Conto de Humor de Catarina
Catarina na balada
Todo mundo sabe que Catarina não gosta de baladas, mas
poucas pessoas sabem o motivo. Sua primeira experiência em uma balada foi
péssima, fazendo com que a garota ficasse traumatizada com festas lotadas.
Catarina tinha dezoito anos quando saiu com as suas
amigas, Sandra, Estela e Joana, para a sua primeira balada. Joana ofereceu-lhe
um copo de cerveja e Catarina achou o gosto péssimo. “Que bebida mais azeda.”
─Pensou Catarina. “Como as pessoas podem gostar disso?”─Ela indagava a si
mesma. Concluiu que as pessoas tomavam bebidas alcóolicas mais pelos efeitos
que elas provocavam ─ entusiasmo, alegria e descontração ─ do que pelo sabor da
bebida em si.
Ela nunca achou bebida alcóolica saborosa, motivo pelo qual
se surpreendia com o brilho nos olhos que as outras pessoas tinham diante
dessas bebidas. Experimentou bebidas alcóolicas destiladas e achou o gosto mais
“apresentável” do que a cerveja.
Entretanto, mesmo aquelas bebidas destiladas misturadas
com chocolate ou preparadas com morango não atraíam a sua atenção. O máximo que
ela conseguia beber era alguns goles ─ nada além disso. Porém, reconhecia que
uma dose de whisky e uma taça de champanhe tinham o seu valor. Guardava esta
preferência para si mesma, já que isso poderia reforçar a sua fama de “metida”.
Teria Catarina paladar de gente rica? Ela não tinha culpa se seu paladar ficava
mais afinado com as bebidas mais caras.
Certa vez, uma colega do tempo de colégio, a Ana, convidou
Catarina para uma balada que ocorreria nos jardins de sua mansão. Catarina, que
já contava com a idade de dezoito anos, chamou as suas amigas da faculdade,
Estela, Joana e Sandra para acompanhá-la na festa. Nesta festa, haveria muitas
pessoas que estudaram na mesma escola que Catarina quando ela era criança.
Catarina se sentiu desconfortável com os gritos das
pessoas bêbadas, a música alta e os beijos escandalosos entre pessoas que não
se amavam ─ e talvez nunca mais se vissem na vida. Quando um rapaz de braços
musculosos exibidos em uma blusa regata começou a erguer a garrafa de cerveja e
gritar, Catarina desejou estar em outro mundo ou em qualquer lugar longe dali.
Guardava seus pensamentos de rejeição à balada e desconforto para si, já que
sabia que as pessoas a considerariam “careta”, “esquisita” ou “diferentona” no
mínimo. Além do mais, estava farta de ser considerada “metida” e “fresca”.
Enquanto as suas amigas conversavam em um sofá à beira
da piscina da mansão de Ana, Catarina pediu licença e se levantou do sofá a fim
de procurar um lugar mais calmo e silencioso. Ela era uma pessoa introspectiva
e necessitava de alguns momentos de solidão, onde pudesse ficar em paz consigo
mesma e com os seus próprios pensamentos.
Com uma lata de Sprite nas mãos e dois canudinhos azuis,
Catarina caminhou silenciosamente no jardim de Ana até achar a garagem da
mansão. Havia um pequeno banco na garagem, onde Catarina sentou-se exausta,
respirando fundo diante da tensão e do desconforto que sentia em festas daquele
tipo.
Sentada no pequeno banco, ela abriu a latinha de
refrigerante e enfiou os canudinhos dentro da lata. Quando estava prestes a
saborear a sua Sprite, ela começou a ouvir gritos.
─Para, Paulo! Chega! Chega!─Exclamava uma voz masculina em
desespero.
Catarina levantou-se do pequeno banco assustada e olhou
para os lados, tentando localizar o autor da voz. Então, viu um rapaz magro
apanhando de um rapaz musculoso de blusa regata e boné virado para o lado. O
agressor usava uma calça jeans larga e era possível ver a marca de sua cueca.
