A postagem a seguir foi incrivelmente bem escrita por Mateus, que conseguiu fazer altas análises arquetípicas e, inclusive, psicológicas dos vilões Disney com muitas reflexões nas entrelinhas acerca das diversas faces do mal em nossos dias. Além da profundidade, a postagem consegue ser leve e repleta de pitadas de bom humor :).
Eis logo abaixo o texto de Mateus exatamente como ele escreveu. Apenas acrescentei vídeos das cenas onde aparecem os vilões ;).
Confiram!
Sobre essa lista:
“Não existem heróis sem vilões”. Essa é uma máxima
adotada pela arte da ficção desde os seus primórdios, com as poesias épicas e
as histórias ao redor da fogueira, contadas em noites frias e assustadoras. Os
tempos passam, a tecnologia evolui, mas a luta entre o certo e o errado
continua, apenas por outros meios e personagens.
Inspirado pelo teatro, o cinema levaria os antigos arquétipos
das histórias de heroísmo e vilania para as telas, alcançando um número de
pessoas que o teatro e a literatura jamais alcançaram, além de popularizar
diversos personagens icônicos. Como pioneiro da animação nos Estados Unidos, e
também no mundo, Walt Disney não poderia ser deixado de lado nessa história,
afinal sua imaginação e dedicação legaram personagens icônicos e reconhecidos
nos quatro cantos do mundo.
A presente lista conta com um número decrescente,
indo do “menos pior” até o mais terrível vilão das animações feitas pela
Disney. Deve se deixar claro que se trata de uma lista pessoal, mas sugestões
são bem vindas nos comentários, e também é necessário avisar que tal lista
conta com spoilers (revelações acerca do enredo), embora eu creia que a maior
parte dos internautas conheça tais obras, ou ao menos saiba como elas acabem.
Para compor essa lista, eu utilizei antagonistas do
período inicial dos estúdios Disney, até a chamada “renascença” dessa empresa,
totalizando uma época que segue de 1937 até o final dos anos 90. Outra regra
adotada foi utilizar apenas filmes realizados em animação 2D tradicional, dessa
forma os filmes da Pixar não aparecerão aqui, bem como os filmes realizados em
3D pela própria Disney, ou os filmes com atores.
Com todas as regras e critérios dispostos, eu apenas
faço um último alerta: Todo cuidado é pouco para sair com vida desta leitura...
10 – Gaston.
Filme: A Bela e a Fera.
Pegue uma boa quantia de
narcisismo, prepotência e falta de bom senso, misture com músculos e você terá
Gaston. O caçador local da vila onde Belle e seu pai vivem também é o herói da região,
admirado por todos os aldeões, em especial as garotas solteiras, mas não possui
reais atributos além de sua força física e pontaria. Em tempos remotos, Gaston
seria quase um herói, mas hoje ele provavelmente seria uma caricatura perfeita
do “playboy” moderno, com camiseta polo aberta na gola e tocando som alto no carro,
provavelmente uma camionete rebaixada (rebaixar camionetes deveria ser crime
hediondo...).
Apesar de desprezar o
conhecimento e ver a paixão por livros como algo inútil, Gaston é esperto e
observador, e não demora a utilizar a desconfiança dos aldeões contra a Fera em
proveito próprio, quando enxerga as vantagens ao seu lado. Isso acabaria por
ser sua ruína, pois apesar de suas capacidades avançadas como caçador, ele não
seria capaz de derrotar Fera, e pagaria com a própria vida por sua deslealdade.
Por ser praticamente um anti-herói seguindo seus próprios interesses, e também
por inverter a própria imagem tradicional dos heróis do passado, Gaston merece
um lugar nessa lista.
*Uma das frases mais marcantes de Belle é quando ela diz a Gaston, referindo-se à Fera: -- Ele não é monstro, Gaston. Você é!
Cena de Gaston:
9 – Rainha Grinhilde.
Filme: Branca de Neve e os
Sete Anões.
Se multiplicarmos a vaidade e
o ego por mil vezes seguidas, ainda não alcançaríamos a cruel e egoísta Rainha
Grinhilde. Sua vida se resume em ser a mais bela, e nós nem ao menos somos
informados durante a história de como vão seus súditos ou mesmo a respeito das
finanças do reino. Desconfio que o reino não esteja nada bem, pois os seus
cenários sempre aparentavam estar abandonados, como se a maior parte dos
cidadãos tivesse fugido de medo, ou morrido durante os acessos de fúria da
rainha.
