quarta-feira, 14 de maio de 2025

Ternura da queda

 



A sina é cair sempre,

de tempos em tempos,

em lamentos e lamentos,

sem as tréguas dos anjos.

 

Eu escolhi vir aqui,

e não foi por acaso a queda.

Quero ser a justiceira brava

e não uma santa de fé cega.

 

Meu destino é sentir o amargo,

minha sina é tomar as minhas lágrimas

tão salgadas quanto azedas

para, depois, brindar a bílis negra.

 

Eu amo demais a vida

para desistir dela tão bela.

A beleza não combina com a morte,

agarro-me à ternura da queda.

 

Eu sou a filha da revolta,

forjada no fogo do caos.

Eu sou filha da lágrima

que quer ser vista e ouvida.


Assim como Zaqueu sobe na árvore,

eu subo na copa florida mais bela.

Fujo das agressões da vida incerta,

olho para o semblante do Mestre dela.

 

Eu sou filha da revolta,

e admiro o seu sangue quente.

Queria ser um guerreiro na guerra,

mas sou sua filha melancólica e terna.

 

Meu temperamento está no meio.

Não é fleumático para se resignar

nem colérico para rir e brigar.

Sou melancólica e devo chorar.

 

Por que a vida nos prende

em correntes pesadas e invisíveis?

Por que a vida está estagnada?

Por que o romance não rende?

 

Não me exija, Pai, o sacrifício.

Amo o Seu Filho e a Sua Palavra,

mas nunca serei uma santa passiva.

Corre, em mim, o veneno da ira.

 

Nosso destino não deve ser

só chorar, suportar e sofrer.

Ser cristão também é sorrir,

tomar vinho milagroso e florescer.

 

Onde está o prazer de viver?

Eu sei que ser feliz não é pecado.

Mas, o demônio da grande tristeza

está disfarçado, no deserto, de ser alado.

 

Eu sei que o Senhor me fez diferente,

fez meu corpo, modelou minh’alma.

O Mestre das almas é muito sábio

e não quer os filhos iguais e doentes.

 

Por que não é permitido ser grande

nem pretender o ouro da criatividade?

Ao menos, recebi a permissão celeste

de ir à Igreja com os sapatos vermelhos.

 

A divindade não erra, não erra,

Eu danço livremente na Igreja,

danço, danço, e sou aceita.

Meus sapatos foram feitos à mão.

 

Mas, quando saio da Igreja,

conheço o abismo e a queda.

Uma queda cheia de ternura,

uma queda de sombra e loucura.

 

Se o Senhor me ama, Pai,

então, me console nessa queda.

Eu não quero mais dançar no abismo,

eu não quero mais oscilar entre o choro e o riso.


Assim como Perséfone enfrenta o submundo,

passo metade do tempo na luz mais forte,

e a outra metade mergulhada no sono profundo. 

Na primavera, sou flor e, na queda, beijo noturno. 


Amo a luz, mas amo a escuridão.

Amo a queda e amo a elevação.

Sou apaixonada pela iluminação,

mas Hades vive no meu coração.


Na queda, ganho sabedoria e beleza,

graça, maturidade e asas de borboleta.

Na queda, lágrimas viram diamantes.

Na queda, sou terna e deslumbrante.


Poesia escrita por Tatyana Casarino. 




Essa poesia retrata as oscilações espirituais entre a iluminação e a queda. Com o estilo romântico e repleto de metáforas místicas e mitológicas, a poesia expressa o lado bom dos desafios e das "quedas" espirituais: o aumento da sabedoria, a busca pela justiça, a profundidade emocional e a ternura da melancolia. 

A poesia também faz referência à Perséfone, deusa da mitologia grega cuja história poderia explicar a origem das estações do ano de forma simbólica. Filha de Deméter, a deusa da agricultura, Perséfone passou a ser a amante de Hades, deus do submundo. 

Dessa forma, ela sabe viver tanto na luz da sua querida mãe quanto nas sombras do reino de Hades. Os seus períodos iluminados representariam a primavera, o verão e o outono enquanto o seu mergulho no submundo representaria o inverno. 

Assim como Perséfone se apaixonou por Hades depois de um longo inverno ao lado dele, conforme uma interpretação profunda do mito (ainda que o seu primeiro contato com o submundo não tenha sido agradável após o rapto), podemos fazer as pazes com as nossas sombras e aprender a amá-las. Muito embora o mergulho nas sombras emocionais não seja confortável, aprendemos a enxergar a ternura da queda ao longo do tempo. 


Tatyana Casarino. 

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