Além do mais, usava um chinelo de dedo branco. Catarina nunca viu alguém tão
feio e tão mal vestido como aquele agressor ─ muito embora ele fosse
considerado “sarado” para os olhos de outras garotas.
O rapaz magro usava uma calça social preta e uma camisa
cor de salmão. Ele estava bem vestido e era um rapaz muito bonito. Catarina
ficou tremendamente assustada quando o agressor jogou o rapaz contra o portão
da garagem. Os óculos do rapaz magro caíram no chão e Catarina correu para
pegar o objeto caído.
─Para, Paulo! Chega! Chega!
Aquela cena violenta fez com o sangue de Catarina fervesse
dentro de suas veias, já que detestava injustiça. Uma força interior brotou e
ela não pensou duas vezes antes de defender o rapaz. Era insegura para defender
a si mesma, mas sempre sentia a sua força interior sendo multiplicada para
defender alguém diante de uma injustiça ─ talvez, por esta razão, tenha
escolhido ser advogada.
─Não acha que já bateu no rapaz o suficiente, seu
valentão?─Indagou Catarina enquanto quase espumava de raiva do agressor.
─Acho que não devo dar ouvidos a uma garota. Saia já
daqui, sua intrometida! Se não sair daqui agora, sobrará socos e porradas para
você também!
─Se tocar um dedo em mim, terá de ir para a delegacia
amanhã mesmo. E, se continuar batendo nesse rapaz, eu direi a todas as pessoas
do mundo jurídico a respeito de seu crime de lesão corporal. Pensa que ficará
impune por ser filhinho de papai? Experimenta mexer comigo! Você se acha
poderoso, mas eu conheço gente muito mais poderosa.
─Você não pode estar falando sério. ─Disse Paulo após
largar o rapaz que ele agredia. Catarina conseguiu o que ela queria: o valentão
finalmente havia parado de bater no rapaz. ─Você só pode ser louca de me
enfrentar. ─Afirmou Paulo enquanto caminhava de maneira assustadora em direção
à Catarina, balançando os seus braços musculosos de um lado para o outro e
fazendo cara de mau.
Enquanto isso, Catarina abriu discretamente o zíper da
pequena bolsa preta transversal que transportava consigo. Ela tentava localizar
o spray de pimenta que carregava ao lado do celular. Caso Paulo chegasse perto
dela, ela saberia o que fazer. Todavia, surgiu em sua mente uma ideia melhor
quando viu que a garagem de luxo contava com um alarme de incêndio.
─Sim, eu sou louca. ─Afirmou Catarina enquanto corria em direção
ao outro lado da garagem. Quando chegou perto do alarme de incêndio manual, ela
pressionou o botão de alarme.
Um som de alarme tremendamente agudo e irritante começou a
tocar. O agressor gritou de raiva, jogando o próprio boné no chão e pisando em
cima dele. Ele caminhou em direção à Catarina com olhos maldosos enquanto a
garota se aproximava do extintor de incêndio.
─Socorro!─Exclamou Catarina enquanto as pessoas da festa
corriam em direção à garagem. O agressor fugiu, deixando apenas o seu boné na
garagem. Aquela era a prova que Catarina precisava para acusar o agressor de
seu crime de lesão corporal. Quando as pessoas chegaram à garagem, Catarina
estava ajoelhada no chão ao lado do rapaz agredido.
─Você está bem?─Indagou Catarina educadamente enquanto
fazia carinho no rosto do rapaz que estava deitado no chão.
─O que houve? Eu morri? Eu estou no céu? Você é um anjo?
─Ah! Sempre as mesmas perguntas...
─Eu estou no céu?
─Não, você está na terra felizmente.
─Oh! Infelizmente...
─Eu não sou um anjo. Sou humana e me chamo Catarina. Muito
prazer em conhecê-lo.
─Catarina, meu nome é Bernardo. O prazer é todo meu.