Sua obsessão em superar Branca
de Neve motivou Grinhilde a mudar sua própria aparência para, ironicamente, se
transformar em uma bruxa de aspecto apavorante, e tentar matá-la com veneno em
uma maçã. Outro aspecto irônico de sua vaidade excessiva foi o seu berro de
triunfo com a morte aparente da protagonista: A rainha exclama, entre risadas,
“Agora sou a mais bela de todos!”... Porém ela continua transformada em velha!
Não deixa de ser divertido pensar que o infortúnio de
ser superada por Branca de Neve no quesito de beleza talvez tivesse ocorrido
por um erro de interpretação: Quando o espelho (descrito como um escravo preso
em seu interior) disse que a jovem menina “era a mais bela de todas”, talvez se
referisse à sua bondade e falta de malícia, e não à sua aparência física. Por
representar a vaidade em seu estado puro e mais brutal, Grinhilde não poderia
ficar de fora.
Cena da Rainha Grinhilde transformando-se me velha para levar a maçã envenenada à Branca de Neve:
8 – Lady Tremaine.
Filme: Cinderella.
Se Gaston era uma caricatura
perfeita de sujeitos arrogantes e prepotentes, nossa “oitava colocada” se
encaixa em outro tipo de pessoa que se esconde sob as aparências. Lady
Tremaine, muita vezes chamada apenas de madrasta malvada em algumas traduções,
é um resumo bem acabado de mulheres cuja vida se resume a títulos e mais nada.
Quando não está tramando um bom casamento para suas
duas filhas, Anastácia e Drizela, Tremaine se ocupa de tornar a vida de
Cinderella um calvário, sobrecarregando-a com todo o trabalho doméstico e
pesado dentro da suntuosa casa onde vivem, desde que o pai da garota faleceu.
Sem dúvida, Tremaine não sabe que o trabalho, ao invés de diminuir, apenas
fortalece o espírito: Mesmo com toda a humilhação e dificuldade, Cinderella
continua com seu espírito vivo e resistente.
Diferentemente de outros
vilões da Disney, Tremaine não possui quaisquer habilidades mágicas, poderes
especiais ou mesmo um séquito de capangas fiéis, prontos para cumprir quaisquer
ordens suas. Entretanto, ela consegue instigar medo apenas com seu mero olhar
fixo e penetrante, deixando bem claro não ser flor que se cheire...
Nos anos 90, uma novela brasileira chamada “Vale
Tudo” apresentou ao público brasileiro a detestável socialite Odete Roitman. A
personagem odiava pobres, além de tudo o que dissesse respeito ao Brasil, e até
mesmo desprezava a própria filha e passava sobre tudo e todos em nome de poder
e dinheiro, sendo praticamente uma “versão real” de Lady Tremaine. Por
demonstrar que existem muitas formas de se machucar e humilhar alguém, Odete,
Ops! Tremaine merece lugar nessa lista.
Cena de Lady Tremaine ordenando Cinderella a limpar a casa:
7 – Lyle Tiberius Rourke.
Filme: Atlantis, o Reino
Perdido.
O líder da expedição rumo à
cidade perdida de Atlântida também é, ironicamente, o grande vilão, e confesso
ter sido um choque tremendo vislumbrar sua traição a Milo, o jovem detentor do
Diário do Pastor, a única ferramenta capaz de levá-los até o Reino Perdido. Sua
verdadeira face apenas é revelada perto do final, quando ele e seus capangas
decidem levar Kira à força, rumo à superfície, privando Atlântida de sua força
vital.
Nada parecia indicar uma virada súbita até aquele
momento: Como líder, Rourke era pragmático, direto e corajoso, um exemplo nato
de como um bom comandante deve agir e conduzir seus homens. Um dos momentos
marcantes do filme ocorre logo após a fuga do submarino sendo destruído pelo
poderoso Leviatã: Rourke coloca um prato metálico com uma vela sobre a água, em
homenagem aos que morreram, e faz um discurso onde enfatiza a necessidade de
seguirem em frente, com todos os homens e mulheres cumprindo com as diversas
tarefas da expedição, como cozinhar e dirigir os veículos. Quem poderia imaginar
que tal sujeito escondia algo tão sinistro?
