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terça-feira, 28 de setembro de 2021

Comer, rezar e amar: os retratos da quarentena nessa pandemia.

 

                      


  Esse é um texto bem-humorado sobre os desafios da pandemia. Antes de mostrar as consequências da pandemia ao leitor, vou explicar as razões e as inspirações para esse texto.

  Estamos em plena quaresma de São Miguel (eu e minha avó fazemos as orações católicas de São Miguel Arcanjo entre o dia 15 de Agosto até o dia 29 de Setembro), e eu minha avó não oferecemos nenhuma penitência nessa quaresma, mas prometemos o seguinte: encarar com leveza e bom humor a pandemia sem qualquer reclamação densa (consideramos a pandemia uma grande penitência natural e coletiva).

   E, sobre a pandemia, resolvi refletir sobre ela em um texto de forma leve com pitadas de bom humor. Até as críticas sociais que farei não serão reclamações densas nesse texto, mas reflexões com bom humor para levar paz e humor ao seu coração. Eita que o texto tão esperado sobre a quarentena ficou grande! Mas, vale a pena refletir sobre ele, querido leitor. ;) 

   Certa vez, li que São Francisco de Sales dizia que a melhor penitência não é aquela que a gente escolhe, mas aquela que a vida dá e que a virtude está em suportar bem os sacrifícios "normais" do cotidiano. Eu sigo esse lema. "A perfeição do homem consiste em sofrer bem todas as coisas" (Frase de São Francisco de Sales). 

    São Felipe Neri, por exemplo, dizia que conservar o bom humor no meio das penas e das enfermidades é sinal de uma alma reta e boa. Portanto, farei um texto que não lamentará sobre a pandemia, mas que levará críticas sociais e consolo ao leitor com bom humor. 

  Eu morei em Brasília e lá eu conheci a espiritualidade dos Salesianos. Os salesianos procuram as oportunidades de penitência no cotidiano: nas incompreensões das pessoas, nas pequenas decepções, nas críticas e nas imperfeições naturais da vida que nos incomodam e nos angustiam. Suportar com temperança e alegria os desentendimentos humanos e as dificuldades do dia a dia é uma penitência natural para a alma, a qual não precisa recorrer a sacrifícios extraordinários para se iluminar em santidade e virtude. 

   Me identifiquei com essa espiritualidade, porque foi ela que corrigiu o meu temperamento melancólico e "chorão". Meu ego tende a ser melancólico e magoado com as incompreensões cotidianas, mas o bom humor lapidou bastante a minha alma e me fez mais virtuosa e feliz. 

  Quem vê minha simpatia nem imagina que nasci com o temperamento melancólico. Transformar a melancolia em simpatia é magia. Essa é a magia da transformação do estudo dos quatro temperamentos (colérico, sanguíneo, melancólico e fleumático) baseado na medicina grega (Hipócrates) e medieval (Galeno). Contrariar os vícios do seu temperamento é uma via de iluminação para vencer a si mesmo. 

    Obviamente que dá para aproveitar as virtudes do seu temperamento original também (nem tudo no seu temperamento é vicio ou pecado). Transmutar melancolia em poesia, arte e filosofia também é outra via de iluminação (mas isso é papo para outro texto). Rubem Alves já dizia que ostra feliz não faz pérola. 

   Eu sigo o famoso lema "vamos rir para não chorar", porque não gosto de lamentações nem de uma energia exageradamente piedosa. Então, se estou angustiada, por exemplo, sorrio ao invés de chorar. É um exercício espiritual interessante e até elegante, o que deixa você muito mais simpático (com todo respeito - risos). O sorriso não é forçado, mas divino, santo e genuíno. 

  Nem sempre dá para seguir esse padrão. Muitas vezes, já estourei emocionalmente, caí e chorei. Mas, está tudo bem. Somos humanos e falhos. Deus nos perdoa e nos reergue. Contudo, é muito legal seguir a via da iluminação através do bom humor. 

  O objetivo do texto não é fazer piadas da pandemia, algo tão sério e que levou a vida de tantas pessoas. Humor deselegante e sarcástico é até pecado e não virtude. O que farei é colocar pitadas de bom humor (humor leve e bondoso) nas consequências que sofremos com a quarentena para refletirmos algumas importantes críticas sociais com leveza.