─Respondeu Bernardo diante do sorriso doce de Catarina. ─Posso perguntar uma
coisa para você?
─Sim.
─Você já está acostumada a lidar com pessoas que
apanharam?
─Sim, eu sempre defendi os garotos do bullying.
─Você também já sofreu bullying?
─Eu nunca sofri o bullying físico. Eu nunca fui agredida
fisicamente graças a Deus. Mas, eu já sofri o bullying psicológico. O bullying
que ocorre entre as garotas é diferente. As garotas fazem fofoca de outras
garotas e gostam de isolar as garotas que elas não gostam.
─Mas, não há nada de errado com você. Você é bonita.
─Justamente por isso. Garotas invejam garotas bonitas.
─Interessante. No meio dos garotos, é diferente. Eu sofro
bullying por ser feio, desajeitado, magricelo, usar óculos e ser gay. Não sou
forte o suficiente como eles acham que eu deveria ser nem viril.
─E daí? Qual é o problema? Quem disse que você deve
atender as expectativas alheias? Nenhuma dessas suas características pode
justificar o bullying. A culpa do bullying é sempre do mau caráter do agressor
e não das características da vítima. Também não há nada de errado com você. A
propósito, você é muito bonito.
─Você me achou bonito?─Indagou o rapaz antes de sorrir.
─Sim. Por quê?
─Porque dizem que eu sou feio.
─Mas eu sinceramente achei você muito bonito. Não estou
falando isso para lhe agradar. Eu definitivamente não sei mentir. Talvez eu
tenha um olhar diferente das outras pessoas. Os meus olhos acham quase todo
mundo bonito.
─Deve ser por isso que você é bonita.
─Pode ser. ─Respondeu Catarina enquanto acariciava
fraternalmente a cabeça do rapaz, os cabelos e os braços.
─Você está me trazendo paz. As minhas dores no corpo estão
sumindo diante de seu carinho.
─É o que sempre me dizem. ─Disse Catarina antes de
perceber que quase todos os convidados da festa estavam na garagem naquele
momento. Ela colocou a mão direita sobre a boca, tossiu e se levantou. Depois,
ajudou Bernardo a se levantar.
─O que houve aqui, Catarina?─Indagou Ana. As pessoas não
haviam escutado a conversa entre Catarina e Bernardo, pois o som da festa
estava alto e os dois falavam em tom de voz baixo.
─Por favor, não diga que eu estava apanhando. ─Sussurrou
Bernardo no ouvido esquerdo de Catarina com voz suplicante.
Catarina estava prestes a contar tudo a respeito de Paulo.
Seu senso de justiça e sua indignação estavam saindo pelos poros de sua pele
praticamente. O perfil de Catarina era de quem contava sobre o bullying que
sofria, mas teve de respeitar o perfil tímido de Bernardo que não tinha coragem
para falar a respeito da agressão.
─Ai! Que vergonha!─Exclamou Catarina colocando a mão na
testa de maneira teatral. ─Eu e Bernardo estávamos ficando, sabe? Nós nos
beijamos tanto que ele caiu no chão. Como ele havia bebido um pouco, fiquei com
medo de ele ter desmaiado bêbado.
─Catarina, a gente sabe que o Bernardo não bebe! Além do
mais, ele parece estar machucado e arranhado.
─Imagine só, ele bebeu tanta Vodca que chegou a me jogar
na parede de tanto te... De tanto desejo por mim. Aí eu esbarrei no botão de
alarme da parede.
─Por que você gritou por socorro?
─Eu costumo gritar “socorro” na hora “H” mesmo. Bernardo
gosta. Mas, infelizmente, a Vodca fez o Bernardo cambalear e ter um apagão.
