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segunda-feira, 26 de março de 2018

Interpretando Boomerang Blues de Renato Russo

    
                   

   
    Renato Russo é um dos maiores artistas de todos os tempos sem dúvidas. Ele representou, em suas Músicas, composições que eram verdadeiras Poesias repletas de profundidade filosófica, emocional e existencial. Com personalidade forte e sensível ao mesmo tempo, Renato imprimia densidade em suas letras e tocava os corações dos ouvintes pela honestidade emocional. Corajoso, ele emitia opiniões próprias, críticas ácidas ao país (que servem até hoje) e desmascarava os sentimentos humanos. Tudo isso de forma impactante e poeticamente doce ao mesmo tempo. 
    A impressão que eu tenho é que as pessoas usam máscaras na sociedade. Quase todas as pessoas fingem ser quem elas não são para impressionar aqueles que elas nem gostam (hehehe). Que ironia a vida se tornou hein?! Com medo de não serem aceitas, as pessoas seguem modismos e padrões de comportamentos propagados pela mídia. 
      Mas os poetas não são assim. Os poetas são românticos incorrigíveis que seguem as leis do próprio coração e não imitam os paradigmas dos grupos sociais. Não há nada mais rebelde e irreverente do que seguir a própria intuição num mundo onde massas repetem os estigmas de comportamento social. 
       O mais paradoxal de tudo é que, quando alguém arranca a máscara e assume a própria personalidade, as luzes se voltam para essa pessoa. E aí a aceitação social vem com o tempo em forma de admiração diante daquele Estrela autêntica que esbanja luz própria. Uma das características mais bonitas que existe é a honestidade.
      E, quando eu falo de honestidade, não digo de maneira superficial apenas no sentido de “não roubar” ou de apresentar “retidão”, mas também a honestidade em sentido mais profundo... Honestidade emocional significa encarar os próprios sentimentos e a própria personalidade, sendo verdadeiro consigo mesmo e com os outros. 
       Honestidade emocional: Esta é uma característica belíssima que precisa ser mais cultivada. O dia que o povo brasileiro deixar de idolatrar pessoas da mídia, jogadores de futebol, artistas da Televisão e celebridades de Instagram será o dia em que ele deixará de imitar estigmas para cultivar mais autenticidade. Sem autenticidade, não há honestidade verdadeira. 

                    

       
      Renato Russo tinha luz própria. Ele era um brasileiro autêntico. E suas letras fazem sucesso até hoje justamente por retratar sentimentos que as pessoas escondem. As pessoas, em geral, não ousam pronunciar a respeito de algumas complexidades do ser humano, tais como: incoerência humana, melancolia, saudade, amor, mágoa, raiva, esperança, frustração... Mas Renato Russo abordava isso e muito mais em suas músicas. 
      A música Boomerang Blues, por exemplo, exaltava a Lei do Retorno ou da Ação e Reação, considerada a principal lei da Espiritualidade e da Moral. Em alguns segmentos espirituais, ela é chamada de Lei do Karma. Trata-se da justiça divina e universal em sua forma mais pura: quem é bom recebe o bem como consequência e quem é mau recebe o mal em seu castigo. Esta é uma lei óbvia é bastante visível... Uma das provas da existência de ordem e sentido no universo. 
      Quem é mau pode demorar para sofrer as consequências dos seus atos, mas uma hora ou outra sempre terá o retorno do que fez pela Vida. Quem maltratava as pessoas quando jovem terá solidão na velhice, por exemplo. Quem roubou do povo experimentará o ódio social e nunca mais terá paz. Quem matou alguém recebe uma sentença condenatória com privação de liberdade. A pessoa que fez chantagem emocional com alguém um dia encontrará uma pessoa que fará a mesma chantagem emocional com ela. Quem perturbou alguém um dia será perturbado. Quem foi ingrato um dia encontrará alguém ingrato ou terá como retorno a perda do amor e da amizade. E por aí vai... 
       Eu acredito firmemente na Lei do Retorno. Busco manter uma conduta reta e não causar qualquer mal ao meu redor. Fazer o bem deve ser sempre o nosso lema. Não somos vítimas o nosso destino, mas autores de nossa história. Por isso, antes de reclamar das coisas ruins que acontecem em sua vida, indague se não foi você mesmo que causou a sua solidão, a sua dor ou o seu fracasso. 
       Você lutou de verdade e honestamente pelo seu sucesso? Você plantou amor por onde passou ou só carência e chantagem emocional? Você foi altruísta ou egoísta? Quem você ajudou com todo o coração? Quem você deixou de ajudar? Quem você prejudicou? É bom bombardear a mente de perguntas e fazer uma análise sincera de você mesmo e de sua vida. 
         Muitas vezes, machucamos inconscientemente as pessoas que mais nos amam e nos apoiam quando estamos feridos. Quando machucamos alguém ao nosso redor que não merece, cometemos o pior pecado espiritual: o do “Errar de alvo”. Então, ao invés de sair por aí dando “flechada” em todo mundo e atingindo até mesmo quem não tem nada a ver com a sua dor, por que não acertar as contas com aquele que feriu você? Um Boomerang nunca erra o alvo... ele sempre volta direitinho para o local da origem. 