  Há pessoas que sofreram consequências bem piores nessa pandemia como desafios econômicos, jurídicos e sociais. Mas apenas comentarei as consequências mais leves que os mais privilegiados (os que puderam fazer quarentena e ficar em casa) perceberam nesse tempo. 


                      


   Há sacrifícios muitos piores por aí. Costumo dizer que minha "quarentena" foi uma quarentena "nutella" (risos) e não uma quarentena "raíz", porque tive privilégios e conforto graças a Deus. Portanto, não posso reclamar da minha quarentena por ser uma pessoa mais privilegiada que tantas outras que passaram por consequências piores que as enfrentadas por mim nessa quarentena. Não me sinto no direito de reclamar. 

  Contudo, com generosidade e criatividade, quero expressar algumas consequências que estou observando em minha vida e na vida da coletividade em formato de texto. Talvez você, querido leitor, se identifique com esse texto e passe a encarar com leveza e bom humor as consequências de ter ficado em casa durante tanto tempo. Boa leitura! 


As consequências da quarentena (fiquei 1 ano e 6 meses sem sair de casa) encaradas com bom humor:


   


 

1) Comer mais e engordar. 


            



 Engordei após 1 ano e meio trancada em casa por causa da pandemia. É isso mesmo, minha gente. Conto sem frescuras e vaidade: nunca engordei tanto em minha vida. Sempre fui uma mulher magra e elegante modéstia à parte. Eu não entendi o meu novo peso (risos). Só sei que todo mundo engordou nessa quarentena, inclusive eu.

  Nunca fui gulosa (a gula nunca foi o meu pecado principal - risos) e sempre comi de maneira delicada. Mas o sedentarismo e a falta de rotina no mundo lá fora me deixaram com mais peso sim. Dos males, o menor. Estou viva e com saúde: isso que importa para mim. Sobre o meu peso, posso emagrecer com exercícios físicos em breve. Gosto de um peso equilibrado e proporcional (nem muita magreza e nem muita gordura hehehe). 

 Agora entendo o porquê de tantos monges, espiritualistas e pessoas enclausuradas serem gordinhos tanto nas ordens cristãs quanto nas ordens budistas e outras religiões (observação que faço com todo o respeito). Na clausura, ficamos mais gordinhos. E não adianta fazer jejum e penitência não: o peso aumenta mesmo. 

  Obviamente, o jejum tem um objetivo espiritual e não estético. Mas fico preocupada com o peso por questões de saúde. Não engordei tanto quanto a maioria das pessoas, mas engordar um pouco foi um susto para mim. 

  Sou descendente de italianos e amo massa: pizza, macarrão e lasanha, por exemplo. Sentir prazer na hora de comer é uma forma de obter mais "conforto" no meio da quarentena. Descontar o estresse na comida foi a perdição de muita gente. Eu nunca fui o tipo de pessoa que desconta estresse na comida (eu até perco a fome quando estou nervosa), mas, sem perceber, passei a comer mais na quarentena. 

  Em casa, moro com os meus pais e minha avó. É impossível fazer dieta quando se mora com vó. É ainda mais impossível não engordar estando "enclausurada" ao lado de sua avó. Meu hobby é escrever e o da minha avó é cozinhar. Ela me chama para rezar e comer quase toda hora. É literalmente comer, rezar e amar a minha quarentena (risos). 


              


   Comer é ótimo, mas vamos ter equilíbrio? A pandemia está deixando a gente mais compulsivo. E nada em excesso é bom, certo? Chegou a hora de termos mais equilíbrio nas refeições. Se estamos vacinados, devemos ficar mais tranquilos. Estamos numa fase mais leve da pandemia, a qual pode diminuir o nível do nosso estresse. Com menos estresse, descontaremos menos na comida. :)


2) Rezar mais. 


                


 Rezar mais é ótimo. Eu sempre tive uma rotina de espiritualidade, orações e dedicação aos rituais religiosos. No início, achei maravilhoso ter mais tempo para rezar. Mas também percebo o risco de cairmos no fanatismo por causa da pandemia. Os desafios da pandemia deixaram as pessoas mais ouriçadas, compulsivas e nervosas. Todos nós estamos com os nervos à flor da pele. A religião também pode gerar pensamentos e comportamentos compulsivos. 

