Olá, pessoal! Hoje eu trago uma postagem bem diferente: a análise de Duncan Garibaldi e a Ordem dos Bandeirantes, primeiro livro de uma saga criada pelo autor gaúcho André Zanki Cordenonsi. Tal análise foi escrita pelo meu amigo escritor, Mateus Ernani Heinzmann Bulow, que colabora gentilmente com o Recanto da Escritora.
Duncan Garibaldi e a Ordem dos Bandeirantes – Análise.
Ação, aventura e fantasia em
um mundo escondido nas sombras da noite. Criaturas horripilantes e guerreiros
armados de espadas, sabres e bestas de repetição feitas de prata. E para coroar
com honra esse mundo incrível e ao mesmo tempo ameaçador, trens e ferrovias em
uma cidade ferroviária do interior do Rio Grande do Sul. Esse é o universo de
Duncan Garibaldi e a Ordem dos Bandeirantes, o primeiro livro em uma saga
planejada pelo santa-mariense André Zanki Cordenonsi, identificado apenas como
A Z Cordenonsi na capa de seu primeiro romance.
O personagem título é um menino que vive na Vila
Belga, um bairro histórico de Santa Maria cujo auge se deu na época dos trens.
Após ele e seu amigo Joaquim testemunharem o assassinato de uma garota, ambos
se veem enredados em uma busca implacável pela misteriosa Clave Cristalina. Tal
artefato é procurado por duas facções em conflito: os Bandeirantes, cavaleiros
dedicados a combater criaturas vindas das sombras, e um estranho adversário
identificado apenas como “O Inimigo”, da qual pouco se sabe, embora este tenha
exércitos de monstros conhecidos como Ghouls à sua disposição, bem como um
assassino implacável e sarcástico denominado Homem do Chapéu de Ferro.
Em pouco tempo, a vida de Duncan e Joaquim, limitada
apenas às suas desventuras nas mãos dos valentões do colégio, assume uma
reviravolta surpreendente ante o jogo que se desenrola nas sombras. Ao lado de
aliados nada convencionais, como uma menina fantasma e um bandeirante veterano,
os dois amigos precisarão de coragem e perspicácia para resolver enigmas,
sobreviver a duelos de espada, encontrar uma fada que comanda uma matilha de
lobos ferozes e continuar no páreo. Só lendo para crer!
Após essa apresentação, vamos esmiuçar o livro em uma
análise de pontos positivos e negativos, com o cuidado para não tocar em
possíveis revelações no enredo, bem como destacar pontos positivos e negativos.
Sem mais delongas, hora de embarcar no trem!
*Pontos fortes:
1 – Uma Santa Maria viva e
expressiva.
Não é surpresa que este livro tenha um gostinho a
mais para quem nasceu e se criou em Santa Maria, mas é preciso ir além.
Cordenonsi detalhou cada trecho e ponto de interesse da cidade com esmero, não
se limitando apenas à Vila Belga. Também estão lá a antiga estação ferroviária
(GARE), o Trevo do Castelinho, o Largo da Estação...
No entanto, é necessário frisar que vários locais são
inventados, conforme uma nota posterior do próprio autor no livro. É o caso da
escola frequentada pelo protagonista e seu amigo, que combina elementos da
Escola Estadual Manuel Ribas (vulgo “Maneco”) e um antigo educandário chamado
Escola de Artes e Ofícios da Cooperativa de Empregados da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul. Até mesmo um cemitério abandonado, chamado “Cemitério dos
Aflitos”, e um bar foram inventados.
Apesar do grande número de lugares fictícios,
Cordenonsi os descreve como se eles sempre estivessem ali e ainda fizessem
parte da paisagem santa-mariense. Um exemplo é a Feira do Orquidário que ocorre
na GARE, descrita na primeira metade do livro: apesar de ela não existir, ela é
obviamente inspirada em outros eventos que costumam ocorrer ao lado da estação,
tais como outras feiras e apresentações de música e performances.
2 – Personagens secundários
incríveis.
Esse livro descreve a típica jornada do herói, mas
nenhuma jornada de herói está completa sem companheiros e mestres. Durante sua
jornada, Duncan é acompanhado não apenas por Joaquim: uma garota fantasma
chamada Elisabete, e um bandeirante com o nome imponente de Nicolau de Taunay
cumprem com o papel de mestres.
Elisabete merece um comentário à parte: seu espírito
se materializa na sombra de Duncan, além de se esconder no medalhão de prata do
rapaz. Apesar de seu humor seco e por vezes irônico, ela assume a posição de
“irmã mais velha” em diversas situações, tanto para Duncan como para Joaquim.
