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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O amor venceu o medo



Quando eu me olho no espelho,
vejo um homem que não sou,
o Destemido de outrora
deu lugar a essa chaga de agora.

Chaga no peito, chaga do medo,
navega em meus temores
sem o pudor de um menino órfão.

Oh! Ciganos, sutis vozes de liberdade,
clamando ao vento por igualdade.
Aqueles pés descalços, aquela calça remendada,
aquele meu jeito todo livre de viver.

Meu berço é a pátria da França,
meus olhos revelam o azul da bandeira
assim como a camisa branca
e o lenço vermelho na cabeça.

Paris, longe da fraternidade,
ocorrem teus crimes bárbaros,
como um menino órfão,
filho bastardo da cigana.

Medo, quem és tu?
Quem foste tu?
Por que maltratas o meu peito?

Esse peito que sangra
nesta alma cigana,
que perdeu a liberdade,
a vida e a dignidade.

Punhal de prata, meu salvador!
Leva-me para a terra dos mortos,
pois morto já me sinto
por esta chaga terrível.

É preferível morrer destemido
do que não viver a vida por medo.
Eu que sempre fui tão corajoso,
não admito esta chaga, este transtorno.

Morte, minha rainha,
abra os braços devagar e vem!
Abraça este homem tão fugaz
que foi ferido em batalha.

Maldito feiticeiro! Mil pragas te desejo!
Que mil pragas corroam o teu peito
assim como tu feriste o meu!

Hoje eu proclamo a minha saída!
Saio do sofrimento da vida
para encontrar a morte.

Abra os braços, minha querida!
Espera-me com fervor!
A amante dos sofredores
prepara o meu leito com amor.

Enquanto a vida me açoita,
a deusa que tudo ceifa
prepara a sua espada
para me transformar.

Venha! Venha vida! Venha morte!
Eu sinto lágrimas ao norte!
Meus olhos estão embaçados,
mordo os lábios e saio a correr à cavalo.

Corro até o penhasco.
Ajoelho-me diante dele,
olho para o céu e abro os braços,
tiro o punhal de prata do bolso
prestes a arruinar a chaga
até que ela me mate.

Prefiro morrer agora
por minhas próprias mãos
do que levar uma vida inteira
enfeitiçada e falsa!

Adeus, crueldade mundana!
Se meu ato é coragem ou covardia,
não sei como responder.

Só sei que um cigano não se rende
a uma chaga que lhe faz adoecer.
Pego o punhal e encosto a ponta dele no meu peito,
duas lágrimas escorrem na minha face.

Fecho os olhos e ouço:
"Não! Não! Não!"
Uma mão macia arranca o punhal de mim
e joga a jóia prateada da morte no penhasco.

Seu corpo quente, eu abraço.
Ajoelhado, choro como um menino
com a face encostada em seu ventre.

Ela acaricia os meus cabelos
como um anjo do céu.
"Levanta-te e abraça-me!"
Eu me levanto e abraço Nancy Claire.

Ela me beija com ternura
enquanto o vento balança seu vestido
e faz o seu chapéu voar.

Ela toca o meu peito e a chaga diminui.
Seu incrível efeito cicatrizante é mágico.
Alma de doçuras e transformações.

Apesar dos seus medos,
ela sempre optou pela vida.
O meu orgulho de guerreio me cegou.
Tenho de aprender a viver
como a donzela destemida.

Abraçado a ela,
eu caminho de volta ao seu lar.
Vamos viver a vida,
eis que o amor venceu o medo.

Tatyana Casarino 



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