  Ultimamente, estamos mais obsessivos naqueles temas que sempre geraram compulsões na humanidade: política e religião. Nesses temas, adoto o equilíbrio pelo bem da minha saúde mental. Não sou de direita nem de esquerda na política. Não sou radical politicamente. Não se trata de ser uma pessoa "em cima do muro" ou morna. Tenho convicções fortes em alguns temas políticos e sei tomar posições corajosas quando é preciso. Mas não gosto de radicalismo político nem cegueira política. Não admiro cegamente ninguém. Não admiro cegamente nenhum político. Mantenho a lucidez. Gosto de ser sensata (fada sensata talvez nesse campo - risos). 

 Quanto à religião, sou apaixonada por espiritualidade e tendo a ser exagerada no caminho do autoconhecimento espiritual. Para não me tornar uma fanática em uma religião específica e para preservar o equilíbrio da minha mente, estudei um pouquinho sobre todas as religiões. Isso me deixou mais acolhedora, sensata e amorosa no convívio social. 

  Estudar outras religiões me deu empatia e abriu a minha mente. Me sinto até mais acolhedora. Isso me aproximou de Jesus (não me afastou d'Ele o fato de ter estudado outras religiões além das cristãs). Sou amiga de diversas pessoas de todas as religiões. Concretizo o amor cristão ao respeitar e amar as pessoas de todas as religiões. Outra vantagem de ter contato com outras religiões consiste em poder dar conselhos parecidos com a mesma mensagem moral em linguagens espirituais diferentes para amigos diferentes que passam pela mesma situação. ;)

  Meus pais são espiritualistas e têm a mente aberta. Sempre tive a liberdade para conhecer a religião que eu quisesse. Nunca fui reprimida. O meu amor pela religião cresceu justamente pela minha liberdade. Percebo que os filhos que são muito reprimidos tendem a ser revoltados e a não gostarem de religião. Como fui apresentada às religiões de forma livre, emocionante e amorosa, amo o mundo da religiosidade.

  Minha mãe me contou segredos místicos e esotéricos profundos no meu caminho de autoconhecimento espiritual. Estudei alquimia, temperamentos, anjos, teologia, cabala, astrologia, filosofia e arquétipos com a minha mãe. Sou abençoada por ter pais tão sábios. 

  Tive o privilégio de conhecer fontes diferentes de conhecimento espiritual. Eu amei cada fonte espiritual que foi apresentada para mim. Em minhas crises emocionais, busquei na religião a travessia para a minha saúde mental ao invés de recorrer à psicologia tradicional. 

   A religião sempre foi amiga da minha saúde mental e não inimiga. Qualquer fanatismo faria mal à saúde mental (que eu lutei para manter equilibrada na minha jornada de sensibilidade emocional). Cada pessoa tem o seu mundo espiritual e devemos respeitar. Cada pessoa carrega o seu conjunto de crenças e experiências emocionais. Como diz aquela música de Marisa Monte, temos o nosso "infinito particular". Cada um pertence a um mundo individual próprio na jornada da vida. Isso foi algo que aprendi em meu caminho. No meu mundo, existem ensinamentos de muitas religiões. 


            


   Na pandemia, rezei mais (e minhas orações foram atendidas, porque não fui contaminada com esse vírus). Mas, quando notava que estava começando a ficar exagerada no mundo espiritual, buscava outras atividades mais "materiais" e menos espirituais (risos). Algo aprendi com os meus pais: excesso de espiritualidade também não é bom. É preciso ter equilíbrio entre matéria e espírito. Se ficarmos espirituais demais, deixaremos de concretizar coisas importantes no mundo material. Além do mundo espiritual, o mundo material também precisa de cuidado. 

  Desde a adolescência, sempre ouvi conselhos diferentes daqueles que a maioria dos jovens ouve. Eu ouvia: "você vai voar para o céu como um balão de tão espiritualista e idealista que é." "Coloque os pés no chão". "Você deve curtir mais a vida". "Por que você não arranja um namorado?" "Você deve estudar menos" (risos). "Você deve ser um pouco menos generosa."


                


  Sim, eu ouvi conselhos bem diferentes. Por ser muito estudiosa, espiritualista e idealista, ouvi conselhos para ser mais equilibrada e um pouco mais materialista. Por isso, hoje sigo o caminho do meio. O caminho da balança (e o direito, jornada profissional que escolhi, é representado por uma balança por acreditar que a justiça é sempre um ponto de equilíbrio). O caminho do equilíbrio. 