Nicolau, por sua vez, é o único adulto do time, e por isso acaba sendo o
“desmancha prazeres” em diversas ocasiões, mas sempre o faz pensando no melhor
para os dois garotos, impedindo-os de se machucarem nas lutas.
Falei muito no Joaquim até então, e por isso vamos a
ele, sem dúvida o personagem mais engraçado do livro. Apesar de meio “devagar”
nos pensamentos e nas palavras, o melhor amigo de Duncan possui certa cautela,
acompanhada de senso de autopreservação e um humor ácido, por vezes pessimista.
Uma das cenas mais hilariantes envolve justamente a descoberta desse mundo novo
de magia e perigo, com Nicolau tentando dissuadir os dois “miúdos” (como se
refere aos dois amigos) de entrarem na trama:
“Sei lá, cara.
Se alguém me contasse este saco de doidice, eu ia rir uma semana. Mas olha lá! (Apontando
a sombra viva de Elisabete) Aquilo é bem
real, né? E, bem, minha mãe sempre disse que não se deve recusar ajuda a quem
precisa.”
“Mesmo contra
ghouls ou outros monstros comedores de gente?” (Nicolau falando).
“Ah, é, isso
ela nunca mencionou”.
Outro personagem importante na história é o Seu
Lacerda, um maquinista aposentado que passa os dias reparando uma locomotiva, e
serve de “avô adotivo” aos dois meninos, em especial para Joaquim. Um dos
trechos mais emocionantes da história, aliás, diz respeito à própria locomotiva
utilizada para alcançar o objetivo final, em uma das melhores e mais divertidas
sequências do livro.
3 – Um jogo de sombras
sinistro e arrebatador, com uma mitologia singular.
Cordenonsi afirma que começou a escrever Steampunk
(gênero da literatura fantástica com máquinas a vapor) por influência dos
quadrinhos da Liga Extraordinária de Allan Moore, mas sua história vai além, ao
combinar o clima sombrio de obras da segunda metade do Século XIX, como
Drácula e Frankenstein, com a história do Brasil. Não deixa de ser fascinante
imaginar os bandeirantes lutando contra monstros vindos das sombras, utilizando
bestas de repetição e espadas feitas em prata (o autor, aliás, parece ter
apreço por bestas, afinal elas também aparecem em “Le Chevalier”, outra de suas
obras de fantasia).
Além dos ghouls, outras criaturas aparecem no caminho
dos heróis, a maior parte delas vinda da mitologia portuguesa. É o caso do
tartaranho encontrado na cena do cemitério, em um dos momentos mais tensos (e
hilários) do livro. O estranho ser é descrito como um tipo de ogro ou gigante
com o tamanho de um pequeno rinoceronte, em contraste com sua inteligência
reduzida. A presença dos ghouls, que são criaturas dos folclores árabe e persa,
também deixa margem para a possível aparição de monstros de diversas culturas
diferentes nas possíveis continuações.
A exposição da cultura portuguesa não ficou limitada
apenas às suas criaturas: em alguns trechos são descritas as siglas poveiras,
pequenos marcos de pedra, utilizados para a demarcação de locais estratégicos,
e também a estrela de Sanselimão, um símbolo místico capaz de espantar e até
mesmo fazer desaparecerem monstros das sombras.
4 – Pesquisa, pesquisa e mais
pesquisa.
Como dito anteriormente, um dos pontos mais fortes do
livro está fora de sua história, na nota posterior do final, onde Cordenonsi
especifica boa parte do seu trabalho de pesquisa. Ali nós vemos a principal
cartada do autor: várias situações e lugares podem nunca ter existido na Santa
Maria, porém no livro eles são descritos com uma riqueza de detalhes capaz de
fazê-los palpáveis e até familiares para todo santa-mariense. E isso se deve
justamente à pesquisa intensa, possibilitando descrições detalhadas.
Até mesmo as passagens de trens em determinados
horários soam naturais, embora não ocorram em determinados horários, e o
próprio modelo de locomotiva descrito em alguns trechos parece parte da
paisagem de Santa Maria, apesar de nunca ter sido utilizado por essas bandas. A
cena da locomotiva é, de longe, a melhor parte do livro inteiro, combinando
tensão, espírito de aventura, deslumbramento infantil e uma conclusão
emocionante antes do derradeiro confronto final contra o Homem do Chapéu de
Ferro e seus ghouls, seguido de um gancho para uma sequência de dar água na
boca dos mais afoitos, como é o meu caso...
Curiosamente, a pesquisa também marca a própria
jornada de Duncan na solução de diversos enigmas e charadas dadas de forma
esparsa durante a busca pela Clave Cristalina. Eles revistam bibliotecas e
buscam pistas de todas as formas possíveis, até mesmo durante explicações dadas
em aula, em exibições de slides. Duncan também pratica esgrima em algumas
cenas, explicando sua desenvoltura em confrontos contra ghouls, embora a sua
principal arma certamente seja sua perspicácia e percepção a alguns detalhes no
caminho.