Como é comum em psicopatas,
sua verdadeira face estava escondida sob uma máscara de disciplina e dever, bem
como de companheirismo, e é justamente este o primeiro aspecto a ser jogado
fora por Rourke, quando ele empurra Helga, sua aliada, do balão onde estavam
fugindo, a fim de aliviar o peso, ainda soltando um “Primeiro as damas!”. Antes
de morrer, Helga solta um sinalizador luminoso, atingindo seu balão e
arruinando sua fuga.
Durante o combate violento e desigual com Milo, Rourke
ainda comenta ser um sujeito “razoavelmente calmo”, além de parabenizar o rapaz
por deixá-lo realmente furioso, deixando mais uma vez visível a sua possível
psicopatia. Apesar de não ser muito forte, Milo consegue espetar um pedaço do
cristal de Kira no braço do traidor, transformando-o em uma pedra e quebrando
em vários pedaços. Por demonstrar que o mal nem sempre é possível de ser visto
ou notado, e muitas vezes se esconde sob uma aura de abnegação e de altruísmo,
Rourke não poderia ficar de fora desta lista.
Cena onde Rourke diz ironicamente: Have a nice swim?
6 – Scar.
Filme: O Rei Leão.
“A vida não é justa, não é
mesmo?”. Com essa frase icônica, Scar não apenas apareceu pela primeira vez,
como também apresentou sua “filosofia de vida”, irônica e voltada apenas a
servir seus próprios interesses mesquinhos. O irmão de Mufasa é um sobrevivente
em vários aspectos: Não é o mais forte ou mais apto dos leões, mas foi tolerado
como o conselheiro real durante muitos anos, antes de finalmente pôr o seu
plano em ação.
Embora fisicamente fraco e inapto para lutar, Scar
possuía seus próprios meios de agir, juntando um grande grupo de hienas para
fazer o trabalho sujo. De certa forma, sua estratégia para arregimentar
seguidores não se diferencia muito de um líder populista, capaz de falar aos
ressentidos e aos desprivilegiados de diferentes grupos, prometendo dias melhores
sob uma nova liderança, nesse caso, a sua própria liderança.
Scar possui vários atributos comumente
observados em diversos vilões, porém se sobressai em uma característica, nesse
caso, a lábia e a capacidade de convencer as pessoas (ou, melhor dizendo, os
animais), muitas vezes falando o que elas querem ouvir. Ele não se importa
realmente com as hienas, os leões, ou qualquer outra coisa, buscando apenas o
poder pelo poder, inclusive matando membros de sua própria família, e soltando
outra de suas frases icônicas: “Longa vida ao Rei!”
Algumas das características de Scar são reconhecíveis
graças aos seus trejeitos, muito mais esquivos e lânguidos em comparação com
outros leões, tanto na fala como em seus gestos, enfatizando o perigo de se
acreditar em suas palavras e promessas. Um dos temas explorados em O Rei Leão
trata-se justamente de promessas que não são cumpridas, tanto por parte de
Simba como de Scar, com a diferença que o filho de Mufasa recuperaria o trono,
bem como a antiga prosperidade das Terras do Orgulho.
Outro ponto a favor de Scar está em sua voz na
dublagem, que no Brasil foi realizada com maestria por Jorgeh Ramos, já
falecido há pouco tempo, e reconhecido por fazer diversos vilões, bem como
anúncios de trailers. Por deixar clara a mensagem que às vezes o mal se esconde
dentro da própria família, Scar não poderia ficar de fora.
Cena famosa de Scar cantando "Se Preparem" com a incrível dublagem de Jorgeh Ramos:
5 – Jafar.
Filme: Aladdin.
O deserto é o lar de diversas
criaturas peçonhentas: Cobras, escorpiões, aranhas... Mas uma delas se destaca
em sua capacidade de envenenar suas presas. Jafar, o vizir (equivalente ao
primeiro ministro em países islâmicos) de Agrabah, possui habilidades mágicas
poderosas, mas nada se equipara à sua capacidade de convencer os incautos.
Jafar praticamente enganou a todos no filme, em um
momento ou outro, usando de seus feitiços ou sua lábia: O Sultão, Jasmine e
Aladdin, sendo esse último sob o disfarce de um velho estranho. Ironicamente, a
princesa de Agrabah usaria de dissimulação para derrotá-lo, em um lance
desesperado, ao apelar para a sedução.