─Ih! Desmaiou na hora “H” diante da moça. Olha só que
viadagem! ─Exclamou um moreno alto chamado Luís. Catarina detestava ouvir a
palavra “viadagem”. A cada vez que ela ouvia esta palavra, seu sangue fervia e
ela tinha vontade de bater na pessoa que falava isso. Todavia, respirava fundo
e pensava no mantra “Om”. Catarina caminhou em direção a Luís enquanto rebolava
de maneira sensual propositadamente.
─Veado é a última coisa que Bernardo é. Ele me dá tanto
prazer que você nem imagina. Então, cala a sua boca antes de falar do meu
homem. ─Disse Catarina bravamente enquanto tocava o seu dedo indicador no ombro
de Luís com raiva.
─Tá bravinha, é?
─Estou. Mas não vou perder o meu tempo ficando com raiva
de você. Tenho o Bernardo para me relaxar. ─Disse Catarina de maneira irônica
enquanto mexia nos cabelos, enrugava o nariz empinado e mordia o lábio
inferior.
─Oh!─As pessoas exclamavam enquanto os rapazes assobiavam
quando Catarina caminhou entre elas rebolando em direção a Bernardo.
─Vamos voltar para a pista de dança, Bê. ─Disse Catarina
com voz melosa antes de agarrar o rapaz na frente de todos.
─Catarina, você é louca. Agora eles vão pensar que a gente
estava... Enfim, que a gente estava “se pegando” na garagem... Nossa reputação
agora vai para o ralo. ─Sussurrou Bernardo no ouvido de Catarina ao fingir que
estava beijando o pescoço dela.
─Era isso ou eu contava que você foi agredido pelo Paulo.
O que você prefere?─Indagou Catarina em tom de voz baixo antes de abrir um
pequeno sorriso e soltar uns gemidos um pouco altos. ─Vamos sair da garagem,
Bê.─Disse Catarina em tom de voz alto.
─Ele está arranhado!─Exclamou Estela.
─Ele adora ser arranhado por mim!─Exclamou Catarina antes
de exibir as unhas e passar as garras nas costas de Bernardo. Bernardo parecia
assustado quando Catarina soltou uma gargalhada teatral.
─Você poderia ter escolhido Teatro ao invés de Direito.
─Sussurrou Bernardo no ouvido de Catarina.
─E quem disse que Teatro não tem a ver com Direito? Teatro
tem tudo a ver com Direito. Todo advogado é um ator. ─Sussurrou Catarina no
ouvido de Bernardo.
Na pista de dança do jardim da casa de Ana, Catarina
começou a rodopiar. Ela rodopiava em volta de Bernardo, o qual ficou tonto de
tanto ver Catarina girando. Depois, ela se retirou do salão discretamente para
ir ao banheiro. No banheiro, retocou a maquiagem e reforçou o batom. Ela também
pegou uma garrafa de Vodca e despejou todo o líquido na pia. Então, colocou
Sprite, o refrigerante de limão com aspecto transparente, dentro da mesma
garrafa.
Começou a beber a Sprite na garrafa de Vodca no meio do
salão enquanto rodopiava. Ergueu a garrafa antes de beijar o colarinho de
Bernardo, deixando a roupa dele toda marcada de batom pink.
─Catarina, você está bebendo? Você não é disso.
─Fique tranquilo, querido. É Sprite. ─Respondeu Catarina
antes de piscar para ele com um sorriso sapeca estampado nos lábios. ─Estou
cansada de todo mundo me chamar de careta e ficar me perguntando a todo
instante por qual motivo eu não bebo. Também tenho um plano para você se vingar
de Paulo, Luís e de todos os garotos que zombam de você.
─Qual é o plano? Você vai me ensinar alguma arte marcial?
Como posso revidar o soco deles de modo mais forte? Como posso bater neles sem
apanhar?
─Shh! Fique quieto!─Exclamou Catarina enquanto colocava o
dedo indicador nos próprios lábios. ─Não tem nada a ver com agressão. Você vai
atingir o psicológico deles, ou seja, algo muito mais profundo. Você vai
mostrar a eles que é um homem superior. Se eles atacam a sua masculinidade,
mostre a sua masculinidade hoje.
