Vampiros são demônios... quem nunca ouviu esta frase? A maioria das meninas cristãs da minha época não gostava (ou não admitia que gostava) da Saga Crepúsculo. Ocorre que, como eu sempre fui uma cristã diferente e de "mente aberta" eu gostei da Saga (e até encontrei elementos conservadores dentro dela).
O mundo "gótico" tem muita subversão (é verdade) e peca com a sua apologia à melancolia e às sombras enquanto nós (cristãos) somos chamados à luz (esperança e alegria fazem parte da luz). Não obstante, por incrível que pareça, os "góticos" mais "suaves" e românticos têm muito a ver com o cristianismo.
Existem correntes góticas que cultivam o mal (infelizmente, há muitos elementos negativos e tóxicos na cultura e até mesmo em algumas linhas da literatura gótica), mas, neste texto, eu falarei dos góticos românticos que não cultivam preferências malévolas (esses costumam ser bonzinhos por trás do jeito introspectivo) e da cultura gótica em geral.
Não se encaixar no mundo e ter a mortalidade em mente são duas atitudes que encontramos na cultura gótica e na cultura cristã. A visão da morte e a curiosidade diante dos cemitérios e dos assuntos da alma são até saudáveis se forem cultivadas dentro de bons limites (sem cair na apologia excessiva aos sentimentos mais mórbidos) e podem incentivar o espírito filosófico e cristão em uma pessoa mais sensível.
A caveira, por exemplo, não é um símbolo das trevas, mas simplesmente um símbolo da mortalidade e da nossa necessidade de transcendência. Inclusive, muitos santos são retratados com crânios para incentivar a contemplação e a filosofia cristã. A reflexão profunda sobre a finitude é o principal ponto de encontro entre o cristianismo e o mundo gótico.
Diante das reflexões sobre a morte e da consciência da finitude, podemos alcançar um novo pensamento, abandonar o orgulho, mergulhar no sentido da vida e até mesmo tocar a humildade e a virtude. Alguns monges católicos usam a expressão em latim "Memento mori" (lembre-se de que você vai morrer) como exercício de santidade.
O conceito de "gótico" é muito abrangente dentro da arte, da literatura e até mesmo da arquitetura (ressalto que as Igrejas Católicas com arquitetura gótica são belíssimas) e pede uma análise mais completa num futuro texto. É fundamental destacar que a profundidade da literatura gótica sobre as sombras humanas pode contribuir com o cristianismo em vez de ser inimiga dele.
O mundo gótico e o cristianismo têm uma luta em comum: a luta contra a positividade tóxica e a leviandade dos nossos tempos, onde as pessoas cultivam ilusões supérfluas nas redes sociais e deixam de lado os assuntos profundos da alma. E, certamente, é mais fácil propagar os valores de Cristo para um rockeiro gótico com um espírito filosófico profundo e para uma moça que lê Crepúsculo do que tentar mostrar o caminho cristão para influenciadores digitais mergulhados nas ilusões mundanas da fama e da ostentação.
O mundo gótico analisa as sombras da humanidade do mesmo jeito que o cristão estuda os pecados. E o que são os vampiros? Apenas arquétipos dos nossos pecados. O homem que se entrega ao instinto sem lapidar os vícios da alma é como um lobo, como um vampiro ou como qualquer outro personagem do terror gótico. Em suma, o vampiro é um pecador incorrigível que perdeu a sua alma e que serve de alerta para todos nós.
Ira, luxúria e orgulho são os pecados cometidos por vampiros nas obras literárias. Quando não aprendemos a amar verdadeiramente o próximo, somos como "vampiros" sugando as "energias" das pessoas ao nosso redor. O vampiro não é um arquétipo que faz apologia ao mal, mas que serve de alerta para o leitor da literatura gótica combater o mal dentro dele.
04 elementos conservadores da Saga Crepúsculo:
1) Respeito ao casamento
Edward não quis transformar a Bella nem fazer amor com ela antes do casamento. Um vampiro respeitando a castidade em plena literatura gótica da cultura pop? Sim, é isso mesmo, meu bem. Como o Edward era um vampiro que viveu no século passado, ele tinha valores conservadores de outros tempos.
Esse casal pode ter defeitos, mas expressou grande representatividade para a castidade, influenciando, ainda que de forma romântica e abstrata, o sonho da pureza e dos valores tradicionais em muitos jovens.
2) Família tradicional
Os Cullen formam a família do Edward e parecem uma família tradicional. O pai adotivo do Edward é médico e somente transforma as pessoas em vampiras quando elas não têm mais condições de viver como humanas. Sendo assim, quando ele não pode salvar a saúde de alguém, ele usa o seu veneno de vampiro a fim de proporcionar a imortalidade ao paciente e salvar a sua vida.