  Rezar é ótimo. Mas não vamos nos esquecer de cuidar das questões cotidianos e materiais também. Como você vem cuidando das questões espirituais e materiais da sua vida? Existe equilíbrio entre vida material e espiritual em seu mundo? Pense. Reflita. Busque o equilíbrio. 

   Minha avó ama me ouvir rezar em voz alta e admira a minha fé. Rezamos juntas e eu transmito força para ela. Rezar é ótimo. Faz bem para a alma. Eu amo rezar. Mas também precisamos cuidar do lado prático da vida. Quando eu vejo que estou exagerando demais em um dos mundos (material e/ou espiritual), paro, respiro e me equilibro. ;) 

   Gosto de encarar a espiritualidade com amor, leveza e sabedoria e não com fanatismo. Tenho receio de que muitas pessoas ficarão mais fanáticas em questões políticas e religiosas após a pandemia. Esse deveria ser um momento de união e solidariedade ao invés de ser um momento de disputas políticas e brigas religiosas. 


3) Amar mais? Amar melhor?


          



 No início, todo mundo dizia que a pandemia ia deixar a humanidade mais unida e amorosa após essa provação. Eu nunca acreditei nisso. Eu acho que os conflitos humanos aumentaram, os fanatismos aumentaram e os nossos vícios e pecados estão ainda mais evidentes. 

  Acredito que ficaremos mais individualistas, medrosos e introspectivos a partir da pandemia. Estamos mais impacientes com as pessoas também. Estamos mais desconfiados. Após tanto tempo na solidão, não suportaremos facilmente com santa paciência as contrariedades sociais do mundo lá fora (risos). 

  Estamos tão feridos emocionalmente e tão cansados que pensaremos mais em nós mesmos num primeiro momento. O autocuidado será uma questão de sobrevivência emocional após a pandemia. Estamos com mais autoindulgência (desculpamos os nossos erros mais facilmente) e menos tolerância com os erros do próximo.

 Eu costumo ser uma pessoa generosa, mas sinto mais necessidade de autocuidado e solidão nesse momento. Não fiz todos os gestos de caridade que eu achava que faria nessa pandemia -- embora eu tenha ajudado dois projetos de caridade a mais. Também manifestei amor e caridade ao rezar pela saúde de todas as pessoas que conheço nessa pandemia.

  Entretanto, não achei que estamos mais generosos. Houve gestos de generosidade belíssimos na pandemia, mas não tanto quanto esperávamos. Não estamos amando mais. Não estamos amando melhor. Estamos tentando sobreviver e não explodir emocionalmente (risos). Estamos respirando fundo para não brigar com o próximo (risos). A harmonia está mais difícil. O amor não está mais fácil nem mais frequente na pandemia. 

   Apesar de ter notado os desafios que ainda enfrentamos no amor por estarmos estressados, percebo que muitos aprenderam a amar melhor os seus familiares e a sua casa. O amor dentro do lar foi o que alimentou a nossa alma nessa quarentena. 


4) Evoluir mais?


   



  No início da pandemia, pessoas de diversas religiões diziam que essa catástrofe mundial seria uma excelente "oportunidade" para ficarmos mais evoluídos espiritualmente e mais "santos". Não vi nada disso. O cansaço físico e emocional gerado pela pandemia deixou a gente com pouca disposição para qualquer penitência ou sacrifício. 

 A própria pandemia já é uma "penitência" mundial que demanda energias e sacrifícios de todos nós. Estamos mais frágeis, mais humanos, mais falhos e mais vulneráveis. Não estamos mais fortes, mais evoluídos nem mais santos. 

   Ouvimos de alguns cristãos que a pandemia iria ser caminho de santidade e que até evitaria pecados (pelo contrário, vejo que os pecados só aumentaram). Ouvimos de grandes espíritas que estaríamos num "resgate kármico coletivo" e que passaríamos por limpezas espirituais a fim de acelerar a nossa evolução espiritual e as energias de luz. 