─Como? Eu jamais conseguiria ficar com qualquer garota
daqui. Além do mais, eu sou gay na realidade. Esqueceu?
─Não me esqueci. Mas, ninguém precisa saber que você é
gay.
─Eles ficam dizendo a todo instante quantas mulheres
gostosas que eles pegam. Chamam qualquer ato de sensibilidade de “viadagem”.
Para eles, somente expressões de agressão e sexo são masculinas.
─Que horror!
─Então, qual é o plano?
─Você vai fingir que é o meu namorado na frente deles.
Vamos irritar os rapazes com nossos beijos escandalosos e “amassos” fingidos.
─Catarina!
─Vamos nos vingar deles? Você não quer? Eu cansei de ser
chamada de careta e você se cansou de apanhar deles. Eles me paqueram, mas eu
não dou bola para eles. Jamais ficaria com um cara que comete bullying com os
outros ou que praticava bullying contra mim na infância.
─Eles dizem que você ficou muito bonita depois de adulta,
mas que é muito rancorosa. Não se esquece de situações que ocorreram na
terceira série do fundamental.
─Não me esqueço de nada mesmo. E jamais vou me esquecer
daqueles que me zoavam! ─Exclamou Catarina enquanto balançava o dedo indicador
no ar de maneira teatral. ─O que mais eles dizem de mim?
─Que você é bonitona, mas careta e “diferentona”. Que você
nunca bebe e deve se achar “santinha” por causa disso. Que é impossível ficar
com você.
─Então, hoje eles verão que tudo é possível, exceto Deus
pecar como diz minha avó. Ficarei com você na frente deles e beberei vodca na
frente deles.
─Vodca?
─Sprite, Bernardo. Mas eles pensarão que é Vodca.
─Eu sou o mais ridicularizado da turma. Sempre fui desde a
terceira série. Tem certeza que quer
ficar comigo na frente deles?
─Eu adoraria ficar com o mais ridicularizado da turma na
frente daqueles que se acham valentões. ─Afirmou Catarina antes de soltar uma
gargalhada que assustou Bernardo. ─Eles não me acham “santinha”? Seria ótimo
conhecer o meu lado “diabinha”!─Exclamou Catarina com uma voz amarga e cínica
que não tinha nada a ver com o tom de voz doce e calmo que ela costuma ter.
Bernardo arregalou os olhos e ficou surpreso com a voz de Catarina e com a
gargalhada teatral dela. Ele chegou a ficar com medo dela.
─Por que tanta amargura, Catarina?
─Porque a
garotinha excluída dos grupos sociais da escola cresceu e se torna uma mulher
bonita. Aí vem os marmanjos paquerarem. Só que esses mesmos marmanjos que me
paqueram hoje me zoavam na infância. A propósito, eu não estou amarga e a
vingança pode ser muito doce. ─Disse Catarina de forma irônica enquanto
colocava a mão sobre o peito. Depois, puxou Bernardo pelos braços em direção à
parte mais lotada da pista de dança.
Quando Catarina viu Paulo, Luís e mais dois garotos que se
achavam “Valentões” próximos ao DJ da pista de dança, ela começou a dançar com
Bernardo perto do DJ. Ela colocou a perna direita dela em volta da cintura de
Bernardo antes de soltar uma gargalhada com a cabeça para trás. Era engraçado
de ver os dois alunos mais tímidos da terceira série (aqueles que costumavam se
esconder dos outros) fazendo de tudo para chamar a atenção.
─Olha só! Quem diria que o Bernardo conseguiu pegar a
Catarina. Enquanto isso, o Paulo nunca conseguiu nada dessa garota!─ Exclamou
Luís antes de dar um pequeno empurrão no ombro de Paulo e gargalhar
sarcasticamente.
Catarina que detestava sarcasmo se aproximou deles. Ela
jogou a bolsa no chão antes de colocar as mãos sobre a cintura e empinar o
nariz. Bernardo começou a tremer de medo. Ele tinha medo de sua amiga apanhar
dos valentões.