Muito embora seja um vampiro, o Doutor Carlisle Cullen é um bom "pai de família", já que criou uma família tradicional ao redor de si. Ele adota como filhos alguns vampiros recém-criados e leva uma vida virtuosa, sendo fiel à esposa Esme Cullen. Em sua casa, ele exige que os seus filhos vampiros tenham uma vida virtuosa, o que abrange as seguintes regras: não atacar humanos e buscar nutrição apenas no sangue dos animais caçados.
3) Busca pela virtude mesmo num mundo sombrio
Edward tinha tudo para mergulhar no pecado e abandonar a prática da virtude, pois não era obrigado a se preocupar com a salvação da sua alma, considerando a sua imortalidade. Ele também poderia ser orgulhoso, usar os seus poderes para constranger os humanos e não ter mais empatia pelos seres humanos.
Entretanto, Edward apresenta uma preocupação com a virtude que vai muito além da preocupação com a salvação: ele busca a virtude pela virtude, pois, simplesmente, não quer ser um monstro maior do que ele já é.
Por trás da atmosfera gótica e adolescente de Crepúsculo, há uma mensagem muito profunda de esperança: é possível buscar a bondade, a luz da virtude e os bons valores mesmo quando você vive num mundo repleto de escuridão.
Edward respeita os seres humanos, não quer colocar Bella em perigo e usa os seus poderes para o bem. Na cena onde Bella se apaixona por ele, Edward salva a moça de ser atropelada no estacionamento da escola com os seus poderes vampirescos de força, agilidade e velocidade.
4) Autora religiosa
A jornada repleta de valores religiosos está nas entrelinhas da literatura criada pela escritora Stephenie Meyer. Nascida no seio de uma família mórmon, ela transferiu boa parte dos preceitos religiosos para os seus livros sobre vampiros.
A escritora expressa valores cristãos bem evidentes nos seus livros: a virgindade guardada até o casamento e o livre-arbítrio. A juventude da garota certinha, tímida, virgem e que nunca ingeriu álcool certamente inspirou a criação da personagem Bella.
Talvez a sua obra nunca teria alcançado o sucesso se ela não tivesse colocado uma pitada de "pecado" e paixão com criaturas perigosas, como os vampiros, instigando o amor proibido. E essa é a grande façanha de um cristão quando resolve ser escritor da literatura pop: colocar valores bons escondidos e espalhados em suas obras, sendo um missionário "inflitrado" no mundo gótico e adolescente.
Afinal, um adolescente rebelde e gótico passa longe dos livros religiosos nas livrarias, mas procura livros populares para ler. Eventualmente, um jovem leitor pode ser influenciado positivamente no caminho dos bons valores por um escritor desse tipo de literatura adolescente...
A escritora já declarou que a ideia para Crepúsculo surgiu num sonho. O sonho era sobre uma garota conversando com um vampiro numa floresta. Com base nesse sonho, a autora escreveu a cena mais famosa do livro (aquela que o Edward revela a sua natureza vampiresca para Bella na floresta e que ficou bastante relevante na hora de transformar o livro em filme).
Ela nunca havia pensado em vampiros, e o sonho foi uma surpreendente inspiração. A autora disse: "Não escolhi os vampiros. Eles me escolheram." Ela conseguiu transformar um vívido sonho num romance de sucesso.
*A cena mais famosa do filme:
https://www.youtube.com/watch?v=p-9nVZr1eKU
Na minha experiência como escritora de literatura gótica e religiosa, eu percebi que dá para seguir essas duas linhas literárias perfeitamente. Coloco valores cristãos mesmo nas minhas poesias góticas e na obra mais "dark". Além disso, a profundidade do estudo simbólico e das sombras psíquicas fortaleceu a minha sabedoria cristã na hora de escrever sobre religião.
Muitas pessoas se surpreendem quando veem um autor religioso na literatura pop, mas é perfeitamente possível conciliar os nossos bons valores com a escrita. A castidade e um estilo de vida introspectivo combinam perfeitamente com a carreira de um escritor.
Além do mais, os autores generosos e os filantropos da cultura pop são os escritores de suspense gótico. Como lidamos com o medo e mergulhamos nas sombras humanas, temos mais empatia pelo ser humano e, por incrível que pareça, mais amor pela luz e pela caridade.
Tatyana Casarino.
*Saiba mais sobre o assunto no link:
*Preceitos religiosos são determinantes para entender a saga Crepúsculo:
Correio Braziliense sobre os valores religiosos de Crepúsculo