   Isso tudo até pode ter uma pontinha de verdade. E eu tenho esperança na evolução espiritual de muitas questões (eu e mais algumas pessoas conhecidas evoluímos espiritualmente de forma verdadeira nessa pandemia, mas isso será papo para outro texto). Entretanto, será que a pandemia não gerou muitas sombras também? 

 Percebo que cresceu a autoindulgência como questão de sobrevivência. O autocuidado virou necessidade. Estamos com mais necessidade de cuidar do próprio corpo. Nossas necessidades estão à flor da pele. Nossa natureza humana está à flor da pele. Nossos pecados estão à flor da pele. 


    



*Pecados à flor da pele.

Estamos rezando mais (estatísticas estão aí dizendo isso), mas também estamos comendo mais e bem mais estressados. Estamos rezando mais, mas isso não quer dizer que estamos mais espiritualizados. A oração está adiantando, pois está mantendo a nossa sensatez no meio do caos da pandemia e acendendo gotas de discernimento em nossa alma que nos salvam. Se não fosse a oração, estaríamos bem piores. Estamos buscando mais a fé. Mas estamos mais pecadores e frágeis também. 

 Não aproveitamos o tempo em casa para nos santificar, meditar mais, fazer Yoga diariamente e transcender a alma como muitos diziam. O nosso espírito está muito focado em sobrevivência e em manter o equilíbrio da mente e do corpo em um período de estresse, insegurança e incertezas. Não estamos tão focados na transcendência do espírito nem estamos vivendo um puro isolamento místico. Quarentena não é oportunidade sabática, mas período de emergência. Estamos praticamente no mesmo estresse de uma guerra. Dá mesmo para ficar espiritualmente melhor?

  Estamos até mais focados no corpo. Estamos mais gulosos como disse no primeiro item (engordamos na pandemia, né?). E não é só isso. Estamos com todos os pecados capitais à flor da pele: orgulho, ira, inveja, luxúria, gula, preguiça e avareza. 


   



*Orgulho na pandemia -- Estamos mais centrados em nós mesmos, mais vaidosos e individualistas nessa pandemia. Estamos pensando na nossa sobrevivência e no próprio umbigo. 

*Ira -- Estamos bem estressados e irados. Isso é evidente. 

*Inveja -- Quem não pode ficar em casa tem inveja do concursado que pode ficar em casa. Quem fica em casa tem inveja de quem passeia no mundo lá fora. Quem trabalha duro no mundo lá fora tem inveja dos "privilegiados" que estão trancados em casa. Quem está trancado em casa tem inveja de quem está saindo. A verdade é que quase todo mundo invejou todo mundo. E quase todo mundo criticou com "ranço" e inveja o comportamento diferente do outro (que horror, minha gente!). Mais amor e respeito, por favor!

   Chegamos ao cúmulo do absurdo de invejarmos até quem tomou a vacina antes de nós (invejar vacinação para mim é o cúmulo do absurdo da inveja - risos). E competimos com ciúmes até a qualidade da marca da vacina (risos).

  Experimente contar que você já está com as duas vacinas da Pfizer em dia (como é o meu caso) e note o ar de inveja ao seu redor. Apenas aqueles que amam você de verdade (familiares e amigos do peito) ficarão felizes com a notícia de que você já está vacinado. 

  Tem gente até postando a foto do momento da vacina nas redes sociais e sofrendo com a inveja dos outros (é isso mesmo, minha gente). Eu não postei fotos da minha vacina para evitar o olho gordo de alguns. Talvez eu poste as minhas fotos no fim do ano para fazer Retrospectiva da Pandemia 2021. 


    


*Luxúria -- Estamos presos em casa. Isso gerou mais castidade de um lado, mas também aflorou a luxúria por outro lado. Que paradoxo! O sexo passou a ser uma fonte de libertação do estresse para muitos. E a quarentena deixou o sangue fervendo mais (risos). O sexo virtual aumentou. A carência fez crescer as chamadas de vídeos mais "calientes". 

  Até as pessoas que vivem muito bem sozinhas sentiram falta de um amor nessa quarentena, especialmente nas sextas-feiras, o dia oficial da luxúria e do pecado (hahaha). A mulher faz uma chamada de vídeo para o seu namorado e começa apenas mostrando o ombro. Mas, quando vê... começou a pegar foto. Eita! Nessa quarentena, qualquer pedacinho da pele que uma mulher mostra para o namorado já causa um grande desejo. O que ficar em casa trancado não faz? Deixa você mais guloso e mais safado. Eita! 


