O caderno digital de Tatyana Casarino. Aqui você encontrará textos e poesias repletos de profundidade com delicadeza.









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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Quando as virtudes castigam




Toda essa luz e toda essa miragem
estão me levando às trevas profundas.
Quando ele matar a tua vaidade,
verás o quanto tu és fecunda.

Todos os sorrisos e todos os beijos

estão me levando ao silêncio.
Dentro de um quarto escuro,
tenta se esconder um deus inseguro.

Todo o poder e toda a glória

levam o ser para a triste vitória,
eis que toda busca por liberdade
prende a alma sem piedade.

Então, verás do alto do abismo,

oh! livre-arbítrio doce e supremo,
toda a amargura de vícios terrenos
provocada por teu egoísmo.

Logo cortarás as tuas asas de anjo

para cair do teu reino celestial.
Sangrando no abismo profano,
gritarás por ajuda angelical.

Todos os sonhos, todas as ilusões,

tragicamente despidos do ópio,
serão balançados pelas tendas em vão
na busca insana por atos heroicos.

Inevitavelmente, a morte ceifará tudo:

os teus bens, as tuas honras, os teus tesouros.
Quanto valerá todo o teu inútil ouro
diante da bílis negra de Saturno?

Diga-me, pois, que nada será como antes,
o tempo é só uma doce ilusão da vaidade.
Cavalgam trezentos lutadores errantes
na busca pela libertação da verdade.

A saúde é a prévia da doença,
a esperança leva à descrença.
A vitória já carrega a decepção,
a luz sempre abrigou a escuridão.

Então, verás do alto do teu trono,
que reis e rainhas também são escravos:
escravos da própria alma e de vícios bárbaros.
Ninguém escapa de Orfeu e de seu sono.

Toda a fama leva ao desespero humano,
pois aplausos e vaias são teias de mel e fel,
igualmente criadas como armadilhas do céu
para levar ao inferno todos os profanos.

Ninguém foge de si mesmo,
visto que estamos acorrentados.
Da Pandora, não há caixa ou cesta,
pois todos os monstros estão inflados.

Se tu és um homem de beleza,
sofrerás perseguições ocultas
de pessoas volúveis e inseguras.
Tu sofrerás discriminação e tristeza.

Se tu és uma mulher de beleza,
sofrerás com a inveja alheia com certeza.
As outras mulheres sentirão antipatia por ti
enquanto os homens expressarão desejos vis.

Apesar de toda a luz da beleza,
é inevitável sentir uma profunda tristeza
que sangrará dentro de teu coração.
Todo o abismo que sentes é solidão.

As pessoas mais belas são as mais solitárias,
eis que, por trás de um rosto sorridente,
existe uma frágil e complexa crisálida.
Da borboleta, almejamos o voo fluente.

Se tu és uma pessoa inteligente,
estudarás o mundo e verás que ele é doente.
Tuas ideias não encontrarão pares,
tu serás um deslocado em todos os lugares.

Tua genialidade será vista como doença,
tua nobreza será vista como loucura.
Então, tu conhecerás a melancolia profunda
ao serem rotuladas como esquisitas as tuas crenças.

Se tu és uma pessoa profunda e sábia,
verás que a rotina humana é uma farsa,
pois todos estão mergulhados em ilusões.
Verás egos inflados e atrofiados corações.

Se tu és uma pessoa profunda e sábia,
serás naturalmente incompreendida.
Os moradores da caverna de Platão
jamais poderão ver como tu vês a luz do dia.

Se tu és uma pessoa bondosa,
ficarás perdida em demandas duvidosas.
Tu conhecerás o fogo dos abismos,
os embustes e as ciladas dos inimigos.

Se tu és uma pessoa honesta,
sentirás revolta diante da corrupção.
Mas todo o teu grito irado e sincero
não despertará sequer um coração.

Se tu és uma pessoa dedicada,
com toda razão, ficará brava
diante da vil preguiça alheia.
Tuas ordens serão como movediça areia.

Se tu és uma pessoa doce e gentil,
enfrentarás a ingratidão dos seres.
Todos estão rudes e ríspidos,
voltados para os próprios interesses.