                  



          Feita essa introdução reflexiva, vamos partir para a interpretação da música. Já fiz diversas críticas à mídia, mas ela também tem o lado bom sem dúvidas. Graças à televisão, muita gente teve acesso a uma poesia pouco conhecida de Renato Russo transformada em uma música que não foi comercializada por ele na época -- a canção "Boomerang Blues".
         De autoria de Walcyr Carrasco (meu autor favorito de novelas), a novela "O Outro Lado do Paraíso" traz essa música do Renato Russo em sua abertura. O som é original e representa praticamente um demo do cantor, visto que ela nunca foi gravada comercialmente por ele nem por sua banda "Legião Urbana". Entretanto, ela pode ser ouvida no álbum póstumo do artista denominado "Presente". 

            


       Confira a letra da música e um vídeo com o áudio dela


Tudo o que você faz
Um dia volta pra você
Tudo o que você faz
Um dia volta pra você
E se você fizer o mal
Com o mal mais tarde você vai ter de viver
Não me entregue o seu ódio
Sua crise existencial
Preliminares não me atingem
O que interessa é o final
E não me venha com problemas
Sinta sozinho o seu mal
Porque tentar tentei demais
E você só me usou
Eu tentava ajudar
E você só me queimou
Mas é errando que se aprende
Minha boa vontade se esgotou
Os aborígenes na Austrália
Com o boomerang vão caçar
O boomerang vai e volta
E só fica quando consegue acertar
E eu sou como um boomerang
Quando eu acerto é pra matar
Como um boomerang tudo vai voltar
E a ferida que você me fez é em você que vai sangrar
Eu tenho cicatrizes
Mas eu não me importo não
Melhor do que a sua ferida aberta
E o sangue ruim do seu coração
Eu só não entendo como fui cair
Dentro da sua teia e não tentei fugir
Me sinto mal lembrando o que aconteceu
Você tentou roubar
Mas o boomerang agora é meu.

                  
             