O autor: A Z Cordenonsi.
*Pontos fracos:
1 – Talvez não agrade fãs de
fantasia mais “extremos”.
Em comparação com outras séries de fantasia de longa
data, em especial Harry Potter, o universo ficcional de Duncan Garibaldi
aparenta ser muito mais simples, até por fazer parte de uma vertente chamada
“Low Fantasy” (“fantasia baixa” ou “fantasia leve”, em uma tradução livre). Uma
das muitas variações dessa vertente costuma tratar de acontecimentos
fantásticos ocorrendo em nosso mundo “normal”, porém raramente perturbando a
ordem natural de forma considerável.
Poucas criaturas aparecem na história, bem como
poucas informações: tudo o que sabemos até agora, resumidamente, foi que
bandeirantes enfrentaram monstros durante a era colonial e da existência de um
Inimigo em busca da Clave Cristalina. Muitos capítulos são focados na vida
escolar de Duncan e Joaquim, em especial nos conflitos deles com valentões, as
conversas desajeitadas com meninas, os castigos na diretoria... É claro que
tais episódios tornam a escrita mais vívida, porém alguns leitores podem
interpretar de forma errada, e crer que a história está apenas “enrolando”.
Não considero a ocultação de algumas informações como
algo propriamente negativo, até porque existe muito “chão” a ser percorrido, e
manter a curiosidade acesa é um dos maiores trunfos de um escritor de fantasia.
No entanto, o primeiro livro aparenta mais focado em homenagear Santa Maria do
que entrar de vez na luta contra as forças do mal (não deixa de ser algo sensato,
afinal os heróis são meninos de catorze anos), e isto pode afastar os leitores
habituais, que compram um livro já esperando pelo filme...
2 – A continuação demorará
algum tempo para vir.
A primeira vez que consegui contato com Cordenonsi
foi durante uma série de palestras sobre fantasia e publicações de livros,
ocorridas na Universidade Federal de Santa Maria há quase um ano atrás. Na
época, cheguei até a comentar sobre a possibilidade de não vermos uma
continuação de Duncan Garibaldi tão cedo, até por estar preocupado: A editora
Underworld, responsável pela distribuição do primeiro livro, havia decretado
falência.
No blog original do autor já havia uma capa pronta
para uma continuação, chamada “Duncan Garibaldi e o Mistério da Soteia” (“soteia”
é o nome dado ao terraço colocado no teto de casas ou torres), mas Cordenonsi
hoje está mais ocupado com sua outra criação fantástica, “Le Chevalier”, até
porque esta aparentemente tem lhe dado melhor retorno em matéria de vendas, não
apenas de livros como em outras mídias, como quadrinhos.
No entanto, nem tudo está perdido para o aprendiz de
bandeirante: naquele mesmo dia, Cordenonsi afirmou ter conseguido contato com
outra editora para fazer a impressão, embora a distribuição tenha de ser feita
por outra empresa. O único problema é que essa mesma editora descrita por ele
se encontra na Itália! Talvez tenhamos de esperar alguns anos para embarcarmos
novamente nesse trem...
Texto escrito por Mateus Ernani Heinzmann Bulow.
*Mateus, o escritor desta postagem, é gaúcho, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor, poeta e autor do Livro "Taquarê -- Entre e a Selva e o Mar."
*Link para adquirir o Livro do Mateus:
https://www.amazon.com/TAQUAR%C3%8A-Entre-Selva-Mar-Portuguese-ebook/dp/B071K2WZV6
*Confira também a Análise do Livro "Vera Cruz - Sonhos e Pesadelos" de Gabriel Billy:
https://tatycasarino.blogspot.com/2019/01/vera-cruz-sonhos-e-pesadelos-analise.html
Capa do Livro do Mateus.
O Livro de Mateus Bulow ao lado do livro de André Cordenonsi: dois escritores gaúchos promissores.
*Mateus, o escritor desta postagem, é gaúcho, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), escritor, poeta e autor do Livro "Taquarê -- Entre e a Selva e o Mar."
*Link para adquirir o Livro do Mateus:
https://www.amazon.com/TAQUAR%C3%8A-Entre-Selva-Mar-Portuguese-ebook/dp/B071K2WZV6
*Confira também a Análise do Livro "Vera Cruz - Sonhos e Pesadelos" de Gabriel Billy:
https://tatycasarino.blogspot.com/2019/01/vera-cruz-sonhos-e-pesadelos-analise.html
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