Como marca registrada, o vizir
carregava um bastão de madeira dourada, cujo topo terminava em uma cabeça de
naja, em um claro reflexo de sua personalidade venenosa. Sua transformação em
uma grande serpente é assustadora de se ver até hoje, embora não se compare com
a transformação em um gênio maligno e corpulento, ironicamente a causa de sua
ruína. Em comparação com outros vilões, Jafar não conta com uma rede de capangas
ou seguidores fiéis, com exceção do seu papagaio de estimação, Iago. Em
compensação, Iago ganha, de longe, em matéria de personagem mais chato já visto
em uma animação da Disney, e é uma pena ter de aturá-lo na série animada do
Aladdin...
Na dublagem brasileira, Jorgeh Ramos fez mais uma vez
um excelente trabalho de tradução, transmitindo com maestria a malícia e a
dissimulação do terrível tirano, bem como seus raros rompantes de fúria. Devido
aos trejeitos ligeiros e ao detrimento do uso de força para alcançar os seus
objetivos, em nome de jogadas furtivas e dissimuladas, Jafar costuma ser
comparado a Scar, o que gerou uma teoria popular entre os fãs, afirmando que
ambos os vilões são encarnações da mesma entidade maligna. Tal teoria pode ter
sido catapultada no Brasil, devido ao mesmo dublador.
Em versões alternativas de Aladdin, mais precisamente
os filmes avulsos, conhecemos uma parte obscura do passado do vilão: Assim como
o rapaz errante de Agrabah, Jafar também já foi um menino de rua, mas sua
inteligência e perspicácia o levaram ao topo da hierarquia no palácio,
utilizando estratagemas desonestos para prejudicar possíveis rivais em seu
caminho. Por mostrar que um indivíduo é definido pelos seus atos e escolhas,
muito antes de sua origem, Jafar merece um lugar nessa lista.
Cena clássica do duelo entre Aladdin e Jafar. Quem viveu a infância na década de 90 provavelmente vai se lembrar do game de Aladdin no Super Nintendo :)
4 – Malévola.
Tudo parece ser festa e
alegria, a comemoração segue bem divertida, até que então, subitamente alguém
inesperado aparece na porta, em uma expressão clara de desgosto e raiva.
Trata-se de uma pessoa que não foi convidada, e o constrangimento é geral.
Tomada pela raiva, essa pessoa decide presentear a pessoa mais importante da
festa... Com uma maldição terrível aos dezesseis anos!
Malévola é a epítome da raiva e do rancor. Ou alguém
acha “razoável” amaldiçoar uma criança, por não ter sido convidada para um
batizado? Sua mera presença súbita no palácio não demora a criar um terrível
mal estar em todos à sua volta (talvez não tenha sido à toa que tenham se “esquecido”
de convidá-la), e apenas as três fadas não a temem. Sua proteção sobre Aurora
possui efeito limitado, e cabe ao príncipe Filipe terminar o serviço,
eliminando Malévola de uma vez por todas.
Diferentemente da visão
tradicional acerca das bruxas, Malévola possui uma aparência elegante, embora
ainda ameaçadora, similar a um grande morcego ou vampiro, e mesmo seus gestos
são delicados e polidos ao lidar com outras pessoas. Como ajudantes, a
feiticeira conta com um corvo chamado Diablo, além de um exército de, bem...
Criaturas bípedes similares a porcos, usando armaduras e espadas.
Assim como Jafar, vários movimentos e habilidades de
Malévola são baseados em répteis, em especial sua forma final de combate: Um
grande dragão negro com olhos verdes. O próprio diretor Guillermo Del Toro,
grande admirador de Walt Disney, afirma que, juntamente com Vermithrax, do
filme “O Dragão e o Feiticeiro”, a forma de dragão de Malévola é o mais
assustador dos répteis cuspidores de fogo da história do cinema.
Irritação e descontrole são, visivelmente, as marcas
registradas de Malévola, e seus poderes são exclusivamente utilizados para
prejudicar quem a desagradou, mesmo contra quem não possuía tal intenção, como
os desafortunados pais de Aurora. Por demonstrar o que a raiva é capaz de mover
contra pessoas inocentes, e também por servir como um “resumo” do próprio mal
em estado puro, Malévola se encontra aqui.
*Confiram Trailer de A Bela Adormecida Edição Diamante:
3 – Shan Yu.
Filme: Mulan.
Imagine que você é o vigia de
uma muralha tida como impenetrável, e em um belo dia, uma horda gigantesca de
guerreiros com aparência brutal e animalesca simplesmente passa por ali como se
tal maravilha arquitetônica não fosse nada. Subitamente, o líder deles aparece,
com um sorriso maníaco de satisfação no rosto. Assustador, não é mesmo?