                


  A nossa sexualidade fica ainda mais à flor da pele quando não temos vida social e quando não nos distraímos com as trocas fraternas do cotidiano. Não existe nada mais afrodisíaco que a solidão forçada. A "abstinência sexual", muitas vezes, aumenta o desejo. Como dizia Nelson Rodrigues, o pudor é a mais afrodisíaca das virtudes. Não ficamos mais castos a partir da falta de interação social como muitos pensavam. A luxúria só cresceu. 


  



*Gula -- Estamos querendo cada vez mais prazeres gastronômicos para superar a dor emocional da pandemia. Eu, por exemplo, amo pipoca e brigadeiro para me animar em dias melancólicos. 

  No fim de semana passado, comi pipoca enquanto assistia a uma palestra do esotérico Nilton Schutz falando sobre anjos cabalísticos (mas isso é papo para outros textos - risos). Não é bom demais comer brigadeiro e pipoca para alegrar o coração? Não é bom demais comer uma boa massa ao estar trancado em casa com a família? A dieta vai ficar mesmo para depois (risos)!


*Preguiça -- Já ouviu falar em fadiga pandêmica? Se ainda não ouviu falar, joga essa expressão no Google e descubra por si mesmo. É o nome da fadiga trazida pela pandemia. Um mal-estar que vai muito além da mera preguiça. Pois é, a maioria das pessoas está reclamando de preguiça. A pandemia sugou as nossas energias, razão pela qual estamos com pouca disposição para grandes metas no trabalho. Estamos menos disciplinados. Temos mais tempo em casa e menos disciplina. E isso está gerando um complexo de culpa enorme diante da frustração no trabalho e da baixa produtividade. Vou comentar isso no item 5.


*Avareza -- O que dizer daquelas compras de supermercado gigantescas (levaram todo o estoque de papel higiênico, lembram?) que vimos no início da pandemia? Gente querendo se dar bem sem pensar em deixar alimentos e produtos de higiene para os outros. Que avareza absurda!! 

 Não vou comentar sobre a corrupção absurda em tempos de pandemia. Políticos que aproveitam catástrofes para roubar o povo são criminosos cruéis. Que tristeza!


*Capitalismo à flor da pele. 


   


Estamos mais avarentos, mais materialistas e mais capitalistas do que nunca. Muitos pensavam que o mundo iria mudar para uma sociedade alternativa após a pandemia. Lamento muito em informar aos que criticam o capitalismo e sonham com sociedades alternativas, mas o mundo continuará tão capitalista quanto era antes e ainda mais. 

 Percebemos que o meio ambiente melhora sem tantos carros nas ruas. Percebemos que não precisamos comprar tantas coisas e que vivemos com pouco. Percebemos que passear no shopping e fazer compras talvez não seja o melhor entretenimento do mundo como pensávamos antes da pandemia. Percebemos muitas coisas, mas continuamos cheios de desejos de consumo. E a carência gerada pela pandemia deixará a nossa compulsão por compras à flor da pele. 

  Pode ser que exista a ilusão de que ficamos mais econômicos. Não obstante, quando a crise econômica passar, vamos querer consumir pelo simples desejo de ir a uma loja com liberdade e tirar o atraso do tempo que ficamos trancados em casa. Fazer compras será um pretexto para sair de casa. A compulsão por compras vai voltar com tudo. E os políticos vão incentivar os impulsos de consumo das pessoas para que exista a salvação da economia.  


  


5) Produzir mais? 


*A pandemia criou a era mais "preguiçosa" de todos os tempos. 

 No início da pandemia, estávamos diante do que sempre quisemos ter quando vivenciamos a quarentena: mais tempo em casa. Achávamos que isso nos deixaria mais produtivos. Diversos perfis na internet passaram a propagar mensagens sobre produtividade Home Office e etc. Mas será que deu mesmo para produzir mais? 

