah Jahan,
cujo nome significava “Soberano do Mundo”, um apelido obtido após muitas
guerras contra reinos vizinhos.
Quando tinha quinze anos, Shah Jahan foi prometido em
casamento a uma menina de quatorze anos, chamada Arjumand Banu, filha de um
vizir (cargo equivalente a ministro em países islâmicos) de origem persa. Não
demoraria até a princesa ser apelidada de Mumtaz Mahal, que significa “A
Preferida do Palácio” em persa, pois apesar do imperador já possuir duas
esposas anteriores, todos conseguiam perceber a preferência dele por Arjumand,
ao ponto de nomeá-la Malika-i-Jahan, “Rainha do Mundo”.
Durante o reinado de Shah
Jahan, Mumtaz Mahal o acompanhava em suas campanhas militares nas fronteiras,
apesar de estar grávida com frequência: ela pariu quatorze crianças durante os
dezenove anos ao lado do líder Mughal. Sob a influência de sua favorita, Shah
Jahan estabeleceria casas de auxílio e apoio para necessitados, incluindo
feridos de guerra e viúvas (lembrando que o costume da viúva se atirar na pira
funerária do marido ainda era forte na Índia, isso foi um grande avanço). Além
dessas obras de assistência social, Mumtaz Mahal promoveu artistas e poetas, e
costumava acompanhar o esposo quando ele assistia rinhas de elefante (eita!) e
duelos de espada.
A morte de sua favorita após o 14º parto foi um golpe
tremendo para Shah Jahan, bem como para o Império Mughal. Embora o luto oficial
tivesse durado um dia, o luto do líder Mughal durou um ano, e ao final deste
período ele aparentava ter envelhecido uma década, com sua barba negra
tornando-se branca como a neve das montanhas. O imperador Mughal não contava
mais com a força de sua juventude, sua maior aliada nas campanhas militares, e
a expansão do império freou temporariamente, retornando apenas com o reinado de
seu terceiro filho com Mumtaz Mahal, Aurangzeb.
A obra derradeira de Shah Jahan, cuja segunda grande paixão
era a arquitetura, seria o Taj Mahal, um formidável mausoléu onde Mumtaz Mahal
repousaria. A obra levaria vinte e dois anos, e em 1657, o imperador Mughal
caiu doente, enquanto seus filhos sobreviventes brigavam pelo trono. O vencedor
da contenda seria Aurangzeb, que apesar de partilhar do talento militar de seu
pai, não era tolerante com os hindus, e após sua morte o Império Mughal entrou
em declínio. De certa forma, o custo exorbitante do Taj Mahal também esgotou as
finanças do país, mas hoje o turismo em volta do monumento movimenta uma
quantia capaz de pagar trinta obras similares.
9-Vitória do Reino Unido e
Albert de Saxe-Coteburg.
Um ditado antigo afirma que
“por trás de um grande homem, existe uma grande mulher”; e o contrário também é
verdadeiro no segundo reinado mais longevo do Reino Unido (apenas o reinado
atual de Elisabeth II é mais longo). Praticamente todo o século XIX esteve sob
a supremacia britânica, e de 1837 a 1901, Vitória reinou sobre a nação mais
poderosa da terra. Apesar de não contar com o poder absolutista dos monarcas de
antigamente, Vitória definitivamente influenciou a moral e os costumes ingleses,
ao ponto de seu longo reinado ficar conhecido como a “Era Vitoriana”.
Albert e Vitória estavam unidos pela ascendência germânica
(ela foi a última monarca britânica da Casa de Hanover) e também pela idade,
pois ambos nasceram em 1819. O príncipe alemão já despertava a atenção de
Vitória, antes mesmo de se casarem, devido ao seu engajamento em causas como o
acesso à educação para os mais humildes e a abolição da escravatura. Outros interesses
de Albert eram ciências naturais e máquinas, isso em uma época que muitas
figuras chaves do governo britânico acreditavam que o avanço científico
“deturpariam a moral e os bons costumes”.
Vitória já estava grávida em
menos de dois meses após o casamento com Albert ser consumado, e essa união
geraria nove crianças. Toda essa prole sobreviveria à idade adulta, um feito
formidável para a época, e Albert ficou pessoalmente responsável pela educação
dos príncipes e princesas, equilibrando a rigidez típica do Reino Unido com um
lado lúdico (ele se encaixaria na descrição do “pai canceriano”, descrito no
texto “O Pai de cada Signo”, também neste blog). Ironicamente, Vitória admitia
não ter muito trato com crianças, chegando a declarar que bebês recém-nascidos
mais pareciam “monstrinhos carecas”; o cuidado de Albert com crianças, ausente
em Vitória, aumentaria sua influência nas decisões da rainha.
Em todas as suas decisões, Vitória perguntou ao marido o que
deveria ser feito. De certa forma, Albert seria fundamental no fortalecimento
do modelo parlamentar britânico, persuadindo a rainha a ser menos agressiva ao
defender seus posicionamentos e se ocupar de fortalecer ministros e
parlamentares que coadunem com suas ideias. Em outras ocasiões, Albert não foi
tão bem sucedido: o príncipe consorte discordava da política expansionista do
Império Britânico, defendida por Lord Palmerston e Vitória. Durante o “Século
Britânico”, o Reino Unido controlava direta ou indiretamente ¼ do globo
terrestre.