─Mulher não se pega! Mulher se conquista! E o Bernardo é
bem mais competente que o Paulo na arte da conquista mesmo. Além do mais, eu
jamais ficaria com alguém que furtava o meu pacote de bolachas recheadas
Trakinas na hora do recreio e me chamava de chorona na terceira série!
─Você era uma chorona naquele tempo mesmo. Chorava quase
todo dia na escola. ─Respondeu Paulo antes dos rapazes soltarem risadas
sarcásticas.
─Só que a chorona cresceu e ficou virtuosa e gostosa, não
é mesmo?─Indagou Catarina antes de erguer a sobrancelha esquerda, mexer o
quadril e dar um pequeno tapa na própria coxa direita. ─Enquanto isso, você
cresceu e se tornou um homem brega e de pouca moral que usa boné, chinelo de
dedos e bate em pessoas inocentes. ─Disse Catarina em tom de voz alterado
enquanto girava o dedo indicador no ar de modo teatral.
Catarina saiu de perto do grupo de rapazes, dirigindo-se
para o seu amigo Bernardo. Chegando perto de Bernardo, ela começou a beijar o
seu colarinho e o seu pescoço enquanto os rapazes olhavam de modo estranho para
ela. Ao ver as expressões assustadas de cada um dos rapazes “valentões”,
Catarina começou a soltar uma gargalhada.
─Eu era chorona na infância, não é mesmo? Mas hoje eu
choro de tanto rir ao olhar para a cara assustada de Paulo! O que foi? Nunca
viram uma mulher desejando ardentemente seu namorado?─Indagou Catarina em tom
de voz alto, vencendo o volume da música da balada.
─Que namorado mais esquisito você foi arranjar. ─Disse
Paulo em tom de voz irônico.
─Esquisita é esta tua cara de pamonha, valentão de meia
tigela!─Exclamou Catarina antes de soltar um riso irônico e vingativo. ─A
propósito, estas calças e bermudas largas que você usa mostram a sua cueca para
todo mundo ver. Esta tua cueca aparecendo é a coisa mais esquisita e ridícula
que eu já vi em toda a minha vida. Quem é você para falar que alguém é esquisito?
Vai colocar uma calça de homem, rapaz! Depois, a gente conversa!
Instintivamente, Paulo puxou a calça jeans larga para
cima. Os próprios “amigos” dele começaram a zombar de sua calça naquele
instante. Catarina sempre soube que não havia amizade verdadeira nesses grandes
grupos de amigos que se acham valentes. Eles não praticam somente bullying
contra os outros, mas entre eles próprios também. Por isso, Catarina nunca se
sentiu mal em ser solitária ou em andar ao lado de poucas amigas. Quanto menor
for o grupo de amigos mais verdadeiro ele será. Grandes grupos de amigos que se
unem para fazer maldades aos outros sempre possuem um triste fim: a descoberta
da falsidade e a autodestruiução.
A vingança de Catarina estava concluída: Paulo começou a
ser zombado pelos próprios “amigos” devido à calça larga com a cueca
aparecendo. Sendo assim, ele sentiria o gosto amargo de ser zombado. Tendo em
vista que ele passou a vida zombando dos colegas e agredindo os outros, seria
justo fazer com que Paulo sentisse o sabor da vergonha. Sabe-se que Luís e os
outros rapazes de grupo de “valentões” começaram a apontar para a calça de
Paulo e a rir de modo sarcástico.
─Paulo cuecão! Paulo cuecão! Paulo cuecão!─Os rapazes exclamavam
enquanto apontavam para a cueca à mostra de Paulo.