 O deslocamento para um local diferente a fim de trabalhar não é algo inútil que serve só para gastar gasolina e energia (risos). Ir ao trabalho tinha todo um ritual antes da pandemia impor o Home Office: colocar uma roupa diferente a cada dia, usar um transporte, sentir o vento lá fora, tomar café em um lugar diferente, ver gente, sentir o ar da rua, conversar com pessoas diferentes sobre assuntos diferentes a cada dia, comer um lanchinho diferente a cada intervalo do trabalho e etc. Todo esse "ritual" do deslocamento dava energia para a gente estudar e trabalhar com mais disposição. Ir ao local físico da sua empresa dava engajamento e produtividade além de aumentar o seu vínculo com ela. 

  O Home Office é prático e maravilhoso, mas tornou a rotina mais tediosa: levantar-se e ficar diante do computador dentro de casa. A autodisciplina dentro de casa não é algo fácil. Em casa, toca mais o telefone, toca mais o celular, você ouve a voz do vizinho, ouve a música do vizinho, ouve o barulho da construção do vizinho, tem compromissos com os familiares e questões como cuidar do animal de estimação e manter a limpeza doméstica. Conciliar tudo isso num mesmo local gastou mais a nossa energia.

   Em casa, você vê as mesmas pessoas todos os dias e conversa quase os mesmos assuntos todos os dias. E, por mais que você ame a sua família e que os seus familiares sejam as melhores pessoas do mundo, você sentirá falta de pessoas diferentes e diálogos diferentes no mundo lá fora. Além do mais, no mundo inteiro, o papo de toda família era sempre o mesmo na hora do almoço: notícias sobre o Coronavírus. 

   Tudo isso tornou a nossa rotina mecânica. E ter uma rotina igual todo dia não gerou mais disciplina como pensávamos, mas cansaço físico e mental. A rotina mecânica "engessou" a nossa mente e prejudicou a saúde mental. Sem as nossas "escapadas" sociais no restaurante, no cinema, nas festas e no Shopping, ficamos ainda mais estressados. Foi essencial evitar aglomeração e interação social, mas isso gerou desgaste emocional obviamente. Somos seres sociáveis e gostamos de novidades. 


      


  A nossa mente sempre precisa de "ares novos" para "respirar" e se renovar com outras energias. A preocupação com a pandemia também gastou nossas energias físicas e mentais. Pensávamos todos os dias em como nos cuidar na pandemia de forma obsessiva. As compulsões mentais aumentaram. As obsessões emocionais aumentaram. O Transtorno Obsessivo Compulsivo aumentou, porque a mente ficou repetitiva em muitas questões. 

  O resultado de tudo isso: estresse, esgotamento mental, aumento da sensação de "preguiça", fadiga, indisposição, pânico quanto à possibilidade de falhas nas metas no trabalho, transtornos psicológicos, queda na motivação, queda no engajamento dentro do trabalho e um aumento gigantesco da Síndrome de Burnout na população. 

   Uma rotina rígida e engessada nem sempre é apropriada para a disciplina. Sua mente também precisa de ares novos para produzir e ter disciplina na hora certa. Todos quase sempre falam do quanto é importante uma rotina para ter saúde mental e disciplina, mas excesso de rotina prejudica ambas: saúde mental e disciplina. Vimos o quanto precisamos de rituais, de deslocamentos e de escapadas sociais para equilibrar a mente. 

   E, por mais que estivéssemos presos numa rotina engessada, perdemos o essencial da rotina para a saúde mental: a capacidade de dormir e acordar no mesmo horário. Distúrbios de sono e insônia afetaram a população na pandemia. Ficamos confusos sem os horários que estávamos acostumados antes da pandemia. Tivemos que adaptar tudo na nova vida. 


                 


   Além do mais, percebemos o quanto a mente engessada fica ansiosa. Para driblar a ansiedade, sugiro o livro "Atenção Plena" -- como encontrar a paz em um mundo frenético -- de Mark Williams e Danny Penman. Nesse livro, aprendemos a apreciar o cotidiano com as sensações, saindo um pouco da nossa mente e meditando nas sensações do corpo. O livro sugere exercícios como: comer conscientemente um pedaço de chocolate sentindo todos os sabores sem pressa, trocar de lugar na mesa do almoço, investir em trajetos diferentes para arejar a sua mente e prestar mais atenção no que você faz. 

  Portanto, se você ainda precisa ficar em casa, sugiro que você troque de roupa constantemente (mesmo que o pijama pareça mais confortável e prático), teste coisas novas na sua rotina, troque de lugar de vez em quando, leia livros de filosofias/ religiões diferentes e misture de forma saudável assuntos diferentes em sua mente. Isso não vai tirar o seu foco, mas vai arejar a sua mente. E uma mente com novos ares ficará mais feliz, focada e produtiva no trabalho. 