Se tu és uma pessoa iluminada
serás perseguida e injuriada.
Todos os seres de luz são atacados,
martirizados, combatidos e reprimidos.

Se a pessoa de luz mais suprema
passou pelo mundo para ser crucificada,
verás que a tristeza desse poema
nada tem de figura exagerada.

Enclausurado na riqueza da tua luz
nem com todo o ouro comprarás a liberdade.
A tua torre de marfim é fascínio que seduz
nesse redemoinho psicodélico da vontade.

As pessoas mais virtuosas são solitárias
como eremitas curvados arrastando as sandálias.
Pelas próprias virtudes, elas são castigadas,
pelas próprias virtudes, elas são castigadas.

Os corações bons são os que mais sangram,
as pessoas bondosas são bonecas de porcelana,
frágeis, meigas, incrivelmente delicadas.
Mas, por dentro, há uma alma forte que proclama.

Que proclama mais amor e menos dor,
mais coragem e menos tensão,
mais suavidade e menos torpor,
mais luz e menos escuridão.

Onde há mais luz, as trevas são profundas,
mas nada tira o brilho da vida fecunda
que o virtuoso simplesmente deixou.
Em todos os seus passos, há o broto de uma flor.

Então, tu verás que valem a pena
todos os castigos descritos nesse poema
quando o teu primeiro fruto brotar.
O que importa na vida é mesmo amar.

Poesia escrita por Tatyana Casarino.




    *Essa poesia foi inspirada na filosofia de Nietzsche que afirmava: "É pelas próprias virtudes que se é mais bem castigado". Por mais que aparentemente possa ser contraditório associar a virtude ao sofrimento, a verdade é que esse paradoxo está presente em nossas vidas. A poesia também contém referência a Goethe, o qual afirmava: "Onde há mais luz, as trevas são mais profundas." Diz a lenda que Goethe, antes de morrer, balbuciava: "Luz, mais luz."

                   


       Analisando a poesia, trata-se de uma "desconstrução" da filosofia tradicional que eu costumo seguir: aquela que afirma que a virtude está relacionada ao bom, ao moral, ao belo e até mesmo a Deus. As lições das investigações filosóficas primárias, as noções do "dever-ser", as formulações de Kant, as teorias místicas a respeito do sentido da vida: todas afirmam que a virtude leva à felicidade enquanto o vício deve ser rejeitado não somente por ser contrário à ética e à moral, mas também por ser feio e levar à infelicidade. Entretanto, essa poesia mostra que a própria virtude também carrega em si sua própria dose de sofrimento e que ninguém está imune à dor -- nem mesmo os mais virtuosos.  Essa poesia não é para desestimular o cultivo das virtudes, mas justamente para incentivar o caminho da virtude mesmo que ele seja repleto de sofrimento.

                           
 
        O final da poesia deixa claro o otimismo que deve prevalecer acima de tudo, eis que, no final das contas, todo o sacrifício do virtuoso valerá a pena. Essa poesia pretende ser uma abraço aconchegante a todos aqueles que se sentem decepcionados, frustrados e enganados pela vida. Que ela seja um bálsamo para todos aqueles que perguntam: Se Deus é bom, por que o mal existe? Se eu sou virtuoso, por que devo sofrer também? São perguntas que rondam a minha alma desde que sou criança, e talvez essa poesia seja uma das mais sinceras, doces e melancólicas que eu já tenha escrito.
     Muito embora eu ame ler os filósofos trágicos, eu devo admitir que sigo a filosofia otimista e cor-de-rosa de que a vida tem sentido e de que a virtude vale a pena. Por mais melancólica que uma poesia minha possa ser, o final sempre carrega uma espécie de "alívio" ou mensagens esperançosas, porque eu simplesmente não consigo ser o contrário disso. Afinal, eu já avisei na descrição do meu perfil aqui ao lado direito do Blogue que eu sou uma romântica incorrigível, certo? ;)
      Até a Cathy Lee andava esperançosa demais hehehe e eu deixei de assinar com o nome dela. Mas logo terão poemas dela outra vez. No meu livro de poemas, minhas "personagens poéticas" (heterônimos de minha autoria) aparecerão em alguns capítulos.
       Abram os seus corações e deixem a luz vencer!

Abraços,

Tatyana Casarino.





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