Em 1859, Albert ficou doente do estômago após cair de um
cavalo em alta velocidade, mas continuou cumprindo suas funções públicas,
apesar das dores horríveis. Esse calvário duraria até 1861, quando ele faleceu
aos quarenta e dois anos, e desde então Vitória apenas usou preto, pouco
aparecendo em público; a imagem da monarquia britânica ficou ameaçada e um
incipiente movimento republicano surgiu no parlamento, obrigando-a a retornar
ao público. Vitória encontraria algum conforto ao ver os filhos e netos
formando suas próprias famílias ao redor da Europa, enquanto o prestígio da
monarquia britânica se fortaleceria novamente na época de sua morte, em parte
devido à imagem maternal da soberana idosa, apesar de Vitória nunca ter abraçado
completamente a função de mãe.
10-Pedro II do Brasil e
Teresa Cristina das Duas Sicílias.
E encerraremos esta lista com
dois monarcas brasileiros, cujas figuras perduram no imaginário popular, até
hoje. Apesar de tecnicamente ser o imperador do Brasil aos cinco anos, após a
renúncia de seu pai, Pedro II apenas assumiria suas funções no trono a partir
de 1840, com o chamado golpe da maioridade. Pedro II mostrou ser disciplinado e
trabalhador nos seus primeiros anos de reinado, porém outra preocupação
apareceu: era preciso assegurar a continuidade no trono. Como o Brasil era a
única monarquia nas Américas, era preciso procurar uma noiva na Europa, e o mau
exemplo de Pedro I e sua infidelidade ainda estava latente na memória das casas
reais do continente.
Após rodar a Europa em busca de uma noiva para Pedro, Bento
da Silva Lisboa, o 2º Barão do Cairu, aceitou a proposta de Vicenzo Ramírez,
embaixador das Duas Sicílias na Áustria. Com isto, Teresa Cristina se casaria
com o jovem monarca. A princesa chegaria ao Brasil em 1843, e conta-se que
Pedro II, até então animado para vê-la pessoalmente, ficou muito desapontado ao
descobrir que a noiva não era tão bonita como supunha. Na primeira noite após o
casamento, tanto Pedro como Teresa choraram: ele por se sentir enganado, e ela
por temer ser repelida.
Apesar do começo atribulado, a
constância de Teresa para cumprir deveres, bem como o eventual nascimento de
filhos, amoleceu a atitude de Pedro. Os dois descobriram interesses em comum, e
suas preocupações e alegrias com os filhos criariam um sentimento de felicidade
familiar. Teresa Cristina não tinha interesse em política, e se ocupava com
projetos de caridade e funções religiosas. O que lhe faltava de boa aparência
sobrava em canto: sua voz era muito bonita, e a imperatriz praticava canto
regularmente. Não lhe faltavam interesses intelectuais e ela desenvolveu paixão
pela arqueologia. A imperatriz também ajudou a recrutar médicos, professores,
engenheiros, farmacêuticos, enfermeiras, e trabalhadores italianos qualificados,
com o objetivo de melhorar a educação e saúde pública dos brasileiros.
Estrangeiros que visitavam a família
real comentavam com espanto que boa parte das refeições era feita por Teresa,
sem ajuda de criadas. Como uma boa italiana, ela fazia massas com regularidade,
além de canja de galinha, o prato preferido do Imperador. Uma lenda urbana
afirma que a imperatriz teria inventado a coxinha de frango, comum nas
lancherias hoje em dia, baseada em um salgadinho típico da Sicília, chamado
arancino, feito com arroz frito e recheado com queijo e frango.
Durante o reinado de Pedro II, Teresa Cristina acompanhou o
esposo em algumas de suas viagens. Seu retorno à Sicília, entretanto, foi
doloroso, pois a Itália recém foi unificada e a família dela foi destronada.
Era um prenúncio do que estava por vir no Brasil: em 1889, um golpe militar
derrubou a monarquia, e a família real foi obrigada a sair do país. No mesmo
ano, Teresa Cristina faleceu, e dois anos depois, Pedro II também morreria. O
imperador e a imperatriz receberam um local de descanso final na Catedral de Petrópolis,
em 1939, e hoje seus descendentes vivem no Brasil. Um desses descendentes, o
Príncipe Luiz Phillipe de Orleáns, quase foi o vice de Jair Messias Bolsonaro,
um dos candidatos à presidência.
Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bulow.
** O escritor da postagem é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - RS (FADISMA), escritor, poeta e autor do Livro "Taquarê -- Entre a Selva e o Mar". Em Santa Maria, o livro do autor está disponível para compra nas seguintes livrarias -- Athena, CESMA e CAPOSM.
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**Lista de todos os textos que o Mateus já escreveu para o blog da Taty em parceria e colaboração
**Leia o Texto da Taty "O Pai de Cada Signo" citado pela presente postagem histórica do Mateus
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