*A eterna e cruel dúvida sobre o que fizemos com o tempo. 


   


 Achávamos que daria para fazer Yoga todo dia em casa. Pensávamos que escreveríamos 5 livros e que estudaríamos 8 horas por dia para o concurso que sempre sonhamos. Achávamos que faríamos 1.000 cursos e que acumularíamos pontos no trabalho. 

   A verdade é que não deu para fazer nada disso mesmo estando 24 horas por dia em casa. Estávamos vivenciando tempos diferentes. Estávamos sob um estresse parecido com o estresse de uma guerra. Isso não ia gerar produtividade. Ter tempo livre em casa não é o que parece.  Definitivamente, não é o que parece. E você não precisa se sentir culpado por não ter sido produtivo numa pandemia. Está tudo bem. Se isso consola você, saiba que quase ninguém foi produtivo, que está todo mundo sofrendo de fadiga, que estamos todos no mesmo barco e que estamos juntando os nossos "cacos" para sobreviver (risos). 

  Temos tempo em casa. Ocorre que para um escritor escrever 5 livros, por exemplo, ele precisa de inspiração e motivação. Como se inspirar estando trancado em casa? As fontes introspectivas de lazer e inspiração vão enjoar uma hora ou outra por mais caseiro e introspectivo que você seja. 

   Para um concurseiro ter garra para estudar muitas horas por dia, ele precisa de um bom condicionamento físico também, o que implica ter uma rotina de exercício físico e momentos para arejar a mente saindo de casa. Como ter bom condicionamento físico para estudar com sedentarismo? O sedentarismo gera preguiça e indisposição mesmo. A mente e o corpo trabalham juntos. Precisamos de mente sã em um corpo são (justamente o que faltou na pandemia). 

   Eu até que fui produtiva para os olhos de muitos. Nessa pandemia, escrevi para sites, blogues, gravei episódios de Podcast e rendi nos estudos e no trabalho para a Jurídicos Advocacia (grupo jurídico que tenho ao lado das amigas Elisama e Fernanda). 

   Muitos me perguntam como eu consegui ser produtiva. E eu sempre respondo que eu só consegui ser produtiva justamente por não ter me cobrado muito (a autocobrança gera estresse e não produtividade), por ter abraçado metas pequenas (uma meta por dia, por exemplo) e por ter respeitado meu ritmo mais lento e os momentos que o meu corpo pedia para descansar.

    Ter focado no lado espiritual também foi ótimo para mim. A minha fé fez com que eu me entregasse a Deus e não me cobrasse por não conseguir produzir mais. Sei que Deus traça planos bons para a minha vida e que vai me proporcionar sabedoria para que eu possa produzir de forma mais madura no futuro. Tudo tem o tempo certo. E o tempo certo vem de Deus. Talvez nossa experiência na pandemia tenha nos deixado lições importantes que vão gerar mais produtividade e sabedoria no futuro. 

    Eu também tive os meus momentos de crise emocional nessa pandemia. Não fui nenhuma heroína da produtividade. Até acho que rendi menos do que o meu padrão e me senti menos motivada para estudar embora alguns assuntos do mundo jurídico tenham me deixado mais interessada nessa pandemia. 


              


   Acho que sempre carregaremos a dúvida cruel sobre ter "aproveitado" bem o tempo em casa durante a quarentena ou não. Mas creio que não dá para tirar "proveito" de uma situação dessa. Qualquer rendimento durante a pandemia foi lucro. Vamos entregar a nossa dúvida para Deus e deixar que Ele tome conta do nosso tempo. 

   Sobrevivemos: é isso que importa. E, se você está lendo esse texto vivo e com saúde, você é um privilegiado. Comer, rezar e amar: os verbos da nossa sobrevivência. A comida alimentou o corpo. A oração e o amor alimentaram a alma. Sobrevivemos, e isso é tudo. 


Texto escrito por Tatyana Casarino. Especialista em Direito Constitucional, advogada, escritora e poetisa. 


*O título desse texto e algumas imagens foram baseados no filme "Comer, rezar e amar" estrelado por Julia Roberts. 

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