Tal imagem retrata muito bem Shan Yu, o implacável
senhor da guerra e líder dos hunos, dispostos a transformar a China em ruínas.
O seu nome parece ser uma variação de “Xiongnu”, como os chineses chamavam os
povos nômades que atacavam com frequência as regiões ocidentais do império.
Durante a chamada Dinastia Han, nada menos que três grandes guerras ocorreram
entre chineses e os Xiongnu, com três vitórias seguidas para a China. Apesar da
relativa semelhança entre os nomes, é pouco provável que os hunos de Átila
sejam descendentes dos nômades Xiongnu.
De qualquer forma, Átila se sentiria envergonhado
diante deles: Shan Yu representa muito bem o estereótipo do guerreiro selvagem
e focado em conseguir a vitória a qualquer custo, e seus métodos e estratégias
são incrivelmente destrutivos, além de deixarem pesadas baixas para os
chineses. A situação ficou especialmente crítica, ao ponto de cada casa, clã ou
família ser obrigada a ceder um homem ao exército chinês.
Diferentemente dos outros
personagens do filme, e também de outros vilões da Disney, Shan Yu não
subestima as mulheres em batalha, e não demora a direcionar toda a sua raiva
pelos fracassos anteriores à única mulher no exército, Mulan. Embora confie
muito no poder e na capacidade de seus guerreiros nômades, o vilão também
valoriza a estratégia, e prefere armar emboscadas e ataques surpresas, em uma
abordagem completamente distinta da tática de “terra arrasada” utilizada contra
vilas indefesas.
Embora não conte com poderes sobrenaturais, Shan Yu
conseguiu a notável proeza de sobreviver a uma avalanche, bem como o seu
exército de saqueadores. Isso pode ser explicado por seu modo de vida rude e
violento, e também porque apesar de não serem capazes de fazer magia, hunos são
resistentes e talhados para a vida nas montanhas, enfatizando mais uma vez suas
diferenças em relação aos chineses. Por servir de lembrete amargo para os
civilizados de que a aniquilação completa de sua sociedade e de seus valores às
vezes está na borda de suas fronteiras, Shan Yu merece figurar em terceiro
lugar nesta lista.
2 – Claude Frollo.
Filme: O Corcunda de Notre
Dame.
Muitas vezes a melhor das
intenções pode abrir o caminho para o pior dos infernos, e nesse quesito,
Claude Frollo é uma boa representação dessa terrível verdade. O juiz de Paris
já revelou sua natureza sinistra e brutal logo durante o prólogo de O Corcunda
de Notre Dame, ao matar uma cigana que fugia da cidade, e apenas poupar o seu
filho deformado devido à pressão de um vigário. O rapaz cresceria sob sua
proteção, com o nome de Quasimodo, sem nunca ter contato com o mundo exterior.
Disposto a livrar sua amada cidade de todo e qualquer
vício ou devassidão, Frollo começa uma campanha extensiva para “limpar” as ruas
de ciganos, blasfemadores e hereges. Sua truculência alcança um nível tão
horrível que diversos de seus comandados decidem abandonar essa campanha, ou até
mesmo se posicionar abertamente contra ela. É o caso do cavaleiro Febo, outrora
um cumpridor fiel de todas as suas ordens, porém cada vez mais indignado com
sua missão “divina”.
Apesar de se colocar como um
paladino em busca da proteção à moral e aos bons costumes, Frollo possui um
frágil telhado de vidro sobre sua cabeça: O implacável juiz não pôde conter
seus desejos libidinosos em relação à cigana dançarina, e se convence de que ela
se trata de um teste à sua fé inabalável, não podendo ser responsabilizado pelo
seu desejo ardente. Quantos homens não usaram a mesma “justificativa”, há pouco
tempo atrás, falando em mulheres que “mereciam ser estupradas”? Apesar de não
se guiarem pelos mesmos argumentos de Frollo, a essência de tais justificativas
parte do mesmo pressuposto de que o homem não é responsável pelos seus atos...