          Interpretando “Boomerang Blues” de Renato Russo, observamos que logo no primeiro verso, ele afirma "tudo o que você faz um dia volta para você". Este verso descreve perfeitamente a lei da Ação e Reação, a qual não é somente uma Lei da Física, mas também da moral do universo. 
          Quando Renato canta "E se você fizer o mal, com o mal mais tarde você vai ter de viver", ele está ressaltando a consequência dos nossos atos e a noção de "castigo" para os atos considerados ruins moralmente. Nesse sentido, nada no universo é deixado com impunidade... A consequência pode demorar, mas ela sempre chegará atravessando tempo e espaço.  
          Na música, Renato proclama "Não me entregue o seu ódio, sua crise existencial". Esse verso faz referência àqueles que "erram de alvo" e descontam as suas dores, feridas e ódios em pessoas inocentes. É notório que a música retrata alguém com boas intenções que foi enganado, traído, magoado e injustiçado por uma pessoa má que destilou o seu ódio sem razão (como a Clara, a mocinha da novela, que sofreu as intempéries do destino por ter encontrado a vilã Sophia, a mulher que destilou todo o seu ódio sobre ela por motivos gananciosos). 
          De certa forma, assim como a novela, a música também retrata vingança, pois ele canta "Preliminares não me atingem, o que interessa é o final". Neste verso, fica claro que não importa mais o sofrimento inicial do injustiçado (as preliminares), mas a consequência que o outro sofrerá após o acerto de contas -- quando a vingança deixar os pratos da Justiça novamente em equilíbrio. 
        Renato canta com voz forte "E não me venha com problemas, sinta sozinho o seu mal", expressando com humor irônico o desejo de não ser mais importunado e atormentado pelas dores dos outros. Ouvir alguém que precisa de nossa ajuda é sempre muito nobre -- e nós também precisaremos de um ombro amigo uma vez ou outra. Ocorre que, quando o outro só nos procura para falar das maledicências da vida, nós nos sentimos esgotados como se o outro fosse um "vampiro emocional" ou um "vampiro energético." 
        Além do mais, a música passa a ideia de alguém cheio de empatia e sensibilidade que doava seu tempo para ouvir e ajudar o outro em seus problemas, mas acabou sendo traído e recebendo maldade e ingratidão em troca de seu auxílio bem intencionado. Esse entendimento é reforçado pelos versos "Porque tentar tentei demais e você só me usou. Eu tentava ajudar e você só me queimou. Mas é errando que se aprende, minha boa vontade se esgotou."
      Como a boa vontade e a ajuda foram pagas com maldade e ingratidão, nascem, na pessoa bem intencionada, a revolta e a disposição para a vingança. A vingança, neste caso, seria um modelo passional de justiça e um motivado acerto de contas. A partir do desejo de justiça, o compositor expressa a sua fé no acerto de contas natural do universo, pois "tudo o que você faz um dia volta pra você". Essa fé suaviza a revolta e dá o tom emocionante da música. 
     Nesse sentido, ele cita de forma metafórica e poética o Bumerangue (em inglês denominado Boomerang) como representante da Lei de Ação e Reação e das consequências preparadas naturalmente pelo universo ao ofensor. Como o leitor já deve saber, o bumerangue é um objeto de arremesso que volta instantaneamente para a mão do arremessador. Por esse motivo, a canção de Renato Russo chama-se "Boomerang Blues", considerando a metáfora do bumerangue presente na letra e o seu respectivo gênero musical -- o Blues. 
      Sabe-se que o Blues é um gênero e forma musical nascido no extremo sul dos Estados Unidos e impulsionado por músicos afro-americanos. O Blues influenciou outros gêneros musicais como o Jazz e o Rock and Roll (Renato Russo fazia parte do Rock, mas expandia a sua arte musical em outros gêneros e ritmos também). Vale destacar o instrumental da canção "Boomerang Blues" que conta com uma gaita e um pano de fundo "rústico" responsáveis pela emoção musical. O instrumental também remete ao estilo Country dos Estados Unidos em minha opinião.  
      O Boomerang não é somente citado de forma metafórica, mas também como instrumento. Dessa forma, podemos ver o instrumento retratado nos seguintes versos "Os aborígenes na Austrália com o boomerang vão caçar. O boomerang vai e volta e só fica quando consegue acertar. E eu sou como um boomerang quando eu acerto é pra matar." 
       Salienta-se que o boomerang possui o mecanismo de voltar às mãos do arremessador quando não atingir um alvo. Mas, quando ele atinge o alvo, mata a sua presa e não retorna ao arremessador. Esta é uma forma distinta de caçar e muito antiga também. 
        Diversas tribos na Europa e até mesmo as civilizações do Antigo Egito usavam bumerangues na caça de animais. Faraós caçavam pássaros usando um bumerangue em forma de bastão. O bumerangue mais antigo, no entanto, foi encontrado na Polônia em 1987. Este bumerangue conta com aproximadamente 23 mil anos e foi construído a partir de uma presa de mamute. 
       Renato Russo cita os aborígenes da Austrália, pois eles foram aqueles que mais usaram bumerangues e bastão de arremesso por milhares de anos. Portanto, os aborígenes australianos são "emblemáticos" quando se trata de bumerangue hehehe. Dá até medo quando o Renato canta "E eu sou como um boomerang quando eu acerto é pra matar". Muito impactante este verso! E muito poético também... Quando ele diz "matar", não podemos interpretar literalmente. Aqui "matar" pode ser simplesmente fazer uma vingança bem feita, derrotar e destruir o inimigo... Não necessariamente matá-lo. 