─Essa vingança é
melhor do que qualquer surra que você poderia dar nele, Bernardo. ─Sussurrou
Catarina no ouvido do amigo. ─Aprenda hoje comigo, querido. Não há nada mais
vingativo do que agir friamente, mexendo com o psicológico do outro. Manipular
situações psicológicas demonstra muito mais audácia do que qualquer soco ou
pontapé que você poderia revidar. Se você fosse para cima dele cheio de sangue
quente e pronto para dar socos, você ia perder a luta. Deve-se ter sangue frio
e agir de maneira inesperada diante do inimigo.
─Por acaso, você leu a Arte da Guerra de Sun Tzu?
─Não, meu querido. Eu não li o que estou afirmando em
lugar algum. Eu aprendi com a vida mesmo.
─Aprendeu com a vida?
─Sim, desde que pegaram o meu pacote de bolachas na
terceira série. Chorar e ficar brava não adiantavam nada para mim. Conflitos
são inevitáveis e você deve ser frio para ganhar o jogo de armadilhas da vida.
─Você está longe de ser uma pessoa fria. Até fez carinho
em mim depois de me salvar do Paulo.
─Quem disse que devemos ser frios o tempo todo e abrirmos
mãos de sentimentos? Devemos ser frios apenas com aqueles que merecem a nossa
frieza, como, por exemplo, Paulo. A frieza cai bem em algumas situações e em
outras é dispensável. Fora dessas armadilhas da vida, devemos ser quentes.
─Vale ser morno?─Indagou Paulo com bom humor.
─Está na bíblia que o estado morno é abominável. Devemos
ser frios ou quentes. Podemos ser frios em algumas situações e quentes em outras.
Não podemos suprimir o nosso calor com medo de nossos sentimentos, senão
explodimos em choros e crises de ira. Devemos aprender que somos feitos de água
e fogo. O equilíbrio entre frieza e calor chama-se temperança.
─Temperança é um nome bonito.
─É o nome de uma carta do tarô também.
─Tarô? Fala sério?! Você acredita nessas coisas?
─Não somente acredito como também jogo. Quer que eu abra
as cartas para você?
─Não, muito obrigada! Eu não acredito nessas coisas.
─Tudo bem. Você não precisa acreditar em nada, exceto na
virtude e na temperança. Nunca perca os seus valores, hein?!
─Pode deixar, Catarina. Quero ser um bom homem. A
propósito, se eu não fosse gay, certamente você seria minha namorada. Obrigada
por tudo hoje.
─Eu que agradeço por tantos momentos divertidos e por ter
sido o meu cúmplice de vingança. ─Afirmou Catarina antes de dançar uma música
eletrônica com Bernardo.
Conto de Humor escrito por Tatyana Casarino.
Trata-se de um Conto divertido que passa algumas mensagens morais, como a importância de ser virtuoso e não se deixar "envenenar" por pessoas irritantes. Ao invés de responder agressão com agressão, podemos encerrar o ciclo da violência. É importante salientar que violência gera violência num ciclo vicioso e praticamente infinito, o qual somente é rompido pela inteligência.
Como não consigo deixar de colocar pitadas morais e místicas, citei o Arcano XIV do Tarô: A Temperança, que representa muito bem a mensagem que Catarina passou ao seu amigo Bernardo. Na próxima vez que alguém ferir você, saiba que você pode dar uma resposta bem mais inteligente do que o desespero e a agressão reativa. A sua resposta pode ser inteligente, audaz e desmontar o ego inflado daquele que feriu você injustamente.
Tatyana Casarino.
Confira uma música de balada que tem tudo a ver com Catarina:
"Com Deus me deito,
com Deus, me levanto,
comigo eu calo,
comigo eu canto,
eu bato um papo,
eu bato no ponto,
eu tomo um drinque,
eu fico tonto"
Música: Drinkee - Sofi Tukker
Observação: Se você gostou deste Conto de Humor de Catarina, confira também outros contos de humor com esta personagem:
*Conto "O Homem da Boina":
*Contos "Segura não mão de Deus e vai..." e "O divórcio de Joana nas cartas do tarô":
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Abraço,
Tatyana Casarino.
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