Entre os vilões da Disney, Frollo também ganha com
louvor no quesito de número musical mais aterrorizante de todos. Sinceramente,
a imagem mais marcante do filme do Corcunda de Notre Dame ainda se trata da
visão horrível que o odioso juiz tem durante sua música, denominada “Fogo do
Inferno”: Vários homens altos utilizando capuzes vermelhos, impedindo a visão
de seus rostos, e dispostos em duas colunas pelos corredores. Subitamente, eles
se juntam em um turbilhão, e se fundem em um único ser estranho, e Frollo é
tragado pelas chamas de sua lareira. Se os desenvolvedores queriam criar uma
imagem que ficasse pregada nas mentes dos espectadores, sem dúvida eles
conseguiram!
É interessante notar como o fogo é um elemento
intrinsecamente ligado ao vilão: Não apenas o seu número musical conta com
labaredas e diversos tons quentes, enfatizando o seu medo de ser punido com o
inferno, como sua obsessão em queimar os hereges o levou a um fim abrupto, com
sua queda em um incêndio. Por ser um lembrete amargo de vários males da
humanidade, tais como o preconceito, o fanatismo religioso, o abuso do poder e
a misoginia, Claude Frollo está em segundo lugar nesta lista.
Cena épica onde Frollo canta Fogo do Inferno. Destaque para a voz incrível do dublador Rodrigo Esteves na canção.
1 – O Cocheiro.
A presença de um vilão
relativamente desconhecido em primeiro lugar deve aparentar levemente estranha,
em se tratando de um personagem que nem ao menos possui um nome real, sendo
denominado apenas pelo seu trabalho. “Como foi possível esse sujeito gorducho e
desengonçado passar à frente de Scar, Jafar, Malévola, entre outros,
personagens enraizados no imaginário da Disney há décadas?”, alguém pode se
perguntar. Na verdade, existem muitos motivos pelo qual considero o Cocheiro o
mais terrível vilão da Disney.
Em primeiro lugar, quem ou o que é o Cocheiro?
Sabemos que ele possui contatos com alguns meliantes locais que enganaram
Pinóquio no início do filme, e também que ele é o detentor de um parque de
diversões em uma ilha isolada de tudo e de quaisquer cidades próximas, mas e o
que mais? A transformação dos meninos em burros ocorre devido aos poderes da
ilha? Ou seria o próprio Cocheiro o responsável pela magia? Em caso positivo,
seria ele um bruxo, um monstro, o próprio diabo disfarçado?
Mesmo os seus capangas possuem uma aparência
estranha, sendo mais parecidos com gorilas ou fantasmas do que pessoas. Tal
ambiguidade a respeito da extensão de seus poderes, habilidades e suas alianças
tornam o Cocheiro muito mais próximo de vilões de filmes de terror do que de
histórias infantis.
Em matéria de vilania, o
Cocheiro também supera, de longe, diversos vilões. Seu único objetivo é o
lucro, algo que toda e qualquer pessoa honesta almeja obter, é claro. Entretanto,
sua “fonte de renda” provém do sequestro de crianças, sua transformação em
burros, e sua subsequente venda para locais diversos, tais como circos e minas
de sal, onde eles trabalharão pelo resto de suas vidas. O destino desses meninos
desafortunados levanta uma nova questão: Os compradores de burros sabem da
sinistra proveniência da “carga”? Antes de embarcar os burros, o Cocheiro
pergunta-lhes os nomes, e se a resposta for dada por meio de um zurro, o animal
é embarcado, o que leva a crer que os compradores não fazem ideia de tal crime.
Na prática, o Cocheiro age como se fosse um
traficante de escravos, e se a absoluta crueldade de seus atos e a ambiguidade
quanto sua real natureza não fosse o suficiente para torná-lo o mais terrível
vilão da Disney, outro aspecto certamente o permite: O Cocheiro nunca foi
punido por seus atos. Ele foi o único vilão a escapar incólume de quaisquer
consequências por suas maldades, afinal Pinóquio e o Grilo fugiram antes da
transformação ser completada, e a partir daí, o Cocheiro, bem como seus
ajudantes e os desafortunados meninos não aparecem mais durante o filme.
Um final alternativo para o Cocheiro aparece no jogo
do Pinóquio 8-bits da Nintendo, onde ele é arremessado de um penhasco pela
marionete, mas obviamente, tal cena não é considerada como parte oficial da
cronologia. Curiosamente, ele é arremessado do mesmo penhasco da qual Pinóquio
pulou para escapar da ilha, tornando tal cena muito irônica. Por ser um vilão
ambíguo, misterioso, porém ainda factível, e também por lembrar que o mal,
infelizmente, nem sempre sofre a punição merecida, o Cocheiro merece o primeiro
lugar na lista de maiores vilões da Disney.
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