       Além de expressar a sua força e competência quando se trata de fazer vingança com as próprias mãos, o compositor também demonstra a convicção na Justiça do universo que está muito além de nossas mãos... Ele realça a Lei da Ação e da Reação mais uma vez nos versos seguintes "Como um boomerang, tudo vai voltar. E a ferida que você me fez é em você que vai sangrar. Eu tenho cicatrizes, mas eu não me importo não. Melhor do que a sua ferida aberta e o sangue ruim de seu coração." 
          Nesses versos, o compositor elucida que nossas cicatrizes podem ser doloridas, mas elas não precisam mais de nossa preocupação diante da Justiça do Universo. Ressalta-se que aquele que causou as nossas feridas e cicatrizes ostenta feridas piores do que as nossas. Impossível não se lembrar da vilã Sophia (interpretada por Marieta Severo) da novela "O Outro Lado do Paraíso" e do sangue ruim do coração dela hehehe. A música combinou perfeitamente com a novela global, pois Clara (personagem da atriz Bianca Bin) tem muitas cicatrizes de seu passado, mas a sua vingança vai trazer à tona as piores dores e as decadências dos demais personagens.  
              Vale comentar que a música interpretada pela presente postagem também traz o amadurecimento da pessoa bem intencionada e enganada no passado. De alguma forma, as cicatrizes do passado deixaram a pessoa mais forte e menos ingênua. O compositor realça o arrependimento de ter sido ingênuo diante do ofensor no passado quando canta "Eu só não entendo como fui cair dentro da sua teia e não tentei fugir. Me sinto mal lembrando o que aconteceu." Esses versos trazem a indignação diante do que aconteceu no passado e, consequentemente, a mágoa que isso causou em seu coração. A mágoa é bem evidente na frase "Me sinto mal lembrando o que aconteceu."                      É preciso avisar que perdoar não é somente desculpar o ofensor, mas também saber olhar a situação passada com sabedoria e sem rancor. A partir do momento que a lembrança do momento traz maus sentimentos, existe um rancor latente e um resquício de mágoa lá no fundo da alma. 
             Por fim, os últimos versos relatam que o "jogo" da vida mudou e trouxe à pessoa ofendida o poder de revidar. É como se a pessoa ofendida no passado ostentasse um bumerangue em suas mãos e estivesse prestes a arremessá-lo em direção ao ofensor. A disputa pelo "bumerangue" é a clássica disputa da vida pelo poder, especialmente o poder de alterar as situações com nosso livre-arbítrio e energia. Repare bem nos últimos versos da música "Me sinto mal lembrando o que aconteceu. Você tentou roubar, mas o boomerang agora é meu." 
            Dese modo, há o entendimento de que o ofensor tentou roubar, trapacear e ludibriar no passado, mas o jogo da vida é implacável e o ofendido terá o poder de revidar. Se antes o "poder" estava nas mãos do ofensor, o momento atual parece trazer à tona todo o poder e toda a força do ofendido. Por isso, devemos sempre evitar fazer o mal e tentar sempre fazer o bem a todos ao nosso redor... Afinal de contas, como diz a máxima espírita de André Luiz "Levante todos aqueles que estiverem caídos em seu redor. Você não sabe onde seus pés tropeçarão". 
            Do mesmo jeito que o mal volta para quem o praticou, o bem também retorna. O mal volta ao ofensor, porém o bem também volta ao benfeitor. O beneficiado por você hoje pode ser o seu benfeitor amanhã. Procure fazer o bem, porque a energia da gratidão é poderosa. Se você levantou alguém caído hoje, pode ter certeza que você terá alguém para levantá-lo no dia que você cair e precisar de ajuda. Um dia os seus pés podem tropeçar nas pessoas do seu passado... Já se você fez mal às pessoas do passado, elas irão prejudicar mais ainda a sua queda ao invés de levantá-lo. 
            Tudo na vida é um bumerangue -- vai e volta. Sendo assim, quem ajudou será ajudado e quem prejudicou será prejudicado. Simples assim. Parece até óbvio. Mas espiritualidade é justamente isso -- revelar o óbvio que ninguém quer ver e não coisas sobrenaturais. 
            Encerro a postagem com o incentivo do perdão. A vingança gera ótimos enredos para livros, filmes e novelas, mas, na vida real, ela só dimensiona o mal e alimenta o círculo vicioso do ódio. Saiba perdoar pelo bem de sua saúde mental e espiritual. Você não precisa sujar as suas mãos e nem perder noites de sono por causa do ofensor... A própria vida se encarrega de levar as consequências aos atos dele. Não existe ofensor feliz.
            Há uma frase do Oscar Wilde que eu adoro "Não deixe de perdoar os seus inimigos -- nada os aborrece tanto." A pior vingança que alguém pode fazer é levar uma vida feliz e despreocupada, sendo indiferente ao ofensor. Nada irrita tanto o seu inimigo quanto a sua felicidade. Caso você carregue mágoas de quem prejudicou você, isto derrubará a sua felicidade e noites de sono. Garanto que o ofensor ficaria feliz em saber que não saiu da sua mente nem de seu coração. Deixar a mágoa contaminar o seu Eu é perder o autocontrole e deixar o ofensor ter poder sobre você. Nada pode ter poder sobre você, exceto Deus e você mesmo. 
         E, por falar em novela, repare bem nas cenas da mística Mercedes (Fernanda Montenegro) em "O Outro Lado do Paraíso". A curandeira da novela é a minha personagem favorita por sempre realçar a força do perdão na cura emocional e espiritual daqueles que procuram a sua bênção. O perdão tem poder curativo. Ele é bálsamo da alma e fonte renovadora da vida. Enquanto a mágoa é uma "má água", ou seja, uma água suja da alma, o perdão é água nova e purificadora da alma. Vamos tomar um banho de perdão e ser feliz!

Texto de Tatyana Casarino 
              

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